publicado dia 11/03/2025

Salomão Ximenes: “Escola cívico-militar é solução autoritária para problemas reais da escola” 

Reportagem: | Edição: Tory Helena

🗒 Resumo: Está prevista para começar na segunda-feira (17/03) uma consulta pública sobre a adoção do modelo cívico-militar em escolas públicas do Estado de São Paulo. Em entrevista, Salomão Ximenes, professor na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), explica a contradição desta consulta pública e alerta para as consequências que a escola cívico-militar pode trazer para as comunidades escolares.

Na segunda-feira (17/03) deve ter início, no Estado de São Paulo, a primeira rodada da consulta pública para comunidades escolares decidirem sobre a conversão de suas escolas públicas para o modelo cívico-militar.

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A votação vai até 31/03 e, após o período, até 100 unidades educacionais da rede estadual de São Paulo poderão fazer parte do Programa Escola Cívico-Militar a partir do segundo semestre. A divulgação oficial das escolas contempladas será feita em abril.

Aprovado em votação truculenta em maio do ano passado, o programa é voltado para instituições “situadas em regiões de maior incidência de criminalidade” e tem dentre seus objetivos melhorar os índices de evasão escolar e a segurança das escolas. 

A experiência brasileira com o modelo, contudo, aponta o caminho contrário, como mostram as denúncias sintetizadas no “Relatório Paralelo sobre a situação de crescente militarização da Educação Básica, perseguição sistemática a educadores e educadoras e censura às temáticas de direitos humanos nas escolas do Brasil“, apresentado ao Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (CDESC) da Organização das Nações Unidas (ONU).

Há casos de violações de direitos dentro e no entorno das escolas, perseguição e agressão a estudantes e professores, abuso e assédio, racismo, LGBTQIAP+fobia, censura às temáticas de direitos humanos, entre outras.

Em entrevista, Salomão Ximenes, professor na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), e integrante da Rede Escola Pública e Universidade (REPU) e da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, alerta para a contradição dessa consulta pública, os efeitos negativos da militarização na Educação Pública e traz orientações para as comunidades escolares sobre o tema. 

Centro de Referências em Educação Integral: Por que é uma contradição consultar as comunidades sobre a implementação das escolas cívico-militares?

Salomão Ximenes: Essa consulta pública vem como uma estratégia de implementação dos programas de militarização na Educação. O programa já está previamente decidido. A decisão já foi tomada pelo Estado, aprovada em lei, desenhada em política pública, e só então acontece a consulta. 

Não se adota uma estratégia de deliberação sobre a adequação pedagógica desse modelo face a outras alternativas pedagógicas ou de aprimoramento da disciplina escolar. A consulta não é uma consulta sobre a adequação da política, é uma etapa de implementação de decisão prévia tomada.

“A escola não pode escolher um modelo que se afaste da gestão democrática, prevista na Constituição Federal”, diz Salomão Ximenes.

Ela tem uma limitação de partida que é colocar para consulta uma hipótese que sequer devia fazer parte das políticas educacionais, porque quando falamos de gestão democrática e democracia política, evidentemente que nesse âmbito não está escolher uma gestão autoritária da escola, assim como a população poder escolher a ditadura seria uma contradição. 

A democracia não é só um requisito formal, de voto da maioria, mas material, de proteção dos valores e direitos fundamentais. Uma maioria não pode decidir exterminar uma minoria, por exemplo. Assim, a escola não pode escolher um modelo que se afaste da gestão democrática, prevista na Constituição Federal.

CR: Quais discussões serão levantadas durante a consulta? 

Salomão: Quando se leva esse tipo de deliberação para o nível da escola, os elementos que vão ser discutidos não necessariamente são relacionados ao Projeto Político Pedagógico da militarização. 

O que vai acabar sendo discutido são os problemas concretos que as escolas enfrentam, como infraestrutura, falta de pessoal, indisciplina. E a escola cívico-militar é uma solução autoritária para estes problemas reais da escola. 

A comunidade se coloca frente a essa decisão, que é enviesada porque mobiliza demandas e anseios reais das famílias, professores e escolas, oferecendo uma alternativa incompatível com a Educação democrática e de qualidade.

Incentivamos que as escolas recusem aderir ao projeto, porque é incompatível com uma Educação democrática.

CR: O que as comunidades escolares precisam saber sobre a escola cívico-militar antes de votarem?

Salomão: O projeto das escolas cívico-militares vai contra uma escola inclusiva, para todos, que respeita os direitos humanos, a memória histórica da ditadura militar, entre várias outras questões.

Essa é uma opção que vai colocar na escola profissionais da Segurança Pública, da reserva, que não tem a qualificação para trabalhar com a complexidade que é a Educação em uma instituição escolar. Eles não têm formação ou experiência, como os professores têm.

Isso vai levar a um risco que já é sentido na própria comunidade e sociedade. As pesquisas de opinião pública mostram que a população brasileira, sobretudo da periferia, não se sente mais segura com a presença da polícia. 

É um serviço público que deveria funcionar bem e transmitir segurança, mas infelizmente pelo perfil militar da polícia e a história de autoritarismo do país, que de alguma forma nunca foi enfrentada e segue uma cultura nas polícias, a população que mais precisa de Segurança Pública é a que mais sofre com a cultura de cerceamento de abuso de poder.

“As pesquisas mostram que essas escolas rapidamente se transformam em escolas menos diversas, com perfil socioeconômico mais homogêneo, porque eles são expulsos, ainda que informalmente”, diz Salomão.

É mais grave se estamos falando de crianças e adolescentes lidarem com esse cotidiano de violência, que vai desde o cerceamento da liberdade de ir e vir, se manifestar, poder usar o corte de cabelo que mais expressa sua identidade cultural e de gênero e a questão da construção da afetividade na escola.

O regimento das escolas cívico-militares do Paraná, que é público, cerceia vários aspectos que são fundamentais para a construção das identidades dos adolescentes e jovens. Além da violência, limitar a possibilidade de envolvimento com essa identidade traz prejuízos pedagógicos e pessoais para os estudantes e as famílias.

Além disso, há a tendência que essas escolas têm de expulsar os estudantes com maiores dificuldades de aprendizagem. As pesquisas mostram que essas escolas rapidamente se transformam em escolas menos diversas, com perfil socioeconômico mais homogêneo, porque eles são expulsos, ainda que informalmente. 

A escola tem que atender a todos. Especialmente, dar mais oportunidades a quem mais precisa.

*Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

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