publicado dia 30/11/2017

“Todo o currículo pode ser ensinado fora da sala de aula”

Reportagem:

Abra a porta de sua sala de aula e leve imediatamente seus alunos para aprender fora dela. É o que aconselha a britânica Juliet Robertson, consultora de educação especializada em aprendizagem ao ar livre, para aulas mais criativas e envolventes.

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Autora do livro Dirty Teaching: a beginner’s guide to learning outdoors (Ensino sujo: um guia para iniciantes para aprender ao ar livre, em tradução livre), Juliet defende que a interação e exploração dos espaços abertos trazem oportunidades educativas muito mais efetivas e perduráveis para as crianças e jovens.

Em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral, a especialista , falou sobre a importância de utilizar a natureza e outros ambientes externos, bem como o asfalto das ruas, para o processo de ensino-aprendizagem e compartilhou dicas de como planejar práticas que deem “vida” para o currículo escolar.

Confira:

Centro de Referências em Educação Integral: Primeiramente, por que ensinar ao ar livre? Quais são os benefícios para a aprendizagem das crianças?

Juliet Robertson: Existem várias maneiras de responder a esta pergunta:

1. Por que não ensinar ao ar livre? Vale lembrar que foi somente no contexto de gerações recentes que começamos a incorporar a aprendizagem em espaço fechados, em salas de aula. Durante a maior parte de nossa história, aprendemos predominantemente nos ambientes externos, brincando e nos espelhando nos exemplos dados pelos membros de nossas famílias e outros adultos da nossa comunidade.

Juliet Robertson

Juliet Robertson: muitos conteúdos são melhor ensinados nos ambientes externos

2. Existem muitas pesquisas mostrando que as crianças se beneficiam ao aprender e brincar ao ar livre. Um resumo disso pode ser encontrado no site Children and Nature Network. Mas se você observar as crianças brincando em um espaço natural já é possível testemunhar estes resultados: as crianças que passam mais tempo na natureza aparentam ser fisicamente mais ativas, têm melhor coordenação, capacidade de resolver problemas, de se autorregular, demonstram mais independência e são mais sociáveis.

3. Outro ponto é: aquilo que você não conhece, você não sente falta. Isto é, as crianças que não têm oportunidade de brincar na natureza, não sabem o que estão perdendo. Isso também significa que elas não conhecem o valor da natureza, exceto de maneira superficial. Portanto, não conseguem compreender por que cuidar do meio ambiente e ter uma conexão emocional ou espiritual com a terra. Além disso, quando você ouve educadores falarem sobre as habilidades necessárias o século 21 – como criatividade, capacidade de resolver problemas ou resiliência -, eles estão falando de habilidades que são precisamente desenvolvidas por meio do brincar e da aprendizagem ao ar livre.

CR: Diante da predominância do modelo escolar tradicional, isto é, da educação feita em sala, como os professores podem idealizar aulas e atividades fora deste espaço? 

JR: Deve-se começar com aquilo que os professores conhecem e podem fazer bem. Como regra geral, os professores são profissionais altamente qualificados e que se importam profundamente com o aprendizado e bem-estar de seus alunos. Então, ao trabalhar fora de sala, é preciso focar nos pontos fortes do professor ao invés de criticá-lo por não saber como ensinar em um ambiente externo. Outro ponto importante é que no lugar de criar “lições ao ar livre” é melhor falar sobre “matemática ou alfabetização fora da sala”. Isso valida essa aprendizagem e garante-lhe espaço dentro de um currículo apertado.

Durante a maior parte de nossa história, aprendemos nos ambientes externos, brincando e nos espelhando nos adultos da comunidade

Outro cuidado é ter objetivos claros. Por exemplo, se o professor quer que as crianças identifiquem e aprendam os nomes de diferentes ângulos, pode então desafiá-las a encontrar um graveto que tenha todos os ângulos: raso, reto, obtuso, agudo e côncavo. É um prazer ouvir as descobertas matemáticas na medida em que as crianças vão dando feedback sobre o que aprenderam. Naturalmente, uma lição única é insuficiente. Crianças precisam de introduções passo a passo, seguidas de tempo, que as ajudam a esquecer para depois reaprender, para então fixar as habilidades e o conhecimento na memória de longo prazo.

CR: O que é alfabetização ao ar livre e como pode ser encorajada?

JR: É qualquer leitura, escrita, conversa ou escuta que ocorre no ambiente externo. Para que seja brilhante, é necessário que aproveite ao máximo o lugar onde acontece, seja o asfalto, a praia ou a mata. Por exemplo, uma criança pode criar um mundo em miniatura a partir da terra, galhos, pedras e folhas. Este pode ser o contexto de uma história escrita, dentro ou fora da sala. Com crianças pequenas, ter lugares para se esconder, estar com um amigo ou um grupo pequeno também pode ajudar a desenvolver a confiança para conversar e ouvir.

CR: E quanto à matemática ao ar livre? 

JR: Os números são uma ferramenta para interpretar o mundo que nos rodeia. Acho que alguns aspectos da matemática são melhor ensinados fora da sala de aula, particularmente, até a idade de 11 ou 12 anos. Por exemplo, medidas, formas, posições, movimentos e direções fazem muito mais sentido quando ensinados ao ar livre. Existem tantas formas a serem encontradas nos ambientes externos e simples desafios como “há ângulos retos na natureza?” provocam uma investigação entusiasmada.

CR: É possível estender esse princípio ao resto do currículo?

JR: Todo o currículo pode ser ensinado fora da sala de aula. Sete anos atrás, eu tive que analisar o currículo escocês com objetivo de identificar quais aspectos precisavam de um elemento externo para ser efetivamente incorporado, quais precisavam de um elemento interior e quais era indiferentes. Os únicos conteúdos que realmente precisavam ser ensinados dentro de uma sala foram conceitos de Química que exigiam condições laboratoriais.

Aprender fora da sala de aula

Juliet Robertson participa de atividade usando a natureza como “material didático”

CR: Como educadores, escolas e comunidade podem transformar os espaços ao ar livre?

JR: Defendo uma abordagem participativa em que crianças e outras partes interessadas são consultadas e seus pontos de vista considerados para cada um dos passos. Uma abordagem inclusiva, colaborativa e fundamentada em direitos. Podemos, por exemplo, pedir para que peguem um cartão de papel e dividam em dois pedaços.

Em um, devem desenhar um grande coração e colocá-lo no local ao ar livre que mais gostam. A justificativa pode ser escrita no próprio cartão como “este é o lugar com a melhor vista” ou “eu jogo futebol aqui”. No outro pedaço, devem fazer um pequeno coração para marcar o lugar do espaço exterior que precisa de mais amor e cuidado. O motivo também pode vir escrito como “este lugar é escuro e não cheira muito bem”.

Crianças que não têm oportunidade de brincar na natureza, não sabem o que estão perdendo. Isso significa que elas não conhecem o seu valor, exceto de maneira superficial

Os cartões podem ser fotografados e os depoimentos reunidos. A partir desse ponto, todos devem colocar suas ideias para melhorar as questões que não estão bem. Em seguida, essas ideias são divididas em três categorias:

· Agora: ações que podemos tomar no presente, que não exigem tempo e dinheiro.
· Logo: ações que levam mais tempo ou mais dinheiro para resolver.
· Mais tarde: ações que levam muito tempo e dinheiro para implementar.

Ao fazer isso, mesmo que uma criança tenha sugerido algo muito caro ou difícil de alcançar, este pode entrar na categoria “mais tarde” e gerar um brainstorming para alternativas mais baratas e fáceis. Por exemplo, se uma criança decidir que a escola precisa de uma piscina, podemos pedir para que considere ideias como uma visita a uma piscina pública, à praia ou talvez montar uma piscina inflável.

Além disso, na minha experiência, as mudanças mais ricas surgiram de ideias criativas envolvendo reciclar e reutilizar objetos e doações, muito mais que de reformas caras trazendo equipamentos estáticos de recreação.

CR: A senhora poderia nos dar alguns exemplos práticos de aprendizagem ao ar livre e mão na massa?

JR: Em meu livro, reúno centenas de ideias e mais centenas podem ser encontradas no meu site Creative Star. Uma das minhas favoritas é pegar o medo ou a preocupação em relação a aprender fora da sala de aula e transformá-los em uma música, jogo ou atividade. Por exemplo, muitas vezes vejo crianças com medo de abelhas e vespas. Então, jogamos o “jogo das abelhas” que nos ensina a parar, ficar quietos e fechar a boca se uma abelha se aproximar. Também encorajo as crianças a descobrirem mais sobre estes insetos. Podemos dissecar algumas abelhas mortas que achamos no chão ou plantar “flores amigas” das abelhas. Então, cantamos músicas sobre abelhas e criamos danças de abelhas para mostrar às pessoas onde plantamos as flores que elas gostam.

CR: Temos uma infância cada vez mais permeada pela tecnologia. Como combinar essa dimensão com a brincadeira e a aprendizagem ao ar livre?

JR: Um bom ponto de partida é considerar a tecnologia digital como uma ferramenta que pode ser tanto um obstáculo como uma ajuda. A partir daí, podemos começar a pensar sobre os elementos positivos, como ser capaz de tirar fotos e aprender a observar o mundo que nos rodeia. Existem muitos aplicativos para tablets e celulares que podem ser úteis, como as funções de câmera e vídeo, a bússola, a calculadora e assim por diante. Meu conselho é sempre fazer o melhor uso disso.

Por exemplo, você pode pedir para sua classe escolher e escrever três valores, como cuidado, compaixão e gentileza. Então, as crianças devem sair da sala e encontrar exemplos desses valores. Um exemplo pode ser um jardim bem cuidado. Outro, flagrar alguém gentilmente abrindo uma porta para outra pessoa. E uma criança pode ser exemplo de compaixão ao mover uma minhoca da rua para a terra.

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