publicado dia 04/05/2023
“Um país não pode pensar em projeto democrático sem Educação Integral”, diz Jaqueline Moll
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 04/05/2023
Reportagem: Ingrid Matuoka
Nesta quarta-feira (3/5), o Fórum de Educação Integral para uma Cidade Educadora (FEICE) recebeu Jaqueline Moll para o debate “Educação Integral e a retomada de uma agenda democrática para a educação pública brasileira”. O evento aconteceu na Câmara dos Vereadores de São Paulo.
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Pesquisadora e professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Jaqueline atuou como diretora de Currículos e Educação Integral da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), onde foi responsável pelo desenho e implementação do Mais Educação.
O programa, que chegou a mais de 60 mil escolas brasileiras impulsionando a Educação Integral, começou a ser descaracterizado durante o governo Temer e foi encerrado em 2019.
“Tenho respeito por esse governo eleito, mas já esperava que tivéssemos anunciado uma retomada de algum outro grande programa de Educação Integral”, aponta a especialista. “Alguns princípios organizadores do Mais Educação foram a diversidade, acessibilidade, diálogo com as comunidades e os territórios educativos, que podem servir de base para essa reorganização”, complementa.
Jaqueline argumenta que a retomada se faz necessária devido à característica central da Educação Integral em promover equidade e direitos para os indivíduos, o que, coletivamente, diz respeito a um projeto de sociedade e de educação democráticas e justas.
“Só somos o país que somos e temos as dificuldades democráticas que temos porque ainda não efetivamos o projeto de educação pública de qualidade para todos, que não é outra senão a Educação Integral. Um país não pode pensar em um projeto democrático sem a escola, sem a Educação Integral”, afirma Jaqueline.
“A Educação Integral não serve para melhorar índices. A melhoria dos indicadores é consequência”, afirma Jaqueline Moll
Tal concepção de educação não passa apenas por ampliar a jornada, ainda que isso seja necessário diante das desigualdades que assolam o país, a fim de oferecer mais oportunidades educacionais, de formação integral e de acesso à Cultura, Esporte, Saúde e demais direitos para quem menos tem acesso a tais oportunidades.
“A Educação Integral não serve para melhorar índices. A melhoria dos indicadores é consequência. A evasão cai, a relação com a comunidade e a ambiência melhoram, e os estudantes aprendem mais ao viver experiências e práticas sociais significativas em diferentes áreas do conhecimento”, explica Jaqueline.
Contudo, efetivar a Educação Integral no Brasil, como previsto pela Lei de Diretrizes e Bases e o Plano Nacional de Educação, é um desafio, sobretudo pela descontinuidade das políticas.
“O FEICE, que foi constituído em 2016, é uma referência importante para a manutenção dessa agenda. No próximo dia 19 de maio, vamos instituir o Fórum Nacional de Educação Integral para uma Sociedade Democrática, e a participação do FEICE será fundamental”, anunciou a especialista.
Para pensar uma Educação Integral que faça sentido para o contexto e as demandas atuais do Brasil, Jaqueline defende ouvir as juventudes e os movimentos sociais e culturais, bem como buscar a memória da agenda no país e as professoras(es) e pensadoras(es) que fizeram a concepção avançar.
“Não precisamos imitar Anísio Teixeira ou Paulo Freire, precisamos recriá-los”, afirma Jaqueline. “Anísio acreditava que a educação é o fundamento da democracia que, até 2016, achei que estava dada, mas a ruptura mostrou que Anísio estava certo. A tendência a voltar para o totalitarismo está sempre presente e vai aparecer nos pequenos municípios, bairros. E aí é mais e mais Paulo Freire, com a tomada de consciência”, complementa.
Em relação a outro fruto dos retrocessos impostos a partir de 2016, a professora da UFRGS cita o Novo Ensino Médio como um mecanismo de manutenção da estrutura desigual da sociedade. Em oposição a este modelo, retoma a experiência dos CIEPS concebidos por Darcy Ribeiro, que hoje “foram sepultados”.
“Precisamos recuperar essas matrizes, nosso antídoto contra os fascismos sociais”, diz Jaqueline Moll
“Somos uma sociedade apartada. Os jovens de classe média alta não convivem com os da periferia. Só por meio das políticas de cotas, recentemente, isso tem se tornado possível. Precisamos juntar esses jovens em festivais de música, de esportes, é preciso quebrar esse degrau entre as classes sociais”, diz Jaqueline, reforçando também a importância de espaços educativos como museus, centros culturais, praças e parques.
“Antes dos CEUS, houve o trabalho de Maria Nilde Mascellani. O pensamento dela não está na superfície. Poucas faculdades trabalham com ela, que fez uma pedagogia no exercício dos ginásios vocacionais, uma das primeiras coisas que a Ditadura destruiu”, rememora a professora.
Ela também cita a antropóloga cultural Margaret Midge, que toma como sinal de civilização o cuidado com o outro. “A escola é ameaçada socialmente e as violências físicas estão invadindo o espaço escolar. Lidar com isso requer educação fora da escola e construção de redes de solidariedade”, diz.
Hannah Arendt, na tarefa de renovar nosso mundo comum, Celestin Freinet, com as aulas-passeio, cantinhos pedagógicos e jornais escolares, Lorenzo Milani com a Escola de Barbiana, são outros pensadores(as) que Jaqueline retoma para pensar pedagogias dialógicas que rompam com a estrutura vertical das escolas.
“Todos esses mestres trazem a confluência do pensamento pedagógico democrático, da educação republicana, universal, laica e de qualidade para toda a gente. Com autonomia, valorização dos sujeitos e suas culturas, redesenho dos espaços e tempos. Essa escola é a escola de Educação Integral, que também está nas experiências de educação quilombola, indígena, campesina e dos movimentos sociais. Precisamos recuperar essas matrizes, nosso antídoto contra os fascismos sociais”, finaliza Jaqueline.