publicado dia 20/03/2018
O lugar do inglês na Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
Reportagem: Da Redação
publicado dia 20/03/2018
Reportagem: Da Redação
Por Ingrid Matuoka e Thais Paiva
Tida como a atual “língua do conhecimento”, o inglês foi definido pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) como o idioma estrangeiro obrigatório a ser ensinado para o Ensino Fundamental II de todas escolas brasileiras.
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Para especialistas, no entanto, as novas diretrizes do documento pouco auxiliam em uma importante questão que ronda o ensino do idioma: o estigma negativo do inglês escolar, reforçado por aulas baseadas em tradução, memorização e repetição.
É isso que mostra o estudo Seis aspectos para a revisão da 3ª versão da BNCC – Componente língua inglesa, elaborado pelo British Council, organização do Reino Unido que promove trocas com o Brasil nas áreas culturais e educacionais.
Como um todo, a organização avalia que persiste uma visão tecnicista da língua inglesa no documento, desalinhada do entendimento do ensino/aprendizado do idioma, sobretudo, para a formação crítica e cidadã.
Para a instituição, a BNCC deveria superar pontos como “rotular tempos verbais em inglês ou nomear um conjunto de palavras” e focar-se no “uso da língua estrangeira em diferentes contextos sociais e formativos”.
Persiste uma visão tecnicista da língua inglesa na BNCC, desalinhada do entendimento do aprendizado do idioma, sobretudo, para a formação crítica e cidadã
Para Cintia Gonçalves, gerente sênior do British Council, a BNCC tem uma importância estratégica para as políticas de educação no País, sendo um marco importante ao estabelecer o aprendizado que deve ser assegurado aos estudantes brasileiros e o terreno comum para que ocorra.
No entanto, preocupa a forma engessada que certos conteúdos, habilidades e competências da língua inglesa apresentam. “Isso pode reforçar um ensino tradicionalmente fragmentado e descontextualizado, que enfatiza o aprendizado de vocabulário e regras gramaticais isoladas”, diz.
A Base prescreve 88 habilidades em língua inglesa que considera que os alunos do Ensino Fundamental devem dominar. Estas habilidades são divididas em cinco eixos: oralidade, leitura, escrita, conhecimentos linguísticos e gramaticais, e dimensão intercultural
Uma das críticas colocadas pelo British Council diz respeito justamente a esse formato, uma vez que a menor parte das habilidades está concentrada no eixo da dimensão intercultural, considerada fundamental para o desenvolvimento integral do aluno e para uma visão menos tecnicista e meramente instrumental da língua inglesa.
“A Base não dá condições e suporte para o professor romper com o paradigma de ensino de vocabulário e gramática, resultando na falta de garantia para formação integral dos estudantes. O que se nota é um excesso de habilidades requeridas, que reforçam a utilização de habilidades básicas e de conhecimentos sistêmicos sobre a língua inglesa, sem vínculos claros com a construção de uma sociedade justa e inclusiva, por exemplo”, diz o documento.
Desta maneira, persiste a tradicional visão da língua como um conjunto de regras a ser sistematizadas, afastando a possibilidade da Língua Inglesa atuar como um instrumento capaz de ampliar horizontes de comunicação e intercâmbio cultural e científico.
Para Cintia, o desafio se torna ainda maior à luz de uma lacuna importante para a formação de professores de inglês no Brasil. “Em estudo recente realizado por nós, 62% dos professores afirmaram não fazer capacitações, pois não são oferecidas pelas Secretarias de Educação. A maior dificuldade declarada é com a língua falada. O professor tem uma relação distante da língua no uso e para o uso e por esse motivo, muitas vezes, as aulas se atêm ao ensino de vocabulário e gramática”.
Outro ponto analisado foi a ampliação de 32 habilidades na segunda versão da Base para 88 na versão final. Segundo o British Council, isso dificulta a adequação curricular em nível regional/local, para personalização do ensino de acordo com o contexto em que a escola está inserida.
Na análise do estudo, a Base também deixa a desejar nos aspectos de adequação às necessidades do século XXI. “Seria preciso indicar habilidades necessárias para viver e aprender, tais como resolução de problemas, tomada de decisões, colaboração, pensamento criativo e argumentação”.
O excesso de habilidades dificulta a adequação curricular em nível local, para personalização do ensino de acordo com o contexto em que a escola está inserida
O estudo comparativo apontou que 80% das habilidades correspondem a verbos de baixa demanda cognitiva. São eles: lembrar, compreender e aplicar. Apenas 20% das habilidades demandam processos cognitivos mais elaborados: analisar, avaliar e criar.
“A escola e os currículos precisam se reinventar e se adaptar a essa nova era. Seria preciso indicar habilidades necessárias para viver e aprender no século XXI, tais como resolução de problemas, tomada de decisões, colaboração, pensamento criativo e argumentação”, recomenda o levantamento.
Diante de tal perspectiva apresentada pela BNCC para o ensino de inglês, Cintia defende a necessidade das redes de não se pautarem exclusivamente pelo eixo dos conhecimentos linguísticos ao elaborarem ou adaptarem seus currículos, e sim trabalhar de maneira integrada.
Ela acrescenta que esse desafio de fazer a leitura do todo também será do professor em sala de aula. “Ele terá um papel fundamental e deverá ter clareza do contexto do aluno para definir como o currículo será implementado na prática”.
Além disso, caberá a ele escolher os recursos pedagógicos a serem utilizados com os diferentes perfis e níveis de conhecimento do idioma pelos alunos. “O estudante em geral gosta da língua inglesa, portanto, as aulas podem ser um atrativo para a aprendizagem”, lembra.