Como estimular que os estudantes criem suas próprias perguntas?

Publicado dia 03/04/2017

Na era da informação, respostas factuais são fáceis de encontrar. Você quer saber quem assinou a Declaração da Independência? Pesquise no Google. Curioso sobre a trama do famoso livro de Nathaniel Hawthorne, “A letra escarlate“? Uma rápida pesquisa vai rapidamente refrescar sua memória. Mas, enquanto computadores são excelentes para soltar respostas rapidamente, eles não são bons  em fazer perguntas. Felizmente, é aí que os humanos se destacam.

Texto originalmente publicado por Katrina Schwartz, do Portal MindShift, da rede de parceiros de conteúdo do Centro de Referências. Katrina é uma jornalista residente na Califórnia. Ela trabalhou na Rádio Pública KPCC, de Los Angeles e escreve para a KPCC online desde 2012. É também parte da equipe do MindShift para Educação.

A curiosidade é parte integrante da experiência humana.  Entre os dois e cinco anos de idade, crianças fazem em torno de 40 mil perguntas, explicou Warren Berger, autor do livro “A pergunta mais bonita”, na Conferência de Aprendizagem Inovadora [Innovative Learning Conference], recebida pela Escola Nueva. Crianças pequenas encontram algo novo, aprendem um pouquinho sobre isso, ficam curiosas e aí continuam a aprender outras informações a cada nova descoberta. Berger comenta que é aí que a curiosidade acontece, no intervalo entre aprender alguma coisa e ser exposto a algo novo.

“As crianças estão ativando suas zonas de prazer e produzindo dopamina toda vez que eles aprendem algo  que resolve algum ponto sobre o qual têm curiosidade”, afirma Berger, discutindo que “ser questionador” é uma habilidade muito valorizada. Empresas, governos e organizações estão procurando por pessoas que saibam fazer perguntas profundas que sejam rapazes de resolver problemas reais e que gerem novas possibilidades de solução. Igualmente importante está em cidadãos informados sendo capazes de fazer perguntas sobre o mundo, políticas e ações governamentais.

Felizmente, crianças são super estimuladas por esse tipo de geração de curiosidade. Infelizmente, “logo quando chegam aos cinco ou seis anos de idade, a quantidade de perguntas cai exponencialmente”, atesta Berger. Paradoxalmente, quando as crianças chegam à escola, elas param de fazer perguntas. “Crianças entram na escola como pontos de interrogação e saem delas como pontos finais”, diz Berger, citando o pesquisador Neil Postman. Mas por quê?

“Crianças entram  na escola como pontos de interrogação e saem dela como pontos finais.”

Neil Postman, autor de “O deaparecimento da Infância”.

 

Existem muitas e compreensíveis razões pela qual há uma queda expressiva do hábito de fazer perguntas na escola. Primeiramente, entre elas está o tempo. “O tempo realmente conspira contra o questionar”, explica Berger. “Na sala de aula não há tempo para deixar as crianças fazerem suas perguntas.” E as perguntas realmente boas e profundas normalmente levam tempo para serem elaboradas – mais tempo do que um professor acossado pela demanda de cobrir todo o currículo tem para dar espaço às perguntas. E, enquanto a pressão do tempo é extremamente real na vida dos professores, não garantir o tempo para que os estudantes perguntem diz o quanto perguntar é valioso para a sociedade. Pessoas arranjam tempo para aquilo que valorizam.

Mas o conhecimento também é inimigo das perguntas. “Ao passo que aprendemos mais ou sentimos que aprendemos mais, ficamos menos inclinados a fazer perguntas”, afirma o pesquisador. Muitas vezes as respostas podem fechar avenidas de pensamento ou de caminhos para ver um problema, mas tudo  depende em como os professores tratam o conhecimento. Quando concebido como um empreendimento para toda a vida, aprender um pouquinho sobre alguma coisa abre espaço para aprender mais.

E, claro, existem barreiras sociais para que perguntas sejam feitas. Muitas crianças não percebem o hábito de fazer perguntas como algo “divertido”. E a percepção de que perguntadores são puxas-saco ou nerds também vem do medo. Muitas pessoas se sentem vulneráveis ao admitir que não sabem determinada coisa. Elas têm medo de abrir uma janela para quem são por dentro por pensarem  em voz alta.

Warren Berger, autor do livro "A pergunta mais bonita"

Warren Berger, autor do livro      “A pergunta mais bonita”

Crédito: Divulgação

Essas barreiras para o hábito de perguntar são reais e desafiadoras, mas existem muitas formas para que pais e professores possam trabalhar para transformar o questionar como parte integrante e rotineira da vida e da escola. Uma das principais formas que adultos podem apoiar o questionamento das crianças, segundo Berger, é o de ser exemplo – agindo com curiosidade e valorizando perguntas. No lugar de perguntar aos seus filhos sobre “o que você aprendeu na escola hoje”, um familiar pode perguntar “Que boa pergunta você fez hoje?”.  Ou quando uma criança faz uma daquelas excelentes e profundas perguntas, que normalmente nos deixam embasbacados, familiares podem mergulhar e explorar a pergunta com a criança.

“Você não tem que ter perguntas. Você só tem que ter interesse”, explica Berger. No lugar de tentar fechar uma pergunta encontrando uma resposta ou sendo conciso com um “Eu não sei”, familiares podem responder “Se você fosse responder sua pergunta, por onde começaria?”

“Nós queremos que as perguntas deles sejam amplas, expansíveis no lugar de serem diminuídas até sumirem”, aponta Berger, que acredita que esta filosofia também deve ser aplicada na escola.  Confira:

5 maneiras de ajudar estudantes a se tornarem melhores questionadores

1.Torne seguro

“Eu acho que este é o ponto mais importante”, explicou Berger. Muitas crianças não vão levantar a mão na frente dos colegas para fazer uma pergunta porque estão tímidas ou nervosas. “O medo mata a curiosidade”, explica, ressaltando que medo e curiosidade não combinam. Mas um estudante que tem medo de perguntar na frente de todos, pode se sentir confiante a perguntar em um grupo menor de pessoas ou escrever a pergunta para o professor.

O professor pode apoiar que os pequenos grupos se tornem ainda mais seguros ao estabelecer com as crianças acordos como “nenhuma pergunta pode ser modificada ou julgada”.

“A chave está em tornar o hábito de fazer perguntas o objetivo da atividade, e isso raramente acontece. No lugar, é muito comum que o objetivo seja acertar a resposta”, afirma Berger. Fazer boas perguntas exige prática.

2. Faça que seja  “descolado”

Berger sugere que é preciso convencer as crianças que boas perguntas levam a coisas “descoladas” e interessantes e que tornam o mundo um lugar melhor. Mais ainda, pessoas que fazem boas perguntas são pessoas “descoladas”, e até, em alguns casos, rebeldes. “As pessoas que realmente fazem grandes transformações são as pessoas que fazem perguntas”, complementa. “Questionadores são os exploradores, os dissidentes, os independentes.”

E perguntas podem deixar as pessoas desconfortáveis, especialmente quando elas dialogam com alguma verdade. “Se você é um questionador, você está contra a maré. E isso pode chamar atenção dos jovens”, diverte-se Berger.

3. Faça que seja divertido

Transformar o questionar em jogo pode ser um jeito excelente de tornar o processo mais leve e divertido. Construa o processo para que os estudantes se vejam como detetives, resolvendo enigmas ou quebra-cabeças. Um jogo pode ser o de convidar as crianças a transformarem perguntas fechadas em perguntas abertas e vice-e-versa. Isso ajuda bastante os estudantes a entenderem a diferença entre os tipos de pergunta e o que de fato caracteriza uma pergunta potente.

Estudantes também pode aproximar determinados assuntos com perguntas do tipo “Por que?” e se aprofundarem nelas, com perguntas do tipo “E se?” para abrir a imaginação e seguir com perguntas “Como nós poderíamos” para começar a pensar em soluções. “Como nós poderíamos” é uma forma mais revigorante e criativa de perguntar do que “Como nós deveríamos?”, que tende a trazer consigo maior julgamento.

4. Faça com que seja recompensador

Muitos estudantes estão acostumados com elogios de seus professores. Quando estudantes se aventuram em uma pergunta profunda, eles normalmente escutam “Essa é uma excelente pergunta. Vamos continuar”. Mas, o interesse genuíno de um educador é muito mais potente do que qualquer elogio.

E ainda, professores podem criar estruturas em suas aulas para recompensar perguntas. Talvez valha investir em a melhor pergunta da semana, em que os estudantes votam nas melhores perguntas dos colegas. Ou talvez uma questão bônus em uma prova ou trabalho, em que a tarefa seja construir uma nova pergunta, como “Que pergunta deveria estar nesta prova mas não estava?”

5. Faça “colar”

Perguntar tem que se tornar parte da rotina da escola para que se torne um hábito do estudante. O comediante famoso George Carlin costumava falar em “vuja de”, no lugar de “déja vu”, brincando com a ideia de que nada disso havia acontecido antes. Ele estava brincando, mas ele também estava reconhecendo sua habilidade de olhar para situações comuns sempre com um novo olhar como chave para seu sucesso.

Educadores poderiam seguir a perspectiva de Carlin e gastar mais tempo, pelo menos uma vez por semana, convidando estudantes a refletirem sobre um objeto ou perguntando questões sobre assuntos como se fosse a primeira vez que eles se perguntassem isso. “Se você conseguir instaurar este hábito na mente das crianças, esta será a chave para que se tornem inovadores”, complementa Berger.

Berger acredita que se educadores conseguirem encontrar minutos preciosos para encorajar estes hábitos, eles conseguirão efetivamente apoiar o desenvolvimento do pensamento crítico. “Eu sei que muitas vezes não sentimos que há espaço em nossas rotinas e demandas curriculares, mas eu entendo que o que precisamos tem que ser alcançado em pequenos atos de insurreição”, defende.

Perguntar é sobre poder

Nos sentirmos confiantes em questionar os sistemas de poder em torno de nós é uma das tarefas mais importantes de um cidadão informado. Crianças precisam aprender em sua trajetória escolar que elas têm o direito de saber, de contestar premissas e em “ir mais fundo.” Encorajar esta mentalidade nos estudantes pode ser desafiador para professores que muitas vezes acabam sendo cúmplices da forma como o sistema educacional controla os estudantes. Mas, muitas vezes, quando professores abrem espaço para essas perguntas, e as valorizam e tomam tempo para explorá-las em sala, constrói-se uma profunda relação de confiança.

“Eu também acredito que fazer perguntas importa porque perguntas abrem espaço para o diálogo no lugar de fechar as portas e as relações”, indica Berger. Ele diz que são as perguntas honestas, bem pensadas e respeitosas que realmente provocam boas discussões e que, ao final, podem levar à equidade pela qual tantos educadores e estudantes se esforçam”, indica o pesquisador.

É também necessário reconhecer que questionar torna um estudante vulnerável, e cada estudante tem uma forma diferente de se relacionar e experienciar com o enfrentamento de autoridades. “É bem possível que uma parte das crianças fique preocupada que o hábito de perguntar faça com que se exponham demais, ou que fiquem “mal na fita” com os professores e direção. Aquele garoto  tem mais  em jogo e professores precisam reconhecer isso”, complementa Berger.

 

Essas perguntas perguntas que geram equidade são o próximo tópico de interesse de Berger. Um dos estudos que ele leu mostrou que estudantes de classes mais ricas são encorajados a perguntar na escola, enquanto os mais pobres são condicionados – por escolas e familiares – a se conformar e não balançarem as estruturas.

“Só porque eles não estão fazendo perguntas, não significa que eles não as tenham”, afirma o pesquisador, que está investigando  formas de tornar ambientes seguros para que todos possam perguntar. Finalmente, questionar e refletir são as chaves para o crescimento pessoal, algo que todos os educadores desejam para seus estudantes.

“É ok perguntar questões ambiciosas sobre você mesmo, sobre sua vida e que você não tenha que respondê-las imediatamente”, finaliza Berger. Muitas vezes, pessoas não perguntam esse tipo de questões porque têm medo de não terem as respostas. Mas, se fazer perguntas sempre foi parte intrínseca do aprender, talvez a próxima geração de cidadãos não  tenha tanto medo de fazer essas perguntas difíceis.”

Usando a Técnica de Formulação de Perguntas

Para apoiar educadores, seguindo a dica do professor Berger, o Centro de Referências resumiu e traduziu, adaptando-a com referências nacionais, a metodologia da Técnica de Formulação de Perguntas, sistematizada por Luz Santana e Dan Rothstein, presidentes do Right Question Institute [Instituto Pergunta Certa, em tradução livre para o português] e pesquisadores da Universidade de Harvard. Veja só:

1.Reúna os estudantes em pequenos grupos;

2. Escolha e apresente um cenário a partir de um tema que esteja discutindo.

Por exemplo, em Literatura, você pode apresentar a frase “Capitu traiu Bentinho”  ou em Educação Física, “Todo esporte faz bem  à saúde” ou em ciências “Chuva é um fenômeno que resulta da condensação do vapor de água da atmosfera em pequenas gotas que, quando atingem peso suficiente, se precipitam sobre o solo.”

Caso deseje, você pode ofertar cenários, premissas diferentes para cada grupo – ainda que relacionados à mesma temática. Por exemplo, no caso de Dom Casmurro, ofertar o cenário “Capitu traiu Bentinho” para um grupo ou “Bentinho conseguiu atar as pontas de sua vida com o relato da história.”

3. Convide os estudantes a fazer perguntas livremente a partir da afirmação, cenário ofertado, registrando-as em uma folha de cartolina ou semelhante.

É importante estipular um tempo para a etapa e lembrar os estudantes dos acordos de que nenhuma pergunta não deve ser feita, todas as perguntas são relevantes, nenhuma pergunta será julgada.

4. Com as questões elaboradas, peça que os estudantes as classifiquem em abertas ou fechadas. 

Perguntas abertas são aquelas que não conseguem ser respondidas com afirmações simplificadas como “sim”, “não”, ou com uma palavra. Por exemplo, sobre Bentinho e Capitu: “Bentinho era marido de Capitu?” seria uma pergunta fechada, enquanto, “como era o casamento de Bentinho e Capitu?” seria uma pergunta aberta.

5.  Quando terminada a tarefa, encoraje os estudantes a discutirem sobre a diferença entre os tipos de pergunta

Vale questioná-los sobre “existe diferença na eficiência delas”, “elas servem para a mesma coisa”, “que tipos de respostas elas oferecem”, “quando são utilizadas e quais as vantagens e desvantagens de cada uma delas.”

É fundamental que os estudantes possam trazer suas percepções sem medo, apoiados por uma ambiente seguro em que todos estão refletindo coletivamente.

6. No grupo, agora os estudantes terão a chance de transformar uma ou mais perguntas fechadas em perguntas abertas e vice e versa.

A ideia é que adicionando ou mudando palavras eles possam sair de uma pergunta cuja resposta seja “sim ou não” para uma cuja resposta exija outra forma de reflexão. Peça que a turma faça o mesmo com uma pergunta aberta, trasnformando-a em uma fechada.

Aqui é importante não criar a ideia de que uma pergunta aberta é melhor que uma fechada ou vice e versa. A ideia é estimular que a turma perceba a diferença entre elas e como podemos construí-las, adaptá-las ou modificá-las.

7. Agora peça que os estudantes definam coletivamente quais as três perguntas mais importantes construídas e que as organizem, juntos, por prioridade – 1ª, 2ª e 3ª, justificando o porquê das escolhas.

A ideia é que os estudantes possam selecionar um determinado número de perguntas – a ser estipulado conforme o tamanho dos grupos.

Em caso de desentendimentos dos estudantes na escolha e priorização, reconheça que tudo bem, e que é importante que eles justifiquem as escolhas, buscando uma auto-mediação e que possam chegar a um consenso.

8. Peça que os grupos compartilhem suas reflexões. Eles podem fazer isso oralmente ou trocando suas folhas ou cartolinas com anotações.

A ideia é que possam ver as contribuições dos demais e perceber coisas que não haviam visto, que existem muitas perguntas para um mesmo cenário, ou que determinada temática tem muitas perguntas relacionadas.  É também uma oportunidade de reconhecimento público do professor para o trabalho dos estudantes, valorizando a contribuição de cada um para o processo criativo coletivo.

9. Por fim, peça que os estudantes possam falar sobre o processo de fazer perguntas. Sobre o que sentiram, o que acharam da atividade, das perguntas realizadas. 

A avaliação da atividade é fundamental para que você possa adaptá-la às necessidades dos estudantes e do seu contexto.

Ela pode ser o ponto de partida para outras atividades, com os estudantes respondendo às próprias questões ou pode ser feita para que os estudantes, depois, possam criar novos cenários, ou responder, coletivamente, a uma pergunta que desejem. Fundamentalmente, o importante é garantir que eles se sintam seguros em criar suas próprias perguntas e que aprendam juntos como fazê-las parte de sua rotina – na escola e na vida.

 

 

Criatividade é fundamental para o sucesso da aprendizagem

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