publicado dia 02/02/2022
Os desafios para a educação brasileira em 2022
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 02/02/2022
Reportagem: Ingrid Matuoka
A pandemia e as desigualdades que foram ampliadas a partir dela, a retomada das atividades presenciais nas escolas, a vacinação de crianças, o uso da tecnologia e a implementação do Novo Ensino Médio estão entre os principais desafios do ano. Para superá-los, especialistas defendem uma mobilização coletiva da sociedade em torno do tema.
Leia + Posicionamento sobre o Direito à Educação em Contexto de Pandemia
“Precisamos resgatar a escola como espaço de aprendizagem, pertencimento e acolhimento para que as crianças, jovens e adultos encontrem nela esperança e sonhos: um futuro”, diz Gina Vieira, formadora de professores da educação básica do Distrito Federal.
O Centro de Referências em Educação Integral conversou com três especialistas. Confira, abaixo, oito desafios que a Educação tem pela frente:
A pandemia agravou as vulnerabilidades sociais de boa parte da população brasileira, com muitas famílias perdendo renda e emprego, comprometendo o valor do aluguel e também a garantia de comida na mesa. Há, ainda, 130 mil crianças (The Lancet) que perderam pai, mãe ou um responsável para a Covid-19 e outras tantas que perderam pessoas queridas e agora vivem o luto. Quando os estudantes que estão enfrentando esse contexto retornam à escola, não há como desconsiderar toda a carga emocional que os acompanha. É preciso que o aluno e sua vivência sejam acolhidos no ambiente escolar.
“O grande legado que a pandemia deixou para a Educação foi a tomada de consciência de que nossos problemas educacionais são, antes de tudo, problemas de desigualdade social. Embora a função social da escola não seja de assistência social – é de garantir aprendizagens – ela tem papel fundamental de acionar a rede de proteção, por sua capilaridade e contato diário e porque, para garantir aprendizagens, precisa olhar para o estudante como um todo”, diz Gina Vieira.
Cleuza Repulho, ex-presidente da Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação) e consultora educacional, também recomenda que as redes aumentem o número de refeições e a quantidade de alimentos devido à crescente insegurança alimentar vivenciada no país.
Com o início do ano letivo se aproximando, as redes e as escolas têm a tarefa de garantir que os protocolos de segurança sanitária, elaborados em conjunto com as Secretarias da Saúde de estados e municípios, estejam adequados e que a infraestrutura das unidades esteja preparada para receber a comunidade escolar com todas as condições a que ela tem direito. “Além disso, a vacinação de todos e todas é chave para essa reabertura segura”, defende Cleuza.
Em 14 de janeiro, o menino indígena Davi Seremramiwe Xavante, de 8 anos, foi a primeira criança a ser vacinada contra a Covid-19 no Brasil, marcando o início da imunização de crianças de 5 a 11 anos no país. Com intervalo de 28 dias entre as doses, não há necessidade de autorização por escrito desde que o pai, a mãe ou o responsável acompanhe a criança no momento da vacinação. As doses serão aplicadas em ordem decrescente de idade, com prioridade para quem tem comorbidades ou deficiências permanentes e para crianças quilombolas e indígenas.
A especialista, que acompanha diversas redes de Educação pelo país, pontua ainda outros problemas que têm surgido ao longo do retorno presencial, iniciado sobretudo no segundo semestre de 2021.
“Há, por exemplo, empresas de transporte escolar desistindo de rotas, pedindo alinhamento de preços e a reorganização de toda a rede, o que complica o acesso à escola. Há também casos de escolas exigindo compra de materiais e uniforme, o que não pode ser feito em nenhuma circunstância”, afirma.
“O primeiro diagnóstico que os professores precisam fazer dos estudantes é do seu bem estar geral porque eles não vão aprender se não estiverem bem”, observa Gina sobre parte essencial do processo de recomposição das aprendizagens que as escolas precisarão fazer.
Conheça a plataforma Reviravolta da Escola, que traz conteúdos sobre os caminhos possíveis para se recriar a escola necessária para o mundo pós-pandemia.
Esse processo de acolhimento e escuta, que deve ser contínuo, alcança não só os estudantes e suas famílias, mas também os professores, que voltam à escola após vivências profissionais e pessoais difíceis, muitas vezes, traumáticas. Além de serem lançados ao desafio de usar tecnologias digitais sem preparo para isso, se aproximaram da vida dos estudantes. Dessa maneira, puderam perceber situações delicadas e extremas, como violência e fome.
“Tenho visto muitos professores se sentindo impotentes, desamparados e desesperançosos. Precisamos reconhecer e agradecer tudo o que fizeram e continuam a fazer e dar muito apoio a eles, que estão na linha de frente do desafio de reerguer a escola”, diz Gina.
Já em relação às aprendizagens, a especialista chama atenção para o fato de que a concepção de aprendizagem que nossa sociedade tem é limitada e desconsidera outros desenvolvimentos significativos que crianças e adolescentes tiveram ao longo da pandemia. “Não existem perdas irreparáveis na aprendizagem, muito menos uma ‘geração perdida’”, pontua.
Em 2020, cerca de 5,5 milhões de crianças e adolescentes de 6 a 17 anos tiveram seu direito à educação negado, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). O dado inclui os que não frequentavam a escola (1,4 mil), seja de forma presencial ou remota, e os que frequentavam, mas não tiveram acesso a atividades pedagógicas (4,1 mil). Por isso, um dos principais desafios das redes e escolas agora é conquistar condições para que essas crianças e adolescentes possam voltar e permanecer na escola com qualidade, um direito garantido a eles constitucionalmente.
“Tenho visto escolas e redes usarem estratégias diferenciadas de busca ativa, desde o controle diário da frequência dos estudantes até gincanas, sair de bicicleta pelo bairro atrás de todo mundo, pedindo ajuda dos estudantes para encontrarem os colegas, usando a estrutura da Saúde, da Assistência Social e dos agentes comunitários para cruzar dados e encontrar famílias. É hora de acionar todo mundo, para que estejam atentos ao seu redor”, orienta Cleuza.
Para Gina, este também é o momento de resgatar políticas públicas que garantam condições para os estudantes, sobretudo os adolescentes e adultos, a continuarem na escola: “É o caso de medidas como o Bolsa Família, programa que acabou, mas que foi consolidado, testado exaustivamente dentro e fora do Brasil, e garantia à família um apoio na sua renda com a condição de que a criança não faltasse à escola”.
Durante a pandemia, escolas e estudantes com condições de utilizar as tecnologias digitais para o ensino remoto tiveram aprendizagens nesta área; a tendência é que levem essa bagagem para a sala de aula na volta presencial.
“É importante defender cada vez mais a inclusão digital porque ela é sinônimo de inclusão social e observar que o discurso de que os professores têm resistência às tecnologias foi por terra, uma vez que eles fizeram acontecer. O que falta são políticas públicas sistemáticas, formação, acompanhamento e investimento”, defende Gina.
Já em meio ao fazer pedagógico, a especialista indica que incluir a tecnologia não pode passar por reduzir professores e estudantes a consumidores de tecnologia. Essas ferramentas devem respeitar a autonomia docente, a concepção de crianças e adolescentes como agentes sociais e não abrir mão dos marcos civilizatórios e da ciência da Educação.
“As tecnologias digitais ampliam possibilidades como todas as ferramentas e, se usadas de forma coerente com o PPP [Projeto Político Pedagógico] e o currículo da escola, são bem-vindas. O problema é quando viram um fetiche, sendo usadas para ser divertido, para parecer moderno, e na prática não muda ou facilita nada”, complementa Helena Singer, socióloga, pós-doutora em Educação e líder da Estratégia de Juventude da Ashoka para a América Latina.
O Novo Ensino Médio, aprovado em 2017, teve o início de sua implementação adiada para 2022, em razão da pandemia. Seu início, previsto para este ano, contemplará o 1º ano do Ensino Médio. Em 2023, contará com os 1º e 2º anos e, completando o ciclo de implementação, estará em vigor de forma completa, nos três anos de Ensino Médio, em 2024.
“Esse é, contudo, um programa frágil do ponto de vista da participação das comunidades escolares e sua implementação vai depender de como as escolas e redes vão se apropriar desse processo”, avalia Helena Singer.
E as mudanças não são poucas. O Novo Ensino Médio possui um currículo dividido em dois blocos: um geral, que segue as determinações da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), e um diversificado, composto por cinco tipos de itinerários de aprendizagem e os itinerários integrados, que envolvem mais de uma área. As escolas e redes precisam, portanto, adaptar desde os currículos até os espaços físicos e o quadro docente para implementar tais mudanças.
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), importante ferramenta para acompanhamento das metas de qualidade para a educação básica e a construção de políticas públicas educacionais, deve ser revisto esse ano.
“É uma oportunidade de avaliar todo o Ideb, refletindo sobre o que ele trouxe para melhorar a qualidade da Educação ou não, mas para isso vamos precisar que toda a sociedade se envolva no debate”, explica Helena.
O ano de 2022 também é marcado pelas eleições para presidente da República, governador, senador, deputado estadual e federal. “É um momento importante para debater concepções, formular propostas e influenciar os programas de governo”, acredita Helena.
E é fundamental que se considere também a política do Governo Federal, ao longo dessa gestão, no âmbito de políticas públicas voltadas à Educação. Entre trocas de ministros, cargos técnicos assumidos por questões meramente políticas, foram diversas as ações e sinalizações do governo Jair Bolsonaro de caráter prejudicial à área. Alguns dos desmantelamentos foram: baixa execução orçamentária no MEC; grave crise no INEP (órgão ligado ao MEC e responsável pela realização de avaliações e exames, como o ENEM e o SAEB) com a demissão em massa de 37 profissionais em novembro último e abalo na sua credibilidade; menor número de inscritos no ENEM desde 2009; desaceleração e descontinuidade de importantes agendas e políticas pactuadas pelo campo educacional nos últimos anos e, por fim, a ausência completa de coordenação federal durante a crise da pandemia de COVID-19, que gerou impactos preocupantes nos indicadores educacionais como o aumento nos índices de evasão e abandono, entre outros efeitos nefastos ligados à aprendizagem e proteção integral de crianças, adolescentes e jovens.
Em entrevista à Hora do Intervalo, Natacha Costa, diretora geral da Associação Cidade Escola Aprendiz, fez um balanço dos anos de pandemia e os desafios que a Educação vai enfrentar em 2022. “A educação não pode prescindir de esperança, de amor às pessoas, de acreditar que é possível construir caminhos coletivamente. Não há educação sem que essas coisas estejam vivas. E a esperança, como Paulo Freire diz, é ação, é transformar nossas perspectivas, nossos sonhos em ação”, disse. Confira a conversa na íntegra.