publicado dia 22/05/2014

Paula Louzano: “falta de clareza nas orientações curriculares gera desigualdade no sistema educacional brasileiro”

Reportagem:

No cenário brasileiro, não é nova a discussão sobre a necessidade de uma base nacional curricular comum. A Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9394/96) já demandava que o governo federal, em conjunto com o Conselho Nacional de Educação (CNE), definisse uma estrutura geral. O Plano Nacional de Educação (PL 8035/10), ainda em tramitação no Congresso Nacional, também aborda a questão ao colocar entre suas estratégias o estabelecimento de direitos e objetivos de aprendizagem para a educação básica, o que inclui ensinos fundamental e médio.

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No entanto, nada saiu do campo da intencionalidade. E o assunto ainda é pauta de especialistas, como é o caso de Paula Louzano, pedagoga e doutora em Política Educacional pela Universidade de Harvard, que tem se debruçado sobre o tema. Na última tarde, 21 de maio, durante palestra na Feira Educar Educador 2014, Paula refletiu sobre o cenário de políticas curriculares brasileiras ao compará-lo a algumas iniciativas internacionais.

Durante sua pesquisa, a especialista analisou as estruturas curriculares e os modelos de atuação da Austrália, Cuba, Chile, EUA, Finlândia, Portugal, México e Nova Zelândia. “Longe de apontar qual é o melhor sistema, quis entender como essas decisões variam de acordo com a organização do país (estado utilitário ou federativo), tamanho e/ou diversidade cultural e a visão que se tem do papel da escola e do professor no processo de ensino e aprendizagem”, explicou. Para Paula, essa coleta de dados é fundamental para o debate nacional.

O que ensinar?

Para educadora, Foto: Rubens Chiri/perspectiva

Educadora realizou extenso estudo sobre modelos curriculares ao redor do globo.
Foto: Rubens Chiri/perspectiva

Como primeiro passo investigativo, a especialista avaliou os documentos que especificam os conhecimentos, habilidades e valores que devem ser ensinados aos alunos. Isso a levou a perceber que “nenhum país outorga à escola autonomia total com respeito ao que ensinar”, pontuou. “Os países federativos tendem a tomar decisões a nível de províncias, estados e municípios; os países unitários buscam essa decisão nacionalmente”.

Por exemplo, em Portugal, Cuba, México e Chile a discussão sobre o que ensinar é tomada quase que exclusivamente em nível central; na Nova Zelândia, Austrália, Finlândia e EUA, a decisão é tomada pelas escolas a partir de documentos curriculares nacionais e/ou estaduais.

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Enquanto em Portugal a decisão do que ensinar é centralizada no Ministério da Educação, que prevê documentos nacionais que garantem a especificação curricular por disciplina, na Finlândia, por exemplo, as escolas partem de um currículo nacional que garante uma base comum e confere autonomia para que cada escola ou rede elabore o seu próprio. Em 2004, a Finlândia estabeleceu um Currículo Nacional para Educação Básica que especifica objetivos e conteúdos do núcleo comum, a partir de temas transversais, disciplinas e grupos de disciplinas do ensino básico.

Como ensinar?

Educação Integral

Na perspectiva da educação integral, a proposta pedagógica é o grande alicerce para que a escola faça as conexões e articulações necessárias para compreender o sujeito em toda sua complexidade.

A pesquisa também apontou que poucos países prescrevem centralmente em seus documentos como os professores devem ensinar. De maneira geral, os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – no caso da pesquisa, Austrália, Finlândia, Nova Zelândia, Estados Unidos, Chile, México e Portugal – tendem a dar autonomia aos professores nesse quesito, ao passo que países da América Latina costumam prescrever formas de ensinar.

Em Cuba, por exemplo, os documentos nacionais não só especificam e detalham o currículo a ser seguido em cada escola, como os materiais didáticos refletem essa organização curricular.

Análise de modelos

Segundo Paula, uma maior centralização da política curricular, como é o caso de Cuba, pode trazer mais equidade ao sistema, já que estados e municípios não dependem de seus recursos para planejar e executar ações; também há maior possibilidade de levar inovações pedagógicas às escolas e de se alinhar mais facilmente a outras políticas.

Quando a autonomia está com as unidades escolares, tem-se o foco voltado à competência e julgamento do professor em atender as necessidades dos alunos e comunidade; justifica-se maior impacto das diferenças nos recursos materiais e humanos disponíveis na escola.

Para Paula, “apesar de não haver consenso na literatura sobre o balanço ideal entre centralização versus autonomia nas políticas curriculares, a adoção de modelos em toda a sua gradação pelos países analisados está vinculada a dois aspectos: visão do papel da educação, escola e professor e capacidade instalada no sistema para implementação do modelo”, concluiu.

Brasil: um modelo disfuncional

À medida que há crescente consenso para a necessidade de uma base nacional comum, acredita-se que deva haver algum nível de centralização da política curricular no Brasil. No entanto, quando se compara as diretrizes brasileiras às dos demais países elas são muito baixas, mesmo quando a comparação se dá com base em países como Finlândia e Nova Zelândia, que possuem currículos menos detalhados justamente por darem autonomia às suas escolas.

Imagem: eckert_wikimedia

Imagem: eckert_wikimedia

Ainda que o Brasil especifique suas diretrizes nas Diretrizes Curriculares Nacionais, não se tem um documento nacional claro o que, na visão de Paula, causa desigualdade no sistema educacional brasileiro. “Há uma diferença entre a capacidade dos entes federados de seguirem essas orientações curriculares. Além disso, a falta de especificação e baixa capacidade técnica de algumas redes e escolas tem colocado o livro didático e, mais recentemente as avaliações externas, como responsáveis indiretas por essa indecisão”.

Paula Louzano ressaltou a importância de se manter o assunto em pauta, e reconheceu o esforço por parte do Conselho Nacional de Educação (CNE), União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e ainda lembrou da necessidade de haver um alinhamento entre as políticas para que se garanta, por exemplo, a formação inicial e continuada dos professores de maneira adequada.

Inovar na educação demanda diversificação de conteúdos nos currículos

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