publicado dia 15/01/2025
Especialistas em Educação Integral indicam livros para começar o ano
Reportagem: Ingrid Matuoka | Edição: Tory Helena
publicado dia 15/01/2025
Reportagem: Ingrid Matuoka | Edição: Tory Helena
🗒 Resumo: Especialistas em Educação Integral compartilham 14 livros que contribuíram com suas reflexões e ações nos últimos tempos.
Para começar o ano, oito especialistas em Educação Integral recomendam livros de ficção e não-ficção para aprofundar os estudos ou para inspirar reflexões sobre a vida e as relações humanas.
As obras falam de experiências íntimas de enfrentamento ao racismo e à homofobia e que explicam por que as relações sociais e políticas se dão a partir desses atravessamentos.
Há produções de conhecimento afrocentrados e a partir das identidades brasileiras, que fazem frente à história única da perspectiva Europeia. E obras que podem ser lidas junto com os estudantes.
A recomendação de Edneia é a Coleção Escritas Pretas: Sankofa, publicada pelo Instituto Langage em 2022. Ela é composta por dois volumes de mesmo título: “Escrita de Mulheres Negras em Conta Gotas: sobre futuros”.
“Tem textos lindos da Waldete Tristão, Nilma Lino Gomes, Jaqueline Lima Santos, entre outras, falando sobre nosso processo de vida e formação, e eu contribuí com um texto no volume 1. A organização é da Ana Lucia Silva Souza (UFBA) e Kassandra Muniz (UFOP). São livros gostosos de ler e muito inspiradores”, diz a especialista.
A primeira indicação é a obra O contrato racial (Zahar, 2023), de Charles W. Mills, publicado originalmente em 1997, com tradução para o Português em 2023. O autor é um filósofo de origem jamaicana que estudou Física e Filosofia e foi professor em importantes universidades estadunidenses.
“Mills traz uma grande riqueza de argumentos fundamentados no pensamento filosófico ocidental para mostrar como o contrato racial opera acintosamente (ao mesmo tempo em que é negado) para estabelecer a supremacia branca e o domínio econômico e político da Europa. O livro é fonte de inspiração para as teorias produzidas por autoras relevantes como Sueli Carneiro e Lia Vainer”, explica Gina.
A segunda indicação é o livro Como a Europa subdesenvolveu a África (Boitempo, 2022), de Walter Rodney, um grande historiador e escritor panafricanista.
“Ele desnuda o fato de que tudo aquilo que nos acostumamos a considerar como natural, em relação às condições vividas no continente Africano, foi sistematicamente produzido pela Europa como parte do seu projeto de poder econômico. Corajosamente, ele problematiza, inclusive, a ideia de “subsdesenvolvimento” imputada aos países africanos e da América Latina. Com uma linguagem didática e ao mesmo tempo reveladora de pesquisa e estudos sérios e profundos, Rodney reúne fatos históricos para demonstrar como: “o funcionamento do sistema imperialista arca com grande responsabilidade pelo atraso econômico africano, ao drenar a riqueza e ao impossibilitar o desenvolvimento mais rápido do continente”.
O livro também tem o grande mérito de apresentar a riqueza da história do continente africano bem como exemplos inspiradores de resistência à dominação europeia, como os reinos Axanti e Daomé.
“Leitura recomendadíssima para docentes que têm compromisso ético com a devida reparação histórica aos povos africanos, e com a Educação para as relações étnico-raciais crítica e emancipadora”, afirma Gina.
A terceira indicação da especialista é O cérebro adolescente: O grande potencial, a coragem e a criatividade da mente dos 12 aos 24 anos (nVersos Editora, 2016), de Daniel. J. Siegel.
“Sou totalmente adepta da Psicologia Histórico-Cultural de Vygotsky. Acredito que somos sujeitos sócio-históricos e que teremos a nossa formação e processo de subjetivação profundamente influenciada pelo contexto social e histórico em que vivemos. Mas também acredito que somos um ser biológico e que compreender a anatomia e o funcionamento dos nossos corpos, que são a nossa realidade objetiva, pode nos auxiliar, tanto no trabalho de autoconhecimento, quanto no aprimoramento da nossa prática docente”, afirma.
A obra, voltada para famílias, professores, gestores escolares e até os próprios adolescentes, traz reflexões teóricas, exemplos ilustrativos e propõe estratégias e exercícios em favor da promoção da saúde mental e do pleno desenvolvimento nesta etapa da vida.
“O livro é resultado de muitos estudos voltados a compreender como funciona o cérebro de um adolescente e por que muitos dos comportamentos que eles adotam causam tanto incômodo aos adultos. A obra contribui para a desconstrução dos estigmas em torno desta fase do desenvolvimento humano e discute em profundidade o poder do cérebro adolescente e como potencializá-lo”, diz Gina.
Por último, a especialista indica um livro que pode ser lido com estudantes dos Anos Finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, o Leite do Peito (Mazza Edições, 2001), de Geni Guimarães.
A obra é uma coletânea de 12 contos autobiográficos que provocam reflexões profundas sobre a incidência do racismo na subjetividade de crianças e adolescentes negros.
“É aquele livro que não acaba depois que você conclui a leitura porque a delicadeza, a profundidade e a beleza estética com que é escrito faz com que ele siga reverberando dentro de nós. Pelos temas que ele aborda, é importante que a leitura seja mediada por um adulto”, orienta.
O livro Universidade popular e encontro de saberes (Editora da Universidade Federal da Bahia, 2020) é a indicação de Helena. A obra gratuita organizada por Rosângela Pereira de Tugny e Gustavo Gonçalves traz uma série de artigos de autores como Kabengele Munanga e Edson Kayapó.
“Além de relatar a experiência da universidade, é também um mapa da produção contra-colonial nas diversas áreas do conhecimento, como humanidades, matemática, tecnologia, saúde e arte”, explica Helena.
A especialista sugere três obras de autoras negras que refletem sobre o racismo e falam sobre a África e a presença de suas culturas no Brasil.
“Um dos temas essenciais que nós temos que discutir no Brasil hoje é a questão do racismo. Essas obras mostram como a questão do racismo tem impacto na nossa vida, nas desigualdades, na nossa história e no nosso presente. É super importante a literatura além de tudo que é discutido em termos acadêmicos, é importante que venha acompanhado da literatura”, diz Miriam, que recomenda as obras abaixo.
Em Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano (Cobogó, 2019), a artista e psicanalista Grada Kilomba entrevista mulheres negras vivendo na Alemanha que relatam suas experiências de racismo.
De maneira detalhada e incisiva, a autora explica as raízes de cada uma das atitudes racistas e seus impactos para as vítimas, das políticas de espaço e exclusão às políticas do corpo e do cabelo, passando pelos insultos raciais.
A obra, generosamente escrita de forma acessível, combina teoria pós-colonial, estudos da branquitude, psicanálise, estudos de gênero e feminismo negro.
A consagrada escritora brasileira Conceição Evaristo apresenta em Olhos D’Água (Pallas, 2014) quinze contos que retratam de frente a pobreza e a violência urbana enfrentadas pela população afro-brasileira, sobretudo mulheres.
Escrito de forma poética, o livro traz mães, filhas, avós e amantes, além de personagens meninos e homens, que vivem dilemas raciais, relacionais, sociais, sexuais e existenciais em diferentes momentos de vida.
O livro conquistou o 3º lugar na categoria Contos e Crônicas do prêmio de Jabuti, em 2015, e integra a lista de leitura obrigatória de vestibulares do país.
A partir de uma extensa pesquisa documental, a escritora e historiadora Ana Maria Gonçalves retrata em Um defeito de cor (Record, 2006) a jornada de Kehinde, desde que é raptada aos 8 anos de idade no Reino do Daomé e trazida como escravizada para o Brasil, até sua morte, já idosa.
A personagem foi inspirada em Luísa Mahin, que teria sido mãe do abolicionista, advogado e poeta Luís Gama, e participado da célebre Revolta dos Malês, movimento liderado por escravizados muçulmanos a favor da abolição.
Toda sua jornada é entrelaçada à história do Brasil à época e, por isso, foi incluído na lista da Folha de S.Paulo como o sétimo entre 200 livros mais importantes para entender o país e, ainda, inspirou o samba enredo da Portela, no carnaval de 2024.
No livro Mudar: Método (Todavia, 2024), de Édouard Louis, o autor faz um resgate autobiográfico para compartilhar questões envolvendo a homofobia, as diferenças de classe e as relações familiares.
A história começa com seu processo de amadurecimento até se transformar no escritor de sucesso internacional, e aborda a importância dos estudos em sua trajetória.
“É um livro inspirador porque nos leva a refletir sobre como o preconceito contra as crianças e jovens LGBTQIA+ é devastador”, diz Pilar.
“O livro Terrapreta (Editora 34, 2021), de Rita Carelli, conta a história de uma menina, nascida numa capital, que depois que perder a mãe, vai morar com o pai, um arqueólogo, no Xingu. Passa a sua adolescência neste território indígena, que nunca mais a larga, pois mesmo indo morar em qualquer lugar do mundo, as vivências e saberes a constituem”, relata Roberta sobre a obra recomendada.
O romance é a estreia na literatura da atriz, diretora de cinema e teatro. Seu livro conta ainda com um texto de Ailton Krenak, que diz: “um romance de formação para leitores que vislumbram outras cartografias do país”.
A primeira indicação do especialista é o livro Memórias (Editora Unesp, 2024), de Rubens Ricupero. Ao longo de 700 páginas, o ex-ministro da Fazenda e diplomata brasileiro relata os bastidores do Plano Real, o lançamento da moeda e os embates que a cercaram.
Para além disso, traça um resgate histórico do que se passou no Brasil e no mundo por cerca de oitenta anos, desde a Segunda Guerra, o Estado Novo, o golpe militar, as questões climáticas, até o terceiro governo Lula.
Rodrigo também indica o livro A vacina: A história do casal de cientistas pioneiros no combate ao Coronavírus (Intrínseca, 2022), de Joe Miller, Özlem Türeci, Uğur Şahin.
A obra conta a história dos cientistas responsáveis por desenvolver a primeira vacina contra o Coronavírus. Eles já possuíam mais de trinta anos de pesquisa na área e, quando a pandemia eclodiu, perceberam que seus estudos poderiam ser úteis. Em poucas semanas, desenvolveram a vacina enquanto driblavam o negacionismo.
Ativismo Delicado: Uma abordagem radical para mudanças (Bambual, 2024), de Allan Kaplan e Sue Davidoff, é a sugestão da especialista para começar o ano. Ela explica que o livro traz reflexões profundas sobre como as maneiras pelas quais a militância social e política pode se entrelaçar com práticas de cuidado que favoreçam o bem-estar.
“A escrita é super agradável e nos convida a pensar como podemos ser agentes de transformação no mundo sem nos perdermos nesse processo e sem nos esgotarmos emocionalmente. É um convite ao equilíbrio nos posicionamentos por meio da escuta, do diálogo. Meu livro está com muitas marcas e anotações. Não tenho dúvida que sua leitura é orientadora e essencial para nós que desejamos e trabalhamos para um mundo melhor”, afirma.