publicado dia 22/06/2017

Escritoras ganham mais espaço na lista de livros obrigatórios de importantes vestibulares

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“Eu denomino que a favela é o quarto de despejo de uma cidade. Nós, os pobres, somos os trastes velhos.” A imagem poderosa compõe o diário Quarto de Despejo, da escritora Carolina Maria de Jesus, obra que, relatando o cotidiano da vida na favela, já foi traduzida para mais de dez idiomas e, recentemente, passou a integrar a lista de livros obrigatórios para o vestibular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) de 2019.

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Além de Carolina, a relação trouxe também outra novidade de autoria feminina: o livro A teus pés da poeta carioca Ana Cristina Cesar, homenageada, em 2016, pela Festa Literária Internacional de Paraty.

Pouco antes, o maior vestibular do País, a Fuvest, também sinalizava sua intenção de tornar sua lista de leitura mais representativa para a prova de 2018. O romance Capitães de areia, de Jorge Amado, saiu para dar lugar ao livro Minha vida de menina, de Helena Morley, pseudônimo de Alice Dayrell Caldeira Brant. A obra é um diário narrado pela voz da menina que viveu na Diamantina (MG) do final do século XIX.

Sabendo do peso dessas listas para o planejamento do currículo das escolas, a inclusão de escritoras mulheres nas relações obrigatórias de dois dos mais importantes vestibulares do País é vista como um avanço importante.

“Espero que a partir dessas novas recomendações, a leitura de mulheres nas escolas aumente e essa lista seja ampliada, pois isso ainda é muito pouco e há autoras excelentes que carecem de reconhecimento”, observa Juliana Leuenroth, uma das idealizadoras do Leia Mulheres.

“Pensando no vestibular, os estudantes do Ensino Médio leem praticamente só homens brancos, de classe média e da região sul-sudeste do Brasil”, critica Leuenroth

Para ela, ainda que estejamos longe de uma igualdade, a inclusão das obras pode ser considerada uma conquista, principalmente, pelo fato das autoras listadas não serem consideradas canônicas.

“Nos últimos vestibulares, a Fuvest não contava com nenhuma mulher em sua lista de leituras, nem Clarice Lispector, que antes era a única representante mulher da lista, e na Unicamp só alguns contos de mulheres eram recomendados”, lembra.

A especialista Gabriela Rodella, doutora em Linguagem e Educação pela Faculdade de Educação da USP, também recebe a notícia com bons olhos. Em sua opinião, a presença das obras de Carolina Maria de Jesus, Ana Cristina Cesar e Helena Morley ocorre também pela força de representação que conquistaram em nossa sociedade.

“Nas pesquisas que desenvolvi sobre ensino de literatura em São Paulo, conversei com professores do Ensino Médio que pediam, já em 2011, a leitura de “Quarto de despejo” e de “Minha vida de menina”. Na Universidade Federal do Sul da Bahia, onde desenvolvo meu trabalho docente, a leitura dessas obras é indicada e debatida com os licenciandos da área de Linguagens, justamente para que possam ter a escolha de fazê-la em sala de aula”, conta.

Ou seja, para ela, a indicação para os grandes vestibulares é importante, mas acontece também em função da presença dessas leituras em situações formais de aprendizagem, na Educação Básica ou no Ensino Superior.

Representatividade no ensino literário

Para além de pautar as leituras em sala de aula, é importante ressaltar que medidas como essas ajudam a combater o preconceito com a literatura escrita por mulheres, vista durante décadas como algo menor e circunscrita a temas familiares e domésticos. “Há também o termo “literatura feminina” que vai de encontro com essa definição e que subentende que apenas os homens seriam capazes de tratar dos tais ‘temas universais’”, aponta Leuenroth.

Neste sentido, colocar os estudantes em contato com o maior número de vozes e formas diferentes de narrativa é essencial para o conhecimento de outras realidades e diferentes pontos de vista, ajudando a formar uma compreensão mais plural do mundo. “Pensando no vestibular, os estudantes do Ensino Médio leem praticamente só homens brancos, de classe média e da região sul-sudeste do Brasil”, critica Leuenroth.

Ainda nesta perspectiva, a seleção de Maria Carolina de Jesus, mulher negra e periférica, vai além e evidencia a urgência de ampliar o perfil dos autores e das realidades estudadas em um dos vestibulares mais importantes do país.

“Os leitores querem se ver na literatura. Muito discutimos sobre a autoestima de pessoas da periferia e escrita. Inserir Maria Carolina de Jesus no vestibular significa ‘você também pode’. Além da escrita dela ser de ótima qualidade”, diz Juliana Gomes, também do Leia Mulheres.

Para Leuenroth, o fato pode ser interpretado desta forma, mas ​ainda é uma tentativa muito distante do ideal, como se apenas um livro bastasse para dar conta do tema que Quarto de despejo retrata. “Acho o livro da Carolina excelente, necessário e extremamente atual. Porém, espero que nos próximos esse espectro de realidades seja maior”.

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