publicado dia 11/10/2017
Projeto de Lei quer ensinar Maria da Penha nas escolas
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 11/10/2017
Reportagem: Ingrid Matuoka
Em nossa sociedade, não raro há a naturalização de comportamentos violentos, sobretudo, quando a vítima é mulher. Como mostram dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, tal descaso traz consequências gravíssimas: por dia 15 mulheres morrem apenas pelo fato de serem mulheres e outras 500 são agredidas a cada hora.
Leia + A escola como espaço formador para a garantia dos direitos das mulheres
“Existe um desconhecimento muito grande sobre o que configura uma violência, porque muitos só a entendem como agressão física. Mas essa e o assassinato, por exemplo, são expressões agudas decorrentes de outras violências”, explica Tamara Gonçalves, integrante do Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM/Brasil).
Espaço de formação e socialização, a escola deve ter como princípio a reflexão responsável dessa questão, promovendo entre os alunos o contato entre diferentes vivências, discussões em sala de aula e trabalhando a defesa dos direitos humanos.
“Um dos componentes da violência contra a mulher vem da formação humana”, diz Wânia Pasinato, socióloga e assessora do USP Mulheres. “Por isso, compreender os processos sociais e históricos que fazem parte dessa violência faz com que esta deixe de ser natural e tolerada e, assim, transformada. Dá chances para a menina, que viu a mãe e a avó sofrerem abusos, não se tornar também uma vítima”.
Também com essa perspectiva nasce o projeto de lei PL nº. 123/2017, criado pela vereadora da cidade de São Paulo, Sâmia Bonfim (PSOL-SP). O PL visa tornar obrigatório o ensino de noções sobre a Lei Maria da Penha nas escolas da rede municipal, de maneira transversal ou em projetos diversos.
Aprovado em primeiro turno pela Câmara Municipal de São Paulo, o projeto quer trazer ferramentas mais concretas para as escolas garantirem este processo de conscientização entre seus alunos.
Para Pasinato, a questão da transversalidade é fundamental. “O ensino da Lei Maria da Penha nas escolas não pode ser uma ação pontual. Deve integrar diversas disciplinas, do contrário, não terá o efeito desejado”, afirma.
A importância dessa lei tem peso internacional. Em 2011, foi considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma das mais relevantes do mundo no tocante ao combate à violência doméstica.
A iniciativa proposta pelo PL serve tanto para que as mulheres conheçam seus direitos e saibam como pedir ajuda, quanto para discutir violência de gênero e começar a conscientizar os meninos sobre a sua crucial responsabilidade diante disso.
“A escola, enquanto oportunidade de socialização e formação, abre espaços de debate e reflexão. Por isso, ensinar sobre a Lei Maria da Penha nas escolas vai servir para desconstruir esses discursos sobre a violência, para trabalhar a igualdade, para que os jovens aprendam o que é conviver em sociedade, em harmonia”, afirma a especialista membro do CLADEM.
O projeto de lei, se aprovado e instituído, abre ainda outras possibilidades de trabalhar questões que colaboram para o desenvolvimento integral das crianças, como discutir o racismo e a transfobia, uma vez que no Brasil a maior parte das vítimas de feminicídio é composta por mulheres negras e onde há a maior taxa de assassinatos de transexuais do mundo.
“Vivemos em um momento de muitas perdas no campo dos direitos humanos, de diversos e intensos processos legislativos contra a Lei Maria da Penha”, diz a socióloga Pasinato. “Assim, é preciso batalhar para que esse PL, que vai contra a corrente atual, se concretize”.