publicado dia 05/03/2024

Mais um ataque contra escola reforça necessidade de cultura de paz 

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🗒️Resumo: Novo ataque contra escola reforça a necessidade de programas nacionais de convivência escolar e cultura de paz. Especialistas definem a natureza desse trabalho e reafirmam que as escolas não podem enfrentar sozinhas esse cenário; condições de trabalho para as unidades e regulamentação das plataformas digitais são centrais. 

Na manhã desta segunda-feira (4/3), um estudante de 15 anos atacou colegas e uma monitora no Centro Educacional (CED) São José, em São Sebastião (DF). As vítimas tiveram ferimentos superficiais e foram levadas para o hospital e o agressor foi encaminhado para a Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA).

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Este é o primeiro ataque contra escola de 2024, marcando o 37° do Brasil desde 2001. Os anos de 2022 e 2023 concentram 58% dos ataques à escola dos últimos 20 anos. Os dados são de um levantamento feito por pesquisadores da Unicamp, que fazem parte do Gepem (Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral).

Em meio ao contexto, o Ministério da Justiça chegou a liberar R$ 150 milhões para estados e municípios combaterem a violência contra as instituições de ensino. O governo também disponibilizou o número exclusivo de WhatsApp (61) 99611-0100 para denúncias de ataques ou ameaças a escolas, além do Disque 100. 

O canal pode ser acessado por meio de mensagens de texto, áudios, fotos e vídeos. As informações são encaminhadas com prioridade às autoridades de segurança para uma ação imediata. Em todos os canais, as denúncias são anônimas e as informações enviadas serão mantidas sob sigilo. 

Como a Educação pode contribuir

Quando um ataque à escola acontece, os olhos da sociedade se voltam para ela para pensar em como protegê-la. Há setores que defendem o uso de medidas repressoras, como policiamento, armamento, e até a transformação em escolas cívico-militares. 

Esse tipo de estratégia de segurança, adotada largamente por escolas dos Estados Unidos, já se mostrou ineficiente e com grande potencial de ferir direitos humanos.

Outros setores da sociedade defendem ações intersetoriais, educação midiática e para os Direitos Humanos, bem como programas nacionais de convivência escolar e promoção da cultura de paz. 

Estes são caminhos apontados por documentos como a cartilha “Recomendações para Proteção e Segurança no Ambiente Escolar” e o relatório “Ataques às escolas no Brasil: análise do fenômeno e recomendações para a ação governamental”, ambos do Ministério da Educação (MEC).

“A escola precisa estar vinculada aos princípios republicanos para que a gente viva em sociedade”, diz Catarina de Almeida Santos

Para Catarina de Almeida Santos, professora associada da UnB, integrante do Comitê DF da Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, as escolas têm um papel importante no enfrentamento às violências, sobretudo porque boa parte dos ataques são motivados por discursos de ódio

“A escola precisa estar vinculada aos princípios republicanos para que a gente viva em sociedade. Lá devem circular as várias visões de mundo e ser um espaço público para aprender com as diferenças e respeitá-las, onde a diversidade que nos educa se encontra”, diz a especialista. 

A implementação da Lei 10.639/03, que instituiu a obrigatoriedade do ensino da história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas do país, é um dos passos centrais nessa direção. Contudo, a lei não é cumprida em 71% dos municípios brasileiros, como aponta a pesquisa do Geledés Instituto da Mulher Negra e Instituto Alana.

“Que a história do povo negro e indígena não seja de dor, mas de quem construiu esse país, o continente, com muita riqueza nas diferentes áreas do conhecimento”, reforça Catarina.

“Cultura de paz é justiça social e distribuição de poder”, define Gina Vieira

Gina Vieira Ponte, formadora de professores no Distrito Federal, também explica a necessidade de definir o que é cultura de paz, para que o trabalho seja significativo. “Cultura de paz é justiça social e distribuição de poder. Muito do levante da violência fascista tem que ver com essa resistência em admitir que outros sujeitos possam acessar o poder econômico e simbólico, e os espaços que eram hegemonicamente brancos”, afirma. 

Na escola, é essencial que a construção desse trabalho parta dos próprios estudantes e da comunidade. “A cultura de paz não pode ser trazida de fora, ela precisa ser promovida pelos sujeitos implicados naquele processo, e envolve inclusive uma mudança de paradigma: compreender que essa educação branco-centrada, meritocrática e competitiva não atende a nossa necessidade de formação integral humana e diversa”, define. 

No lugar disso, propõe a educadora, cada sujeito deve assumir sua responsabilidade na construção de um ambiente de paz e a gestão democrática deve estar no centro do processo.

“Paz sem voz não é paz, é medo, já dizia [a banda] O Rappa. Por isso o silenciamento dos jovens, a escuta falsa, que acontece descolada da aula, do currículo, de maneira esporádica e eventual, que só vai falar o que o professor quer ouvir, não adianta”, diz Gina.

A Educação, embora seja potente no enfrentamento às violências, não pode ser a única responsável, especialmente porque falta a muitas delas as condições básicas para realizar seu trabalho com qualidade.  

“Como a escola, violentada em seu currículo, nas cobranças de ranking, com condições miseráveis de trabalho e infraestrutura, vai construir, sozinha, uma cultura de paz em uma sociedade em que isso não está dado?”, aponta Catarina.

Para além disso, na questão dos ataques às escolas, há outras instituições que precisam se responsabilizar, como as plataformas digitais que não agem com celeridade para barrar vídeos que divulgam e incitam os ataques. 

“Essas redes sociais lucram em cima de imagens que representam a dor de uma família. Temos que ter coragem de discutir que o capitalismo não tem ética, quer lucrar a qualquer custo, não importa quão violento ou racista seja o conteúdo. Por isso, precisamos defender a regulamentação das plataformas digitais”, afirma Gina. 

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