publicado dia 08/01/2019

Pesquisa mostra que brasileiros apoiam educação sexual. Afinal, do que ela trata?

Reportagem:

A maioria dos brasileiros apoia a educação sexual e o debate sobre política nas escolas, segundo a pesquisa do Datafolha, divulgada nesta segunda-feira 7. Dos entrevistados, 71% concordam que assuntos políticos sejam tratados em sala de aula e 54% aprovam a educação sexual na escola.

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Em ambos os casos, os percentuais de aprovação crescem de acordo com a escolaridade. Entre os que têm Ensino Superior, 83% concordam com discutir política e 63% com a educação sexual.

Este último tópico é o que recebe mais endosso das mulheres (56%) ante 52% dos homens. É também o que mais divide opiniões: 35% concordam totalmente e o mesmo percentual desaprova totalmente.

Hoje, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) estipula como finalidade da educação “o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania”, o que envolve discutir assuntos políticos variados e demais temas que permeiam a vida cotidiana dos estudantes. Além disso, os parâmetros curriculares nacionais preveem a educação sexual nas escolas desde 1997.

Educação sexual em pauta

Carmita Abdo, coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, explica que a educação sexual ganhou força nos anos 80, sobretudo, por causa da epidemia de AIDS e sua alta taxa de mortalidade, à época. “Discutir sexualidade era uma questão de sobrevivência. Com a volta da sífilis no Brasil e o recrudescimento dos casos de AIDS, esta ainda é uma questão de vida”, diz.

Entre 2010 e 2015, o número de pessoas que vivem com AIDS aumentou 18%, segundo o Unaids. Já a sífilis aumentou de 44,1 para cada 100 mil habitantes, em 2016, para 58,1/100 mil em 2017, de acordo com o Boletim Epidemiológico da Sífilis.

Além do risco das doenças sexualmente transmissíveis, a especialista lembra de questões atuais como a veiculação de conteúdos errôneos nas redes sociais e outros agravantes, os quais levam muitos jovens a se exporem na internet ou aprenderem o que é ter uma relação sexual por meio da pornografia. “E isso já trouxe consequências nefastas para os adolescentes, incluindo o suicídio”, lembra a professora Carmita.

Apesar da urgência de debater estas questões, em 2017, após pressão de setores conservadores e religiosos, o governo Michel Temer retirou as menções a gênero e sexualidade da BNCC, a Base Nacional Comum Curricular, documento que norteia o que os estudantes de todo o país devem aprender em sala de aula.

Soma-se a isso o movimento Escola Sem Partido, que ganhou destaque a partir de 2014 e visa, dentre outras coisas, delegar somente à família as discussões sobre o tema.

Parte desse movimento contrário à educação sexual nas escolas é fruto de uma noção equivocada do que é esse conhecimento. Em suma, a educação sexual visa colaborar com o combate a problemas como a gravidez precoce, doenças sexualmente transmissíveis, violência contra a mulher e homofobia, e com isso promover qualidade de vida e bem-estar.

“A educação em sexualidade nunca foi sobre ensinar a fazer sexo”, diz Maria Cristina Cavaleiro, professora no Centro de Ciências Humanas e Educação da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP).

Ao contrário, a especialista explica que trata-se de não ignorar que crianças e adolescentes têm dúvidas, que veem seus corpos se transformando e precisam entender o que está acontecendo.

“É ouvir as perguntas que elas trazem, é não fingir que a criança não perguntou, e trazer uma resposta que ela entenda. E é nessa escuta atenta que muitas escolas percebem os casos de violência sexual”, afirma Maria Cavaleiro.

Carmita Abdo ressalta, ainda, que o conteúdo explicado para uma criança de 5 anos é muito diferente do que será conversado com uma de 9 ou um adolescente de 15. “As fases de desenvolvimento e o que eles vivem em cada etapa são respeitados. Então aos 5 não se fala de relacionamento sexual, mas de descobrimento do próprio corpo.”

Família ou escola?

A discussão em torno da educação sexual costuma vir acompanhada de um debate sobre a quem cabe esta responsabilidade: família ou escola. Do ponto de vista da educação integral, Maria Cavaleiro aponta que nenhuma delas é capaz de dar conta sozinha deste tema, que deve ser trabalhado em conjunto.

Para ela, cabe à família construir certos valores e passá-los para as crianças. Por parte da escola, cabe o diálogo entre valores, mostrar diferentes realidades, e embasar tudo isso em conhecimentos científicos.

“A falta de educação sexual é uma das várias causas de violências extremadas, como estupros e feminícidios. Então não é uma questão individual e familiar, mas é um fenômeno social e, por isso, tem a ver com a escola”, ressalta a especialista.

Ela sugere que ambas construam juntas e por meio de muito diálogo. “A escola pode organizar reuniões e oficinas, e buscar diálogo com os responsáveis. Elas têm que entender que não é problemático as famílias terem dúvidas sobre esse assunto, o problema é bloquear. Mas as famílias também não podem chegar armadas, na defensiva.”

Estudantes elaboram revista a partir de debates sobre educação sexual

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