publicado dia 09/12/2020
Professora trabalha a mediação de conflitos por meio da criação de projetos de vida
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 09/12/2020
Reportagem: Ingrid Matuoka
A violência e os conflitos no ambiente escolar são uma questão histórica para a Educação. Por muito tempo tentou-se criar um ambiente de harmonia por meio de castigos físicos, o que se mostrou uma enorme contradição, além de uma violação dos direitos das crianças e dos adolescentes. Embora esse tipo de castigo tenha perdido espaço, ainda se fazem presentes punições simbólicas que, além de se mostrarem pouco eficientes para dar conta de agressões entre os estudantes ou direcionadas aos educadores, em nada colaboram para o desenvolvimento integral dos sujeitos e tampouco os preparam para a vida em sociedade. É nesse contexto que surge como alternativa a abordagem da mediação e resolução de conflitos.
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A psicopedagoga Rosana Voigt é especialista no assunto. Ela foi gestora do Projeto Mediação de Conflitos pela Diretoria de Ensino do Estado de São Paulo e coordenou projetos de mediação e resolução de conflitos em unidades educacionais públicas, estaduais e municipais. Em 2016, seu trabalho na EMEF Professor Renato Antonio Checchia, onde desenvolveu o projeto “Mediação e Resolução de Conflitos: Um novo olhar”, lhe rendeu uma menção honrosa do Prêmio Paulo Freire.
A base da atuação de Rosana está em identificar e tratar as causas dos conflitos, olhando para o passado dos estudantes e na revisão de posturas hostis, sobretudo apresentando o caminho do diálogo e da construção de um projeto de vida futura. Na outra ponta, a psicopedagoga vai mostrando para gestores escolares e professores que ações autoritárias só rendem mais rebeldia.
Em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral, a especialista compartilhou um pouco de sua experiência. Confira os principais trechos da conversa:
Rosana Voigt: A proposta é chegar à raiz das violências e conflitos que se apresentam na escola, e que muitas vezes são fruto de desigualdades sociais. A ideia não é uma mediação jurídica ou apenas conversar com o estudante para não bater mais no colega, por exemplo.
O caminho é mostrar aos alunos que os conflitos existem, podem ser positivos ou negativos, e que exercitando o respeito mútuo e o diálogo podemos tornar o ambiente escolar mais saudável e harmonioso, assim como promover um desenvolvimento pessoal e uma cultura de paz na sociedade como um todo.
Esse trabalho também envolve acionar toda uma rede de apoio e proteção aos estudantes e às famílias conforme a necessidade, como psicólogos ou agentes do posto de Saúde.
RV: Eu faço entrevistas com a família, para saber o histórico da vida do aluno, e com o estudante, para entender sua relação com a família e com a escola. Também converso com os professores e com a gestão, no sentido de identificar onde estão os conflitos e rever posturas autoritárias.
Já vi muitos estudantes tentarem conversar com educadores e gestores e não encontrarem nenhuma abertura, porque não existia uma relação de diálogo e de trocas, existia uma relação de poder. Quando isso acontece, as crianças e os adolescentes se rebelam.
Esse é o processo inicial que norteia meu trabalho, para depois traçar os projetos e meios de transformar conflitos negativos em positivos. E são várias as possibilidades. Eles fazem um autorretrato desenhado, para aprofundar a percepção de si mesmos, resgatam a memória da família e criam seu projeto de vida. Então se querem ser professores, jogadores de futebol, vamos conversando sobre quais conflitos podem encontrar no caminho e quais maneiras temos para lidar com uma situação incômoda sem chegar a um extremo.
Essa conexão entre mediação de conflito e projeto de vida potencializa demais os resultados. Por isso, vou identificando os interesses dos alunos e buscando parceiros para aprofundar esse trabalho e para colocá-los em contato com a profissão. Tive um estudante que queria fazer gastronomia, e consegui o apoio de um chefe de cozinha. Outros queriam ser manicure ou cabeleireiro, e um profissional disponibilizou o salão dele e capacitou esses alunos, que receberam um certificado no final. Em outra ocasião, estudantes queriam ser jogadores de tênis, e foram experimentar o esporte.
Também promovemos uma oficina de produção de sabonetes artesanais, pinturas de caixas e bordado para as famílias e os estudantes, porque muitos conflitos vinham justamente da questão financeira, de mulheres que queriam se separar mas não tinham como se sustentar sozinhas. Então elas faziam as vendas e nós organizávamos em uma planilha para dividir o dinheiro.
E a todo momento trabalhamos a questão dos conflitos, de como resolvê-los dentro de cada segmento do projeto de vida deles. Com isso, vimos os jovens conseguir lidar melhor com os conflitos na escola e a se abrir para a importância da aprendizagem na vida deles. E isso é resultado da criação de vínculo, de respeito, escuta e confiança durante todo o percurso.
RV: Porque muitos dos estudantes com que trabalhei estavam em situação de alta vulnerabilidade e não viam nenhuma possibilidade de vida futura. Conforme foram ganhando referências e a noção de que são capazes e podem fazer o que sonham, eles tiveram outra expectativa para a vida deles.
Assim, também podem perceber que para alcançar esses sonhos, para conseguir e manter um emprego, por exemplo, precisam exercitar o poder de dialogar, de não colocar um lado como detentor da razão e o outro como errado, de refletir sobre como se sentem, se veem, e de como colocar limites sem usar a agressividade. Fomos praticando esse exercício muitas vezes para que eles pudessem compreender e utilizar isso.
Por outro lado, esse trabalho também foi mostrando para os professores e para as famílias a importância deles acreditarem no potencial das crianças e dos adolescentes, porque são as principais referências para os estudantes. Se eles recebem do pai, da mãe, do professor que não vão ser ninguém na vida, como eles podem acreditar no contrário?