publicado dia 03/05/2021

Por que a suspensão do Censo do IBGE preocupa?

Reportagem:

No ano passado deveria ter sido realizado o Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), adiado para 2021 em decorrência da pandemia. Em 22 de abril deste ano, o presidente Jair Bolsonaro sancionou o Orçamento 2021 com vetos, suspendendo novamente a realização da pesquisa, sob alegação de falta de verbas. “Não há previsão orçamentária para o Censo, portanto ele não se realizará em 2021. As consequências e gestão para um novo Censo serão comunicadas ao longo desse ano”, declarou o Secretário Especial da Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues.

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Por ora, não há prazo para a realização de um novo levantamento, cujo principal objetivo é traçar o perfil socioeconômico do país para apoiar políticas públicas e outras pesquisas.

O Censo deve ser realizado, por lei, a cada 10 anos e o último foi feito em 2010. Sem a nova edição, “o Brasil se junta ao Haiti, Afeganistão, Congo, Líbia e outros estados falidos ou em guerra que estão há mais de 11 anos sem informação estatística adequada para apoiar suas políticas econômicas e sociais.”, conforme declararam os ex-presidentes do IBGE em carta-aberta.

O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou nesta quarta-feira, 28, que o Governo Federal adote as medidas necessárias para a realização do Censo. O ministro atendeu ao pedido liminar feito pelo governo do Maranhão, que alegou omissão da União na alocação de recursos para realização da pesquisa. Segundo Marco Aurélio, a Constituição obriga a realização do levantamento de dados. Ainda cabe recurso contra a decisão.

Em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral, André Lázaro, diretor de política pública da Fundação Santillana, explicou a importância do Censo para o país como um todo e para a Educação, sobretudo para avaliar os efeitos da pandemia e orientar a elaboração de políticas públicas eficientes.

Centro de Referências em Educação Integral: Qual a importância do Censo para o país?

André Lázaro: O Censo permite a contagem de população e oferece aos gestores de todas as políticas públicas uma combinação fundamental: quem está em qual território e em quais condições de saúde, assistência, educação, renda, moradia, saneamento, segurança, entre outros.

Há grupos que nunca participaram de um Censo, como os quilombolas, e participariam pela primeira vez nessa edição, mas agora estão sem saber o que vai acontecer. Seria muito importante incluir essa população no levantamento, porque não conhecemos esse grupo de brasileiros, que têm direitos iguais a todos.

Outro dado importante que o Censo traz é a questão de raça e cor, que permite enxergar melhor que país nós somos, ou seja, um país majoritariamente negro, um dado que tentamos negar e apagar desde o século 19. Até hoje parte do Brasil, principalmente da elite, não tem coragem, não tem capacidade afetiva, intelectual, de lidar com isso, de encarar como um fato positivo, que nos torna uma nação rica e interessante. Nisso entra também a variedade de povos indígenas que nós temos hoje e também precisamos conhecer melhor. 

Não fazer o Censo é ignorar quem somos. Quem quer um país mais justo, democrático e inclusivo, deseja saber quem somos, onde estamos, o que falta, quais são as nossas forças e potências, e o Censo nos ajudaria nisso.

Para além desse contexto, temos também a pandemia, que criou transtornos ainda não medidos. Foram graves e amplos, mas quais e para quem? A pobreza e a miséria cresceram muito? Quanto? Isso motivou um deslocamento? De que natureza? Mais do que nunca vai ser importante ter esse levantamento.

CR: Quais são as implicações de não realizar o Censo em 2021 para todas as áreas e, especificamente, para a Educação?

AL: O levantamento de dados populacionais em relação ao território é o primeiro passo para poder cumprir com direitos constitucionais. A partir da identificação de quem está, em qual lugar, em quais condições, podemos cobrar respostas da União, dos estados e municípios, de acordo com as diferentes responsabilidades que eles têm nas diferentes áreas. Sem dados não é possível fazer isso.

E também não será possível direcionar políticas, fortalecendo as desigualdades aprofundadas pela pandemia. Pessoas perderam renda, aumentou a pobreza, a miséria, a fome e os governos não foram capazes de responder à altura. 

Em relação à Educação, a PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) só tem confiabilidade e precisão porque é continuamente calibrada pelo Censo. Os dados do Censo ajudam, ainda, no mapeamento de crianças e adolescentes fora da escola, na plataforma de Busca Ativa Escolar do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância. Se não tiver o Censo, não vamos saber se estamos cumprindo o que a Constituição determina, de uma educação obrigatória dos 4 aos 17, não vamos conseguir olhar para quais territórios têm mais pessoas fora da escola e qual o perfil social delas e de suas famílias, porque educação é uma herança de classe. 

Também não vamos enxergar a questão do analfabetismo e das demandas de educação para crianças de 0 a 3 anos, que representam um desafio para organizar listas de acesso à creche que levem em conta a necessidade das famílias e não o poder econômico.

CR: O Ministério da Economia alega que não há recursos suficientes para realizar o Censo. Qual é o contexto dessa argumentação?

AL: É uma escolha grave para o país. Não é falta de recursos. Foram mobilizados bilhões para as Forças Armadas em um momento como esse, bilhões para as emendas parlamentares, que é de direito deles, naturalmente, porque faz parte do jogo político, mas não podem com isso esvaziar o recurso do Censo. 

Começa a parecer uma vontade de que o país não se conheça. Que o recurso distribuído aos políticos em geral seja o recurso para dar soluções locais a pequenos problemas, sem que o país possa escolher, entender suas prioridades, se está favorecendo quem tem força política ou quem tem demandas sociais. Perde-se a capacidade de estabelecer prioridades.

Não evidenciar o cenário que temos e de quem é a responsabilidade por cada área, também dá margem a diluir responsabilidades, em meio a um governo que tem evidenciado inúmeras omissões, como no enfrentamento à pandemia. E a omissão é contagiosa, vai se espalhando para os outros níveis de governo. 

Outro fator é que se o Censo fosse realizado em 2021, provavelmente ele seria divulgado em 2022, um ano eleitoral. Nesse processo de prestação de contas e levantamento de dados, poderíamos conhecer processos e efeitos de não-ação do governo.

*Com informações da Agência Brasil.

“A tímida evolução não nos exime do senso de urgência com as políticas públicas de educação”

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