publicado dia 21/09/2020

Saúde mental de professores e estudantes: a escola como espaço de elaboração psíquica individual e coletiva

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Por Tide Setúbal*

A pandemia de Covid-19 trouxe enormes desafios, em múltiplas dimensões, especialmente na área da saúde e da economia. Hospitais lotados, milhares de mortes, população mais empobrecida, o que num país que já tinha uma desigualdade social abissal é mais uma tragédia. No entanto, os desafios não param por aí: a dimensão da saúde mental da população brasileira também vem sendo muito exigida, sobretudo desde março de 2020. Nesse contexto, a comunidade escolar da Educação Básica é uma das mais atingidas pelas mudanças repentinas de rotina e de processos e, diante disso, alunos, professores e gestores precisam de atenção específica para que atravessem esse período da melhor forma possível.

Não voltar, recriar a escola | Helena Singer

*Tide Setubal é coordenadora da área de saúde mental e conselheira da Fundação Tide Setubal, que criou, com a Nova Escola, o Movimento Saúde Emocional de A a Z, focado no professor. Psicóloga e psicanalista, tem mestrado na Universidade Paris V, com pesquisa sobre adolescência. Integra o Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, onde é professora e participa de grupos de pesquisa. É idealizadora do programa Espaço Jovem e coautora do livro Mundo Jovem, ambos pela Fundação.

A elaboração psíquica desse momento histórico agudo, com mais de 130 mil mortes oficiais no país até meados de setembro, demanda reflexão e a criação de narrativas sobre o que está acontecendo. Para isso, é preciso, antes de qualquer coisa, parar, pensar, sentir. Ou seja, deixar-se afetar pelo que está nos acometendo, para assim olharmos para nossas vidas e tentarmos dar significado ao que estamos vivenciando.

A escola, como um espaço privilegiado de pensamento, aprendizagem e reflexão, pode ter um papel central nesse trabalho psíquico. A oportunidade de tecer essas narrativas pode passar pelo professor criar um ambiente favorável e oferecer continuamente espaços de troca entre os alunos. Ainda que o espaço de ensino-aprendizagem continue de forma virtual e à distância, por conta do isolamento social, ele pode incluir atividades lúdicas, de diálogo e de acolhimento que favoreçam essa elaboração individual e coletiva, por meio de conversas, desenhos, produção de textos, discussão de filmes ou vídeos, entre outros recursos pedagógicos, conforme as ferramentas disponíveis.

Essa dinâmica no âmbito coletivo é importante porque uma elaboração psíquica dessa dimensão se tece na combinação entre a elaboração individual e a coletiva, isto é, entre o que eu penso e o que o outro me faz repensar e ressignificar, a partir da troca com ele. É justamente esse trabalho, fiado a partir de mim e do outro, que pode ajudar essa experiência da pandemia a ficar menos traumática para cada um de nós.

Porque sim, se não pensamos, se não falamos, se não nomearmos, se não elaboramos, essa experiência poderá se tornar um trauma, ou seja, um excesso psíquico não elaborado, que fica como pura repetição, sem palavras. Não é saudável, portanto, tentarmos ignorar e silenciar o que está acontecendo. A pandemia exigiu e ainda está exigindo um enorme trabalho psíquico de adaptação a um novo cotidiano, mas há muitas outras questões que merecem conversas e trocas para a boa saúde emocional de todos.

Estão presentes nos milhões de estudantes e professores o compreensível medo de adoecer, as incertezas quanto ao presente e o futuro, a saudade dos amigos e colegas, a exaustão do longo período de confinamento, o luto pela morte de parentes ou conhecidos, as dúvidas e os receios sobre o retorno presencial à escola e o término do ano letivo. Diálogos e intercâmbios sobre esses assuntos podem permitir que os docentes percebam como os alunos estão e então trabalhem as aulas dentro do possível para este momento, e não dentro de um quadro ideal ou perfeito, a qual pode gerar ainda mais ansiedades.

O retorno às aulas presenciais também não deve ocorrer como uma maratona de cem metros, no afã de se recuperar todo o ano, porque isso gerará mais angústias, ansiedades e frustrações. Os alunos, assim como os professores, precisam ter momentos de elaboração com seus pares, em que falem e escutem sobre seus sentimentos e se ajudem mutuamente.

Todo esse movimento de cuidado com a saúde emocional, que, com elaborações individual e coletiva, aproxima alunos e professores, fortalece laços, vínculos e conexões, aprofunda relações e melhora o clima escolar, é essencial para impulsionar o aprendizado. Nesse sentido, torna-se fundamental que toda a comunidade escolar, alunos, professores e sobretudo a direção da escola abracem essa dimensão da saúde mental, incluindo-a no seu cotidiano escolar, olhando para seus alunos e professores como sujeitos psíquicos que, como tais, se afetam, se entristecem, se alegram e certamente são muito mais férteis nos seus estudos e trabalhos quando têm espaços para a elaboração de suas dúvidas, incertezas e angústias. Que esse movimento tenha vindo para ficar.

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