publicado dia 19/01/2023

O que o novo MEC indica sobre as pautas prioritárias na Educação

Reportagem:

Após quatro anos marcados pelo desmontes de políticas públicas educacionais, a precarização do ensino e das condições de trabalho dos professores e até a piora da alimentação escolar, Camilo Santana (PT) assume o Ministério da Educação (MEC) com grandes desafios que vão desde o financiamento para a Educação pública até retomar o cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE).

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Em discurso na cerimônia de posse, acompanhado de Izolda Cela – ex-governadora do Ceará que assumiu a secretaria-executiva do MEC – o novo ministro citou como prioridades da pasta a alfabetização, escolas em tempo integral e a qualidade da alimentação escolar, além de melhorar o orçamento e retomar programas de financiamento estudantil no Ensino Superior como o ProUni e o FIES. 

“Mais 650 mil crianças de até 5 anos de idade abandonaram a escola nos últimos três anos. No mesmo período, cresceu 66% o número de crianças de 6 e 7 anos que não sabem ler nem escrever na idade certa. A última avaliação feita pelo Saeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) mostra que apenas uma a cada três crianças são alfabetizadas na idade certa. Ou seja, a maioria é analfabeta dentro da própria escola, o que provoca graves repercussões na sequência da vida dessas crianças.”, pontuou. 

Paulo Freire, patrono da Educação brasileira e pensador bastante atacado durante o governo de Jair Bolsonaro, também foi lembrado ao final da fala: “Encerro com uma frase de Paulo Freire, que inspirou tanta e tantos educadores nesse país: “ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho, os homens se libertam em comunhão”.

Além de Izolda Cela, com experiência na Educação de Sobral (CE), foram anunciados como parte do primeiro escalão do MEC: Katia Schweickardt, ex-secretária de Educação de Manaus (AM), na Secretaria de Educação Básica, Denise Carvalho, reitora da Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ), na Secretaria de Ensino Superior e Zara Figueiredo Tripodi, da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), na Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi). Getúlio Marques Ferreira foi nomeado para a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica e Helena Sampaio para a Secretaria de Regulação e Supervisão do Ensino Superior. 

MEC: reconstrução e disputas 

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Reunião do ministro da Educação, Camilo Santana, e secretários

Crédito: Luis Fortes/MEC

A educadora Pilar Lacerda, que ocupou a secretaria de Educação Básica do MEC entre 2007 e 2012, comemorou a reconfiguração do MEC, que será capaz de dialogar e oferecer propostas para o campo da Educação. Para ela, apesar de não ser originalmente da área, o novo ministro dá força política para o ministério. 

“Ao mesmo tempo, o ministro faz uma composição muito interessante na equipe, pensando na diversidade e na representatividade das mulheres. A sua secretária-executiva, Izolda Cela, entende muito de Educação Básica e apresenta bons resultados em seu trabalho. Esse começo é animador”, afirma Pilar. 

“A não garantia ao direito a uma educação de qualidade, além de ampliar desigualdades sociais e educacionais, reproduz o ciclo da pobreza. O mais grave é que não estamos falando de números, mas de estudantes, trabalhadores da Educação, mulheres, pessoas pretas, pardas e indígenas”, diz Tânia Dornellas

Tânia Dornellas, assessora de advocacy da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, concorda que trata-se de uma oportunidade de reverter os efeitos do desfinanciamento da educação pública Básica e Superior, do avanço do negacionismo científico, da militarização das escolas e da ruptura democrática que marcaram os últimos 6 anos, bem como retomar o cumprimento do PNE.

“A não garantia ao direito a uma educação de qualidade, além de ampliar desigualdades sociais e educacionais, reproduz o ciclo da pobreza. O mais grave é que não estamos falando de números, mas de estudantes, trabalhadores da Educação, mulheres, pessoas pretas, pardas e indígenas”, diz Tânia.

Em relação à composição do novo MEC, a especialista avalia que a Educação é um terreno em disputa entre dois projetos distintos de educação: o que defende investimento público na educação pública e o que defende parcerias com a iniciativa privada.

“O ministro escolhido tem lastro político importante e estratégico em um cenário de reconstrução da educação e do país. Por outro lado, o trabalho desenvolvido em Sobral (CE), um município reconhecido pelo resultado no Ideb, pode acabar se tornando um modelo que vai se sobrepor a outros, além de ser perceptível o aceno a grupos empresariais que atuam no lobby da educação e defendem um formato pautado na meritocracia e alinhado à iniciativa privada”, avalia Tânia.

O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) é uma ferramenta importante para compor, junto a outros instrumentos, uma avaliação da política de educação, mas não é a única. É preciso regulamentar o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SINAEB), previsto na Constituição, explica Tânia, destacando que, esse mecanismo vai contribuir diretamente para a melhoria das políticas públicas educacionais, uma vez que vai avaliar a qualidade, a equidade e a eficiência da educação básica no Brasil.

“É preciso investir na análise da aprendizagem dos estudantes e nas condições para a garantia do direito à educação, considerando as diferentes dimensões que implicam na qualidade da educação, ou seja, é preciso investir mais em avaliações formativas e menos em testes padronizados”, pontua.

O que vai ser prioridade para o MEC? 

Retomar obras. O novo titular da pasta do MEC afirmou que priorizará a revisão do cronograma de obras de creches, universidades e escolas – inclusive as destinadas à Educação Integral – paralisadas ou inacabadas. 

“O que nos preocupa é ampliar o horário mas repetir a mesma escola conteudista”, diz Pilar Lacerda

Tempo Integral. Além de Camilo Santana, o presidente Lula também sinalizou a importância das escolas oferecerem ensino em tempo integral. Para Pilar Lacerda, é preciso ter nitidez da concepção de Educação para que a expansão da jornada colabore para a aprendizagem integral dos estudantes. “O que nos preocupa é ampliar o horário mas repetir a mesma escola conteudista”, reflete. “Não podemos conceber escolas que funcionem em quatro ou oito horários de 50 minutos, todo mundo em fila, com um professor que escreve na lousa ou que a única fonte de informação seja o livro didático. Isso é reconhecido, em grande parte do mundo, como ultrapassado”.

Reajuste da alimentação escolar. Sem reajuste há 6 anos, os valores repassados por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar aos estados e municípios serão analisados para que o valor seja atualizado. O objetivo é melhorar a qualidade da merenda e dos alimentos oferecidos aos estudantes nas escolas públicas, que caiu de qualidade nos últimos anos, em especial, diante do avanço da fome no Brasil. “A merenda, principalmente quando a fome volta de maneira avassaladora, também é garantidora de condições de aprendizagem.Em um país desigual e pobre, onde as crianças passam fome, é necessário recuperar o investimento já feito no passado”, defende Pilar. 

Alfabetização. Um desafio estrutural da Educação brasileira, a alfabetização de qualidade e na idade certa também receberá atenção especial. Agravado pela pandemia e pelo afastamento dos estudantes das escolas, o número de crianças de seis e sete anos que não sabem ler e escrever cresceu 66% de 2019 para 2021. Para Pilar Lacerda, é preciso uma grande mobilização nacional em torno do tema. 

“Alfabetização acontece o tempo inteiro”, lembra Pilar

A respeito das políticas de alfabetização, a educadora lembra que o Programa de Alfabetização na Idade Certa (PAIC), inspirado nas experiências no Ceará, é considerado inspiração para os gestores escolares. “Pode-se concordar ou não com as políticas adotadas pelo programa, mas elas têm sustentabilidade. Esse projeto de alfabetização não pode ser um episódio, tem que ser uma constante e não pode se restringir ao primeiro e segundo ano do ensino fundamental. Alfabetização acontece o tempo inteiro.”

Ensino Superior, ProUni e FIES. Após um governo marcado pela hostilidade e falta de diálogo com as universidades e o Ensino Superior, Camilo Santana incluiu a retomada de programas de financiamento estudantil, como o ProUni e o FIES, como prioridades da nova gestão. A educadora Pilar Lacerda comemora a recuperação dos programas, chamados por ela de políticas estruturantes que ampliam o acesso ao Ensino Superior. “São políticas que mudam a cara do país. O Prouni, ao formar profissionais que vêm dos setores mais pobres da população, trabalha pela democratização do acesso”.

*Por André Nicolau e Ingrid Matuoka

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