publicado dia 21/06/2024

No Pará, fechamento de escolas do campo, indígenas e quilombolas ameaçam comunidades tradicionais 

Reportagem:

🗒️Resumo: O fechamento de escolas do campo, indígenas e quilombolas pelo Brasil só aumenta. O impacto é sentido pelas famílias, que se veem obrigadas a submeter suas crianças e adolescentes a trajetórias extenuantes até a escola ou a deixarem suas comunidades. Entenda por que estas escolas vêm sendo fechadas e a importância de assegurar o direito à Educação escolar diferenciada.

Em 2019, a gestão municipal de Inhangapi (PA) decidiu fechar 19 escolas do campo, indígenas e quilombolas, sem qualquer consulta às comunidades, na contramão do que determinam legislações brasileiras e internacionais. Após muita mobilização, as comunidades conseguiram que 4 destas escolas fossem reabertas. 

“Foi muita luta para reabrir essas escolas. O impacto do fechamento delas foi muito negativo, inclusive porque não conseguimos reabrir todas. Tirar a escola da comunidade é tirar sonho, dignidade e o esperançar dessas famílias e juventudes, além de tornar inexistente o poder público naquele território”, diz Valberto de Almeida Maia, também conhecido como Dunga, que é vice-presidente da Associação Quilombola de Pitimandeua.

“Tirar a escola da comunidade é tirar sonho, dignidade e o esperançar dessas famílias”, diz Valberto de Almeida Maia

O caso não é isolado e vem se perpetuando desde o começo dos anos 2000. “Das 170 mil escolas fechadas no Brasil até 2023, 101 mil (59%) eram do campo. No Pará, 9 mil escolas foram fechadas em todo o estado, sendo 8 mil do campo”, explica Salomão Hage, professor no Instituto de Ciências da Educação da Universidade Federal do Pará (UFPA) e coordenador do Fórum Paraense de Educação do Campo na Amazônia Paraense.

O especialista explica que boa parte desses fechamentos se deve a projetos de nucleação. Nos estados e municípios, escolas do campo, quilombolas e indígenas estão localizadas nas próprias comunidades, em diferentes pontos do território. Como atendem àquela população específica, costumam ter menos estudantes do que escolas urbanas. 

Em prol de uma economia financeira, não é incomum que as gestões decidam fechar várias destas pequenas escolas e abrir uma maior que atenda a várias comunidades.

“Primeiro, estas escolas são abandonadas pela gestão, sem infraestrutura e professores qualificados. Como a quantidade de alunos é pequena, elas se organizam em multissérie. Depois, sem ter dado as condições básicas para ofertar uma educação de qualidade, dizem que a multissérie é um fracasso e se valem da precarização das unidades para dizer que precisam fechá-las, ao invés de investir nelas”, explica Salomão.

As consequências para crianças, adolescentes, suas famílias e toda a comunidade são expressivas. O transporte até este novo ponto mais distante se torna exaustivo ou impossível, devido a alagamentos, secas, o movimento das águas e ondas de calor. Muitas destas crianças, sem qualquer alimentação, precisam sair de madrugada de suas casas para chegar a tempo nas unidades.

Assista ao vídeo em que lideranças denunciam o fechamento das escolas: 

Essa questão da distância entre a casa e a escola também é pautada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Em seu artigo 53, o documento determina que crianças e adolescentes têm o direito à matrícula em escola pública próxima de sua residência.

“Fechar uma escola é acabar com as comunidades tradicionais paulatinamente, porque as famílias com crianças e adolescentes acabam tendo que sair da comunidade, até pela obrigatoriedade da matrícula, e só ficam os velhos nestes territórios”, afirma Salomão. 

Para a educadora Maria Páscoa Sarmento, do Quilombo Barro Alto, em Ilha do Marajó (PA), que é co-coordenadora do coletivo de Educação da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), o que se revela no fechamento destas escolas e suas consequências para as comunidades é a estrutura racista do país.

“Esta é uma estratégia institucionalizada para negar o nosso direito à Educação, o que nos enfraquece. Para compreender o Estado, suas ações e interesses, precisamos dessa Educação formal, que nos dá acesso à linguagem do branco. Sem isso, não temos como nos contrapor às violações de direitos”, diz Maria Páscoa.

A influência dos negócios da agricultura, pecuária e hídricos na região também contribuem para o cenário. “O grande capital sempre se apropriou da área rural, que visa excluir pequenas propriedades e populações tradicionais, esvaziando o campo para entregar ao agronegócio. É uma luta secular que não mudou”, analisa André Lázaro, diretor de Políticas Públicas da Fundação Santillana no Brasil.

Além do acesso, a qualidade

Para além de garantir que haja escolas nas comunidades, o movimento do campo luta pela qualidade da Educação ofertada. Ao unir diferentes comunidades em uma mesma escola, se descaracteriza a Educação diferenciada para cada uma delas, outro direito previsto em lei. “A padronização das escolas destrói a rica diversidade sociocultural brasileira”, diz André.

“É preciso orçamento para implementar e garantir a Educação escolar do campo, indígena, quilombola e ribeirinha, com todas as suas prerrogativas, que fortaleçam suas identidades e a defesa dos territórios, e que espelhem a Educação de suas comunidades”, defende Maria Páscoa.

Para tanto, é fundamental que todos os sujeitos participem da construção do Projeto Político-Pedagógico das unidades e das decisões em torno da escola. “Também é importante que os profissionais sejam do próprio território, para que possam juntar o conhecimento tradicional ao formal”, acrescenta Valberto. 

Comunidades tradicionais e a preservação do meio ambiente

A manutenção das escolas do campo, quilombolas e indígenas em suas comunidades, além de ser essencial para sua própria sobrevivência, também contribui para enfrentar outro problema: a preservação ambiental.

O maior território quilombola do Brasil, que pertence ao Quilombo Kalunga, na região da Chapada dos Veadeiros, mantém intactos 83% da cobertura original do Cerrado, enquanto em todo o restante do bioma restam apenas 48% da vegetação nativa. Os dados foram sistematizados pelo MapBiomas.

“Acabar com essas comunidades significa entregar os nossos biomas para a extração mineral, a plantação da soja, a exploração da natureza. Precisamos conscientizar as pessoas disso, o que só acontece com um processo educativo”, diz Salomão.

Assista ao VII Seminário de Combate ao Fechamento de Escolas do Campo, Indígenas e Quilombolas no Estado do Pará:

Escola de Armação dos Búzios (RJ) resgata a cultura quilombola do território

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