publicado dia 11/12/2020

Regulamentação do novo Fundeb ‘tira’ verba da educação pública e permite destinar recursos ao setor privado

Reportagem:

Após cinco anos de debates, participação popular e uma aprovação vitoriosa no Congresso, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) está novamente em risco. Nesta quinta-feira, 10, o texto-base do projeto de lei n° 4.372/2020, que regulamenta o Fundo, foi aprovado pela Câmara dos Deputados com a inclusão de dispositivos que haviam sido rechaçados por especialistas da Educação e parlamentares durante a votação de agosto.

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Dentre as alterações no Fundo, que é o principal mecanismo de financiamento da educação básica no Brasil, os deputados incluíram, a pedido do governo federal, a autorização para repassar verbas para escolas filantrópicas, comunitárias, confessionais (ligadas a igrejas), e profissionalizantes, como as do Sistema S (Senac, Sesi e Senai).

Vale lembrar que o Sistema S já é financiado pela taxação de 2,5% sobre a folha de pagamento das empresas brasileiras. “E atualmente ele possui um per capita superior ao das redes públicas”, diz Cleuza Repulho, consultora educacional, ex-presidente da Undime (União dos Dirigentes Municipais de Educação) e membro do Coletivo Articulador do Centro de Referências em Educação Integral

Para a especialista, é grave o rompimento do debate democrático que vinha sendo feito em torno do assunto. “Por muito tempo foram pensados mecanismos para regulamentação do Fundeb. Muitos acordos entre os partidos foram feitos, consultando as pessoas para fazer as melhores escolhas. Isso estava pactuado e organizado, mas durante a votação não foi cumprido. Pode haver discussão sobre o tema, de forma negociada e democrática, o que não pode é vir uma imposição como essa”, afirma Cleuza.

“O que se ganhou com o Fundeb constitucional se perde agora com a regulamentação”, pontua Maria Thereza Marcílio.

Atualmente e pela Emenda Constitucional aprovada em agosto, o Fundeb, que foi criado para reduzir as desigualdades entre as redes do país, só pode oferecer recursos para escolas públicas. “A rigor, essa decisão da Câmara é inconstitucional, porque essa lei é menor, é uma regulamentação de uma lei da nossa Constituição Federal. Essa Emenda que foi aprovada diz que é recurso público para escola pública. Assim, o que se ganhou com o Fundeb constitucional se perde agora com a regulamentação”, pontua Maria Thereza Marcílio, presidente da Avante – Educação e Mobilização Social. 

Outra alteração no texto autoriza o uso de recursos do Fundo para pagar os salários de profissionais da área administrativa, técnica, psicólogos, assistentes sociais e terceirizados. Originalmente a verba é destinada a profissionais da Educação, que já recebem 24% a menos que outros profissionais com formação de nível superior. “Isso vai impactar a remuneração do professor. Apesar de ainda ser pouco e desigual, o Fundo ajudou a melhorar a condição dos educadores, porque os municípios sozinhos muitas vezes não têm essa possibilidade”, observa Maria Thereza. 

Para as especialistas, essas alterações têm como pano de fundo dar seguimento ao projeto de privatização da educação. “Preocupa a drenagem de recursos da rede pública e seu destino à rede privada ou conveniada. Isso vai na linha da privatização, em curso no país há anos”, diz Cleuza. A publicação Currículo, gestão e oferta da educação básica brasileira: incidências de atores privados nos sistemas estaduais, do Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional (GREPPE) da Unicamp, é um dos documentos que corrobora com essa percepção histórica de privatização da educação brasileira.

Próximos passos

Agora o texto segue para aprovação do Senado, votação que deve ocorrer nesta terça-feira 15, onde espera-se reverter essas alterações. “Acredito no bom senso, na discussão política fundamentada em fatos. Então o Senado pode dar um grande passo revendo essas questões e garantindo dinheiro público para escola pública”, afirma Cleuza. 

E se o Senado não barrar as modificações, Maria Thereza aponta a judicialização do processo como uma saída difícil e arrastada, mas possível. “Tudo isso significa atraso, porque é uma energia que poderia ser aplicada para pensar nas melhorias, em fazer ir para frente. E ao judicializar a matéria, apesar de ser um caminho mais longo, podemos reverter isso, porque a decisão da Câmara é de fato inconstitucional, um crime”.  

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