publicado dia 03/04/2020

Redes de educação mobilizam diferentes estratégias para realizar ensino remoto

Reportagem:

A quarentena ainda não tem data certa para acabar. Enquanto medidas de prevenção ao Covid-19 vigoram pelo país, demandando a suspensão das aulas nas escolas, as redes de ensino brasileiras se mobilizam para reestruturar o calendário escolar e o ensino remoto.

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Mas esta não é uma tarefa simples. As redes esbarram em recursos restritos, pouco tempo para desenvolver os materiais, dificuldades de contato entre professores e famílias. Há ainda os desafios estruturais ligados ao acesso às tecnologias e internet, ou ainda a necessidade de adequar os conteúdos às diferentes etapas e modalidades de ensino.

Para contornar essas questões, assegurando que a escola se mantenha presente no cotidiano das famílias e estudantes, o planejamento das redes tem demonstrado que não existe solução única. Partindo das peculiaridades de cada território e necessidades das escolas e famílias, professores e gestores estão mobilizando múltiplos recursos — materiais impressos, plataformas digitais, canais na televisão, e orientações para os cuidadores e responsáveis pelos estudantes.

Segundo a pesquisa Planejamento das Secretarias de Educação do Brasil para ensino remoto, desde o início da pandemia, 18,9% das redes municipais enviaram materiais digitais aos estudantes por meio dos professores das turmas. E 6,4% disponibilizaram materiais impressos para os alunos que não possuem equipamentos ou conectividade em casa. No âmbito das estaduais, 40% afirmam ter como proporcionar aprendizagem remotamente, a partir de conteúdos digitais.

Conteúdo produzido pelo CIEB

Crédito: CIEB

O estudo, realizado entre os dias 24 e 26 de março, pelo Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB), em parceria com o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e a Fundação Lemann, ouviu 3.011 secretarias municipais e 21 secretarias estaduais de educação.

Para entender melhor como as escolas estão organizando o trabalho pedagógico durante a suspensão das aulas, o Centro de Referências em Educação Integral ouviu as redes municipais de São Paulo e Manaus e a rede estadual da Bahia. 

Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (SP)

A Secretaria adiantou o recesso do meio do ano para professores e estudantes, pelo período de 23 de março a 9 de abril. Nesse intervalo, a equipe da Secretaria se mobilizou para estruturar o trabalho pedagógico a distância para atender a mais de 1 milhão de estudantes.

O primeiro passo será distribuir um material impresso que, à princípio, será entregue na residência dos alunos por meio dos Correios; caso isso seja inviabilizado, será organizado um calendário para retirada nas escolas. Esses material reúne atividades que os estudantes conseguem fazer com maior autonomia. Não são, portanto, conteúdos novos ou que dependem da intervenção e mediação de um professor. 

“Damos dicas de como planejar a rotina de estudos, com momentos para realizar as atividades, mas também para brincar, ler, e jogar jogos”, diz Minéa Paschoaleto Fratelli

Junto a esse material, a Secretaria também produziu orientações para as famílias sobre como organizar uma rotina de estudos para as crianças e adolescentes. “Damos dicas de como planejá-la, com momentos para realizar as atividades, mas também para brincar, ler, e jogar jogos”, explica Minéa Paschoaleto Fratelli, coordenadora-geral na Secretaria Municipal de Educação.

Outro aspecto que acompanha as orientações diz respeito à Educação Especial. O caderno traz indicações de como organizar a rotina das crianças com deficiência e apoiar sua aprendizagem, para que elas realizem as mesmas atividades que seus colegas.

“Sugerimos que expliquem que este é um afastamento temporário, e que organizem uma rotina que não canse a criança. Também orientamos que os responsáveis não façam as atividades por eles, mas que ocupem um lugar de ledores, escribas, e que, se tiverem acesso à internet, ampliem a aprendizagem por meio de sites e aplicativos acessíveis que indicamos”, explica a coordenadora. 

Outra estratégia que entrará em ação é uma plataforma digital na qual os professores poderão interagir diretamente com os estudantes, tirando dúvidas, sugerindo atividades, vídeos e leituras para aprofundamento. E para os estudantes que não tem acesso à internet, haverá programas no canal da TV Cultura.

A plataforma online e a TV não trarão nenhum conteúdo novo, mas vão servir de espaço para que estudantes continuem interagindo com os professores e sigam tendo contato com aprendizagem nesse período.

“Sabemos dos desafios, porque as famílias não são professores, têm pais e mães que nem estão em casa. Mas estamos tentando garantir que todos possam ter momentos de aprendizagem, sem deixar ninguém de fora. Por isso também estamos conversando com empresas de telefonia para dar acesso à internet a mais pessoas, bem como estamos vendo a questão do equipamento, para que todas tenham contato com o conhecimento”, diz Minéa.

Secretaria Municipal de Educação de Manaus (AM)

Kátia Schweickardt é a gestora da terceira maior rede de educação básica do Brasil há seisanos. Durante esse período, ela afirma que vem trabalhando próximo aos educadores para fortalecer o conceito da educação integral, promovendo um ensino que envolva as comunidades e as famílias, compreendendo os sujeitos em sua integralidade. 

“Esse é o diferencial que tem nos ajudado agora no enfrentamento de uma crise desse tamanho, porque todo o nosso trabalho a distância depende do engajamento das famílias para acontecer”, avalia.

Para seguir com o trabalho pedagógico com os estudantes, a rede municipal firmou uma parceria com a rede estadual que, há 10 anos, implementou um centro de mídias que veicula aulas pela televisão. 

A rede estadual do Amazonas apostou nas aulas a distância para o Ensino Médio, e em alguns casos o Fundamental II, porque, dentre outras razões, na maior parte dos municípios não há escolas que atendam a essas etapas. Devido à dificuldade de acesso, muitas crianças não concluíam a educação básica.

Assim, por meio desse centro de mídias, a Secretaria vai produzir aulas para a televisão e as redes sociais para o Fundamental I o centro já produzia conteúdos para as demais etapas. “Não estamos de maneira alguma dizendo que é possível fazer Educação a Distância para o Fundamental I. Mas estamos usando esse momento para tentar garantir alguma continuidade de aprendizagem”, explica. 

Já para a Educação Infantil, a rede vai produzir pequenos vídeos com orientações voltadas aos responsáveis pelas crianças, para que eles promovam atividades pedagógicas orientadas e brincadeiras intencionais. “Lembrando que isso não se trata de aula”. Todos esses conteúdos, que contam com tradução de Libras, também estão disponíveis na plataforma digital “Mano” e no Youtube. 

Outra frente de trabalho que a rede está organizando diz respeito a orientações para as famílias. Por meio de grupos no WhatsApp, SMS e exibições na TV aberta, a rede vem tentando formar a pessoa que ocupa o lugar de cuidado com a criança, para que ela possa apoiar sua aprendizagem.

“Durantes os próximos 15 dias vamos acompanhar esse trabalho e ver os impactos, para avaliar o que está dando certo, o que precisa ser ajustado, quais suportes os professores vão requisitar. Mas a nossa maior preocupação é não interromper o fluxo de aprendizagem de nenhum estudante.”  

Secretaria Estadual de Educação da Bahia

Por meio do decreto n°. 19.529, o governador do estado decidiu suspender as aulas pelo período de um mês, que correspondem a 21 dias letivos, a serem repostos presencialmente ao longo do ano,quando a situação se normalizar. A reposição presencial servirá para não prejudicar a aprendizagem dos estudantes e não comprometer a carga horária”, defende a superintendente da Educação Básica, Manuelita Brito. Após esse período, os gestores avaliarão a reorganização do calendário escolar.

Um dos primeiros passos da Secretaria foi enviar questionários para as escolas relatarem como estão organizando o trabalho pedagógico e identificar como poderiam auxiliá-las. Eles também organizaram um documento orientador para indicar o processo de disseminação de plataformas e conteúdos online que as escolas podem acessar para ajudar no trabalho. 

“A educação tem que chegar para todo mundo”, ressalta Manuelita Brito

Para os anos finais do Ensino Fundamental e para o Ensino Médio, a Secretaria está produzindo roteiros de estudos que vão abordar uma área de conhecimento por semana. “Esses roteiros também são materiais de suporte para que os alunos autonomamente possam fazer essas atividades e estudar. Na semana que vem também disponibilizaremos conteúdos relacionados ao Enem, e faremos simulados online“, explica Manuelita.

A plataforma Anísio Teixeira, que conta com mais de 10 mil objetos educacionais gratuitos, vídeo-aulas, materiais, exercícios, avaliações e jogos, também tem ajudado nesse momento.

“Mas também entendemos que nem todos os alunos têm acesso a tecnologia, e nem todos os professores estão completamente engajados, e temos esse desafio, porque a educação tem que chegar para todo mundo.” Pensando nisso, aulas também serão transmitidas pela TV aberta, de segunda a sexta, em horário fixo.

Outro foco do trabalho remoto da rede são as orientações para as famílias sobre como apoiar as aprendizagens dos estudantes, além de produzir roteiros de estudo específicos para a Educação Escolar Indígena, de Jovens e Adultos, Especial e as Escolas do Campo. Eles levam em conta as metodologias, estruturas e abordagens que melhor se adaptam a cada contexto.

“Também temos uma abordagem forte da educação integral, então ainda precisamos ver como garantir as aprendizagens artísticas, do movimento, e de jogos nesse contexto”, aponta Manuelita.

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