publicado dia 24/06/2020

Garantia de direitos deve ser a prioridade na reorganização do calendário escolar, diz Macaé Evaristo

Reportagem:

As redes de educação começam a se preparar para retomar as atividades presenciais nas escolas de todo o Brasil. Com isso, elas encaram diversos desafios: como reorganizar o calendário escolar?; como avaliar as aprendizagens geradas a partir das atividades remotas?; como garantir medidas de prevenção e higiene adequadas nas unidades?; quem pode voltar primeiro? 

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Como resposta a essas perguntas, a educadora Macaé Evaristo, ex-Secretária de Educação de Minas Gerais, tem sempre por base um ponto de partida: a garantia dos direitos de todas e todos os estudantes.

“Aqui, no Brasil, se faz uma escolha: quem são os que têm acesso à educação remota? E quem são aqueles que têm direito à educação? As crianças pobres, negras, indígenas e do campo estão, automaticamente, excluídas desse direito. Um direito previsto pela Constituição e pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB)”. 

Confira os principais trechos da entrevista com Macaé Evaristo: 

Centro de Referências em Educação Integral: Como você avalia a atuação dos governos e as políticas públicas desenvolvidas ao longo desses primeiros três meses de isolamento social?

Macaé Evaristo: Após o governo federal flexibilizar os 200 dias letivos, mas mantendo as 800 horas, e o Conselho Nacional de Educação (CNE) regulamentar, para o ano de 2020, que parte dessa carga horária seja cumprida a distância, as redes começaram a desenvolver algum tipo de proposta nesse sentido: são aulas pelo YouTube, por meio de grupos do WhatsApp, e outras plataformas digitais. 

Mas para isso dar certo, não se pode simplesmente embalar os conteúdos curriculares e colocar na internet. É preciso, primeiro, priorizar os vínculos e a criação de uma rede entre estudantes, escolas e famílias, para depois pensar em projetos, interdisciplinaridade, e em como esses conteúdos dialogam com as questões do cotidiano. Em suma, olhar para quem é esse aluno e o que ele está vivendo. E de qualquer maneira não é possível replicar a relação professor-aluno e o ambiente escolar em meio à relação doméstica, tampouco atribuir funções da escola às famílias. 

Além disso, boa parte dos estudantes não têm acesso aos equipamentos eletrônicos, e nem têm como custear uma banda larga para sua casa. Então as redes prepararam aulas pela televisão pública e por meio de materiais impressos, mas perdem a mediação dos professores, que é a base da educação. Além disso, podia ter se pensado em usar o Programa Nacional de Livros Didáticos (PNLD), mas ele está sendo destruído pelo governo federal.

No meio disso tudo, ainda temos os professores, que estão trabalhando enlouquecidamente, e tentando atender às várias demandas e expectativas de escolas e famílias.

CR: Como ficam os estudantes mediante esse cenário?

ME: Há uma invisibilidade da infância e dos jovens nesse contexto, diz-se que a pandemia acomete os idosos, e que a infância e a juventude “não têm problema”, que no máximo vão transmitir o Coronavírus. 

Mas não é bem assim, existem outros impactos para eles, e são violentos: temos quase 50 milhões de crianças e jovens sem escola no país, bebês e crianças pequenas tendo aula pelo celular, e crianças mais velhas e adolescentes recebendo uma série de apostilados que não têm nenhuma conexão com a vida. 

E temos as famílias, muitas delas vivendo de subempregos, são trabalhadores terceirizados, que perderam seus direitos trabalhistas, e estão sendo demitidos em massa. E aí a juventude é pressionada, porque é chamada a ajudar a compor a renda em casa, e em situações muito degradantes.

Mas essas questões estão sendo pouco consideradas por muitos gestores que estão à frente dos governos. A vida das pessoas, nada disso entra na equação. Os sujeitos desapareceram, só existe o plano econômico. Mas não podemos passar uma borracha em cima disso e fingir que não está acontecendo. Isso só vai agravar as desigualdades.

CR: E em relação aos esforços que têm sido feitos para melhorar essa situação? São suficientes?

ME: Parece que os governos aceitaram que a educação remota veio para ficar, porque a maioria não têm criado apoios e condições para garantir a retomada das atividades presenciais. 

E ao mesmo tempo não tem praticamente nenhuma movimentação no sentido de garantir condições para melhorar essa educação remota enquanto política pública nesse período de pandemia. Vão dar um smartphone por aluno? Um pacote de dados para as famílias? Mas se o estado não consegue garantir nem moradia digna, nem um lugar para a criança sentar para almoçar, como vai chegar nesse patamar? 

Fazer todo esse debate implica na votação do Fundeb, e em repensar e priorizar o financiamento da educação como um todo, algo que o governo federal não quer fazer.

CR: Como você orienta que as redes procedam para reorganizar os calendários letivos? 

ME: Esta não pode ser só uma discussão de dias letivos, de discutir aulas aos sábados ou em período integral. O direito à educação passa por tempos escolares, mas a prioridade é olhar para a situação de intensa exclusão educacional.

Sete estados do Brasil já disseram que essas atividades remotas são para manter vínculo, mas não contam como período letivo, porque a prioridade deles é o presencial. Então quando voltarem, todo mundo vai poder acessar os conhecimentos, vai ter outro tempo, vai repensar essa oferta educativa. 

Mas outros estados, como Minas Gerais, dizem que esse período remoto é substitutivo do presencial. E aí isso gera um problema: numa situação normal, a criança que perde 25% da carga horária está reprovada. Então aqueles que não tiveram acesso à inclusão digital nesses três meses já estarão imediatamente segregados e reprovados: vamos ter uma reprovação em massa. 

Na Espanha, eles foram por outro caminho, aprovando os alunos para retomar de onde pararam. E aí, aqui no Brasil, se faz uma escolha: quem são os que têm acesso à educação remota? E quem são aqueles que têm direito à educação? As crianças pobres, negras, indígenas e do campo estão, automaticamente, excluídas desse direito. Um direito que é previsto pela Constituição, pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB).

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