publicado dia 22/05/2025

PNE: Câmara dos Deputados discute Educação Integral em tempo integral

Reportagem: | Edição: Tory Helena

🗒 Resumo: Um dos objetivos do novo Plano Nacional de Educação (PNE) é a implementação da Educação Integral em tempo integral, preferencialmente em turno único em, no mínimo, 55% das escolas públicas, de forma a atender pelo menos 40% dos estudantes da Educação Básica. Em audiência pública, especialistas analisaram a meta e as condições para que ela seja efetivada com qualidade e equidade.

Responsável por orientar os rumos da Educação para a próxima década, o novo Plano Nacional de Educação (PNE) está em discussão na Câmara dos Deputados. Nesta quinta-feira, 22 de maio, a Comissão Especial recebeu especialistas e representantes da sociedade civil para discutir o Objetivo 6, que diz respeito à Educação Integral em Tempo Integral.

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Em relação ao PNE anterior, o texto atual do Projeto de Lei n. 2614/2024 apresenta um avanço: o Objetivo 6, que então visava a expansão da jornada escolar, agora determina que o tempo integral seja implementado na perspectiva da Educação Integral. Isso significa que não basta ampliar o tempo que os estudantes passam na escola, mas mudar toda a forma de trabalho realizada. 

Para Raiana Ribeiro, diretora de programas da Cidade Escola Aprendiz, é preciso dar mais um passo e reconhecer a Educação Integral como concepção capaz de orientar todo o planejamento educacional nos próximos 10 anos, não se restringindo apenas à Meta 6. 

“É fundamental que a Educação Integral seja incorporada como uma diretriz de todo o Plano”, diz Raiana Ribeiro.

Além disso, a incorporação da Educação Integral poderia estruturar o compromisso do novo PNE com a equidade e o enfrentamento às desigualdades e ao racismo que moldaram a Educação brasileira.

“Se essa for realmente uma prioridade deste PNE, como outras audiências e o debate em torno desse dispositivo tem apontado, é algo que nos fará avançar na direção das reparações históricas que competem às políticas públicas educacionais. É fundamental que a Educação Integral seja incorporada como uma diretriz de todo o Plano e que ela expresse um projeto de país que concebe o seu desenvolvimento a partir das pessoas e que enxerga a Educação Integral como um direito e não como um benefício reservado a poucos”, disse a especialista.

Equidade e condições de implementação

Todo esse trabalho depende, primeiro, da garantia de condições para implementar a Educação Integral em tempo integral, com uma ampliação planejada, investimento adequado, condições de trabalho, salários justos e o tempo para formação e o planejamento pedagógico assegurados no cotidiano dos profissionais de Educação. 

Para a Educação Integral, esses diferentes agentes não são apenas executores de programas. Então a formação inicial e a formação continuada vão precisar incorporar os temas que dão sustentação a essas práticas pedagógicas”, afirmou Raiana.

A especialista também pediu mais atenção a essas condições para os territórios que mais precisam. Para tanto, é preciso realizar um diagnóstico que revele onde se concentram as maiores desigualdades, taxas de abandono, de reprovação e violações de direitos, para agir com intencionalidade e priorizar as escolas que enfrentam os maiores desafios estruturais.

“Não se trata de estigmatizá-las, mas fortalecer o compromisso com a transformação dessas realidades. Em especial, entre os territórios e populações historicamente negligenciados pelas políticas educacionais, como são os territórios e as populações negras e negros, indígenas, quilombolas, as pessoas com deficiência, do campo, das periferias, além dos povos e comunidades tradicionais”, apontou Raiana.

Para essas comunidades, a especialista defendeu a obrigatoriedade dos processos de consulta e de escuta qualificada para entender se a proposta educacional faz sentido para aqueles contextos. “Temos que garantir que essa seja uma Educação que reconheça e valorize as diversidades étnico-raciais, territoriais e também dos contextos socioculturais”, disse a diretora da Cidade Escola Aprendiz.

“O tempo faz diferença e é importante que ele também seja considerado numa perspectiva de Educação Integral”, afirma Sonia Dias.

Sonia Dias, Gerente de Desenvolvimento e Soluções da Fundação Itaú, apresentou o estudo “Cada hora importa”, realizado em 2021 pela Fundação, e que compara as oportunidades de aprendizagem de crianças mais ricas e mais pobres.

“Ao chegarem ao nono ano, ou seja, em torno dos 14 anos, as crianças mais ricas tendem a ter 7 mil horas a mais de oportunidades de aprendizagem do que as crianças mais pobres. Elas se realizam em, por exemplo, pesquisas escolares, cursos de idioma, atividades realizadas nas férias, Educação Infantil e aprendizado em família. Essas 7 mil horas equivalem a praticamente 4 horas de uma carga horária de uma escola integral. O tempo faz diferença e é importante que ele também seja considerado numa perspectiva de Educação Integral”, defendeu Sonia.

A integralidade do trabalho educacional

É comum encontrar práticas de instituições que dividem o tempo integral em um turno de aulas regulares e um contraturno com atividades como artes, esportes, projetos e oficinas. Mas é preciso avançar e integrá-los a um turno único e articular os diferentes espaços, as instituições sociais e os tempos educativos.

Desse modo, as experiências e as interações dos estudantes são diversificadas e desenvolvem as dimensões cognitivas, físicas, sociais, culturais, emocionais e políticas dos estudantes.

“Para que isso se materialize, o Plano precisa apontar a intersetorialidade como uma estratégia que apoia as escolas e as redes, tanto na ampliação das oportunidades educativas, articulando os saberes, as artes, as ciências, os esportes, as culturas, o meio ambiente, tecnologia e os direitos humanos, quanto nas condições que fortalecem as trajetórias escolares dos estudantes a partir do sistema de garantia de direitos e das redes de promoção e defesa da criança e do adolescente de cada território”, explica Raiana.

Outro estudo da Fundação Itaú, Artes e esportes: relação com desenvolvimento humano integral, evidencia que articular arte, cultura e Educação são fundamentais para um tempo de qualidade.

“A música pode melhorar o raciocínio e o espaço temporal, o teatro aprofunda o entendimento sobre comportamento e a narrativa humana, a dança ensina persistência e contribui para a melhoria da autoconfiança individual e o desenvolvimento social do grupo, e as artes plásticas auxiliam os estudantes a interpretar o mundo de uma maneira nova, diferente e plural”, disse Sonia.

Alimentação escolar

Se a Educação Integral prevê um olhar para a totalidade das dimensões das crianças e adolescentes, ela precisa destinar atenção e recursos a uma alimentação escolar de qualidade. 

“Muitas redes optam por oferecer uma refeição logo na chegada e outra na saída, visto que algumas famílias são extremamente vulneráveis”, alerta Aléssio Costa Lima.

Aléssio Costa Lima, Presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), pediu mais contribuição financeira do governo federal para o Programa Nacional de Alimentação Escolar diante da insegurança alimentar que muitas famílias enfrentam.

“No mínimo a escola deve ofertar três refeições. Mas muitas redes optam por oferecer uma refeição logo na chegada e outra na saída, visto que algumas famílias são extremamente vulneráveis e que é na escola que essa criança terá uma alimentação mais garantida”, disse Aléssio.

A atenção aos Anos Finais do Ensino Fundamental

O final do Ensino Fundamental representa um grande gargalo na trajetória escolar dos estudantes: é nesse momento que as taxas de evasão aumentam e os índices de aprendizagem caem.

“Por isso, fazemos uma proposta de que na meta 6 A seja a inclusão de forma a atender pelo menos 70% dos estudantes dos Anos Finais e para todos os estudantes desta etapa até o final da vigência do PNE”, propôs Sonia. Atualmente, o texto não detalha o alcance do atendimento para esta etapa específica.

A preservação da autonomia das escolas

Para que as escolas possam dialogar com seus territórios de forma contextualizada e participativa, é necessário que elas tenham autonomia para construir seus Projetos Políticos Pedagógicos (PPP). Somente dessa forma podem construir coletivamente um projeto educacional com sentido para aquela comunidade.

“O PNE também precisa fortalecer a autonomia financeira das escolas via Programa Dinheiro Direto na Escola, concomitantemente à transferência dos recursos para os entes federativos”, destacou Raiana.

Avaliação na Educação Integral

Implementar a Educação Integral também demanda realizar um amplo debate público sobre avaliação para ir além de aferir notas e resultados em provas, que não são capazes de mensurar a qualidade da Educação Integral.

É preciso considerar dimensões como “a equidade, a participação, os vínculos, a integração com múltiplas linguagens, os saberes o clima escolar, articulação intersetorial, as parcerias, a colaboração, a redução da violência e o engajamento socioambiental”.

A Educação de Jovens e Adultos

Algumas redes, ao implementar o tempo integral, fecham turmas noturnas e/ou de Educação de Jovens e Adultos para expandir a quantidade de salas disponíveis, prática que não deve ocorrer.

“A Educação Integral em tempo integral não pode inviabilizar a oferta noturna e da EJA. Precisamos valorizar e reconhecer as diferentes trajetórias escolares”, destacou Raiana.

*Foto: Renato Araújo/Câmara dos Deputados

Assista à audiência pública na íntegra:

Novo PNE chega ao Congresso; especialistas apontam avanços e desafios

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