publicado dia 12/09/2014

Desvendando o PNE: superação de desigualdades históricas é alvo do Plano

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Meta 8: elevar a escolaridade média da população de 18 (dezoito) a 29 (vinte e nove) anos, de modo a alcançar, no mínimo, 12 (doze) anos de estudo no último ano de vigência deste Plano, para as populações do campo, da região de menor escolaridade no País e dos 25% (vinte e cinco por cento) mais pobres, e igualar a escolaridade média entre negros e não negros declarados à Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.

Com qual idade você entrou na escola? Por quantos anos estudou? Na sua cidade natal havia creche? Por quanto tempo seus pais estudaram? Eles tiveram a oportunidade de frequentar a universidade? Agora pense nas crianças ao seu redor. Elas frequentam creche? Com quantos anos entraram na escola?

As possíveis respostas a tais perguntas podem ser as mais diversas pelo Brasil. As selo-desvendando-pnepopulações da cidade ou do campo, branca ou negra, pobre ou rica, e das diferentes regiões podem trazer realidades totalmente distintas, revelando o cenário de desigualdade educacional no país. Para alguns setores da sociedade, o direito à educação enfrenta uma série de obstáculos para se efetivar, tendo como consequência grandes diferenças na escolaridade da população.

Historicamente, partes da sociedade foram menosprezadas e tiveram o acesso à educação dificultado ou negado. Foi apenas em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, que a educação passou a ser vista como um direito de todos, sem distinção, e como um dever do Estado, que deve ofertá-la gratuitamente. “Não podemos nos esquecer de que a sociedade brasileira se institui sobre o racismo. Durante parte da nossa história, mulheres e a população negra foram excluídas do sistema de ensino, assim como os setores mais populares”, analisa a secretária do Ministério da Educação, Macaé Maria Evaristo dos Santos, à frente da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi).

Corrigindo desigualdades

Para afirmar e garantir o direito à educação das populações mais vulneráveis, a meta 8 aponta para o aumento dos anos de estudo de grupos específicos. Em 2024, as populações do campo, a 25% mais pobre e da região de menor escolaridade (segundo a PNAD 2012, hoje Norte e Nordeste empatam) terão de ter, ao menos, 12 anos de ensino. A meta prevê também a necessidade de igualar a escolaridade entre negros e não negros. “O recado do Plano Nacional de Educação (PNE) é que o Brasil quer garantir a universalização da educação básica, mas quer fazer isso com equidade, garantindo que toda a população brasileira, sem distinção, tenha o acesso garantido”, afirma Macaé.

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Um primeiro passo rumo ao aumento dos anos de estudo já foi dado pela emenda constitucional 59 de 2009, que ampliou o ensino obrigatório. A partir de 2016, todos brasileiros de 4 a 17 anos devem estar matriculados na escola e o Estado deve garantir a oferta de vagas desde o ensino infantil até o médio. Com a efetivação desta premissa, as próximas gerações terão garantidos, ao menos, 13 anos de estudo. Os municípios e estados brasileiros tem diante de si os desafios, previstos no PNE, de universalizar a educação infantil e o ensino fundamental, e de aumentar as matrículas no ensino médio.

No entanto, o aumento dos anos da educação obrigatória e a oferta de vagas não bastam. As barreiras que impediram – e ainda impedem – o acesso à educação por estes grupos demanda ações específicas para ser extinta e são necessárias políticas que olhem para a vulnerabilidade em que estão e desenvolvam ações de apoio capazes de reverter esse histórico de desigualdade.

Diversidade e especificidades

Entre os grupos apontados pela meta, a população do campo é a que tem o menor número de anos de estudo, segundo o Observatório do PNE. Enquanto na cidade a escolaridade média é de 10,1 anos, no campo ela cai para 7,6 – o que não é suficiente para completar o ensino fundamental obrigatório, que é de nove anos. Elevar em quase cinco anos a escolaridade média desta população significa dar condições concretas de acesso à escola, como garantia de transporte, e criar um ensino que dialogue com a realidade local.

Os quase 30 milhões de brasileiros que vivem na área rural abrigam uma diversidade enorme; são agricultores familiares, indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e assentados da reforma agrária, entre outros grupos. “Há uma diversidade de sujeitos no campo: na Amazônia é uma coisa, com a população da floresta e os ribeirinhos, enquanto na região sul temos outra configuração”, explica Macaé.

A secretária explica que a educação do campo deve levar em consideração o contexto em que está inserida: “é importante reconhecer as diferentes identidades presentes e mesmo reconhecer a diversidade de biomas porque ela precisa dialogar com a região”.

Para isto, é importante que a escola esteja inserida no território, o que se apresenta hoje como um desafio.  Entre os anos de 2003 e 2013, foram fechadas 32,5 mil instituições na zona rural, uma média de oito escolas por dia, segundo levantamento do jornal Folha de S.Paulo. “Com o fechamento das escolas, há crianças que passam a transitar quatro ou seis horas para ir e voltar. Elas acabam perdendo seus horários de alimentação e não tendo oportunidades para a convivência familiar e comunitária e para o seu desenvolvimento integral”, explica o membro do Conselho Estadual de Educação do Mato Grosso, Carlos Alberto Caetano.

Para evitar que isso continuasse, em março deste ano foi sancionada uma lei que dificulta o fechamento das escolas. Pela nova regulamentação, o estado ou município deve justificar a atitude, apresentar um plano de realocamento dos estudantes e consultar as famílias e os conselhos estadual ou municipal de educação. No entanto, Caetano explica que a realidade ainda é outra, destacando as escolas das comunidades quilombolas. “Elas estão sendo fechadas de forma arbitrária, sem que se respeite o que a lei define.”

Vulnerabilidades sobrepostas

Tanto em números absolutos quanto proporcionalmente, a população do campo brasileiro se concentra no Nordeste, que abriga mais de um terço de toda a população rural do país. A região é a de menor escolaridade do país, com uma média de anos de estudo de 8,9 e por isso também alvo da meta 8. O Nordeste acaba sobrepondo uma série de vulnerabilidades que são abordadas pelo PNE. Além de concentrar a maioria da população rural, o nordeste também concentra cerca de 60% das pessoas em situação de pobreza extrema do país.

Em relação às ações voltadas para a população mais pobre, Macaé destaca os avanços trazidos pelo programa Bolsa Família, que condiciona o recebimento do benefício à frequência mínima dos filhos à escola. “A articulação de uma política de transferência de renda com a condicionalidade de frequência é um grande exemplo de como associar a política de assistência social com educação.”

O Nordeste é também a região com mais negros proporcionalmente: quase 10% dos nordestinos se consideram negros, segundo o Censo de 2010. A desigualdade entre negros e não negros também é destacada pela meta 8. O PNE prevê que, em dez anos, a escolaridade média entre os dois grupos seja igualada. Atualmente, na faixa etária entre os 18 e 19 anos, os a população negra tem cerca de nove anos de estudo, e a branca chega a 10,6. “Esta diferença se dá pela desigualdade racial que existe no Brasil, o racismo é uma coisa estruturante. Desde a escravidão até hoje, você tem este racismo pautando as políticas públicas e o cotidiano”, explica a coordenadora de educação da Ação Educativa, Denise Carreira.

Mais informações sobre como tratar as relações raciais e o racismo dentro das escolas podem ser encontrar na página Educação e Relações Raciais.

Nas políticas necessárias para garantir a equidade estão ações dentro das escolas e no âmbito das políticas públicas. A coordenadora destaca a importância de se garantir educação de qualidade para as escolas com população de maior vulnerabilidade. Dentro das escolas, Denise ressalta a importância da implementação dos conteúdos referentes à história afrobrasileira e de ações de combate ao racismo. “Temos proposto o uso de um indicador para a escola fazer uma autoavaliação sobre como está o enfrentamento ao preconceito.”

Ao destacar a necessidade igualar a média de escolaridade entre negros e não negros, o PNE explicita o problema do racismo, analise Denise. “No Brasil, a questão racial sempre foi muito negada e tornada invisível.” Ao não assumir o racismo, deixa-se de pensar em políticas para combatê-lo. “Os indicadores sociais das populações negras da periferia e do campo gritam, mas isto não é assumido como prioridade pela política educacional. Esta meta estimula os governos a olhar mais esta desigualdade e pensar ações que possam superá-la”, complementa.

Para atingir seus objetivos, a meta 8 prevê também a implementação de programas voltados à educação de jovens e adultos (EJA) e de cursos profissionalizantes e técnicos. As ações estão previstas nas metas 10 e 11, respectivamente, do PNE e serão abordadas pelo Centro de Referências em Educação Integral na próxima semana. Denise destaca a importância da EJA para a população negra: “cerca de 70% dos estudantes da EJA são negros e é uma modalidade muito pouco valorizada pelos gestores”.

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