publicado dia 02/10/2014
Desvendando o PNE: ensino superior deve abrir horizontes
Reportagem: Juliana Sada
publicado dia 02/10/2014
Reportagem: Juliana Sada
Meta 12: elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% e a taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos, assegurada a qualidade da oferta e expansão para, pelo menos, 40% das novas matrículas, no segmento público.
Meta 13: elevar a qualidade da educação superior e ampliar a proporção de mestres e doutores do corpo docente em efetivo exercício no conjunto do sistema de educação superior para 75% sendo, do total, no mínimo, 35% doutores.
Meta 14: elevar gradualmente o número de matrículas na pós-graduação stricto sensu, de modo a atingir a titulação anual de 60.000 mestres e 25.000 doutores.
Aumento no número de matrículas, qualidade do ensino superior, titulação dos docentes e aumento de mestres e doutores na população brasileira. As metas 12, 13 e 14 do Plano Nacional de Educação (PNE) apontam para a tarefa de expandir o acesso ao ensino superior pela população brasileira, para o aumento dos anos de estudos da população e para o estímulo à produção de conhecimento.
Ainda que sejam numéricas, as metas demandam uma reflexão acerca do modelo de ensino superior que se irá promover. As mudanças na dinâmica social, no mundo do trabalho e nos paradigmas de produção de conhecimento, entre outras trazidas pelo século XXI, impactam todos os níveis educacionais e as universidades não devem ficar alheias a isso.
“Há uma necessidade de mudança de paradigma na educação pois hoje temos novas perspectivas, por exemplo, no mundo do trabalho e na produção de conhecimento, que está menos hierarquizada”, explica a diretora da Associação Cidade Escola Aprendiz, Helena Singer. “A própria produção científica é diferente, ciência de ponta se faz de forma interdisciplinar e transversal. A educação integral responde a estas novas demandas.”
Diversas universidades, como a tradicional Harvard, vêm reformulando seus modelos para se adequar às demandas contemporâneas. No Brasil, o processo ainda é mais incipiente mas já ocorre. Interdisciplinariedade, autonomia do estudante, trabalho em grupo, desenvolvimento do pensamento crítico e flexibilidade curricular são elementos que aparecem quando se debate um novo modelo para o ensino superior.
As metas 12 e 13 do PNE também falam do papel das universidades na formação de professores da educação básica. Vamos falar sobre o tema na próxima reportagem da série Desvendando o PNE.
Uma das instituições que se propuseram a pensar em um novo modelo é a Universidade Federal do ABC (UFABC) que já nasceu em 2006 como um modelo diferente. “A proposta vem dos debates da reforma universitária. Estamos pensando uma universidade de ponta para o século XXI, oferecendo um currículo mais flexível e diversificado”, explica o pró-reitor de Graduação da UFABC, José Fernando Queiruga Rey.
Ao ingressarem na UFABC, todos os alunos passam por um ciclo básico – de ciência e tecnologia ou de ciências e humanidades– de três anos e de onde saem com um título de bacharel. Na sequência, podem optar por outros caminhos de especialização ainda na graduação.
“No primeiro ciclo, há uma forte formação conceitual e uma formação geral onde o estudante se apropria dos grandes problemas contemporâneos da humanidade”, relata Rey. A ideia de um engenheiro estudar problemas sociais ou de um filósofo debater modelos energéticos pode soar estranha ou, ao menos, pouco usual. No entanto, Rey aponta a importância da formação cidadã. “O profissional continua inserido em um contexto social, ele tem que saber dialogar com a sociedade, não adianta apenas ser um ótimo engenheiro.”
Quer saber mais sobre o tema? Leia o documento “Subsídios para a reforma da educação superior“, que embasou a proposta da UFABC
Para Helena Singer, a produção de conhecimento deve estar conectada à questões do país e do mundo. “As universidades não devem ser um laboratório fechado onde as pessoas vão se aprofundando em um conhecimento desconectado da realidade. O conhecimento deve dialogar com a sociedade e ser construído entre o pensamento acadêmico e o não científico.”
Em perspectiva complementar, o pesquisador do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Paulo Corbucci destaca a importância das pesquisas retornarem à sociedade. “A Universidade tem um papel fundamental na produção do conhecimento e é importante que ele possa ser transformado em bens e serviços a favor da população e que possa, por exemplo, subsidiar a solução dos problemas sociais, e não que seja uma produção de conhecimento que fica engavetada.”
Corbucci ressalta que as áreas de conhecimentos devem estar integradas para dar conta de responder às demandas da realidade e defende que as universidades trabalhem por temas ou problemas, ao invés de disciplinas. “O grande problema da formação de especialista é que ele perde a noção de conjunto. Nas universidades existe uma setorialização, uma área não conversa com a outra e se perde a integração” aponta o pesquisador. “Os problemas sociais são complexos, você nunca vai ter uma solução a partir de uma abordagem apenas.”
Para Helena Singer, o ensino superior tem que trabalhar na perspectiva de integração de conhecimentos. “A partir disso e de seus interesses, os estudantes podem ir trilhando seus caminhos que podem ser organizados em áreas temáticas ou projetos”, explica.
Além do ciclo básico que traz o forte componente da integração dos conhecimentos, a UFABC aposta na autonomia do estudante. Na instituição, apenas o primeiro quadrimestre tem a grade fixa e todo restante é construído pelo aluno. Os cursos são compostos, em média, de 40% de disciplinas obrigatórias; 40% de matérias que podem ser escolhidas entre um conjunto de opções determinado pela Universidade; e os restantes 20% podem ser preenchidos por disciplinas de qualquer área.
“Fazer escolhas é um exercício de responsabilidade”, explica o pró-reitor. “Se o estudante está no primeiro ano e quer se aventurar em uma matéria do último ano, ele pode. Mas será que ele dá conta? Ele vai construir sua trilha e é um exercício ao longo de todo o curso, e para isso, também temos programas de tutoria”, ressaltando a importância de agentes educativos no apoio e diálogo contínuos com o estudante.
Além da UFABC, outras instituições brasileiras também estão se propondo a oferecer um ensino superior baseado em outro modelo. Ao menos 16 universidades federais adotam o modelo do ciclo básico, com o bacharelado interdisciplinar. “A Universidade Federal do Sul da Bahia tem um projeto muito ousado, com criação de licenciaturas interdisciplinares”, aponta Rey.
Em Foz do Iguaçu (PR), uma iniciativa privada oferece uma proposta pedagógica diferente. Progressivamente, a Uniamérica vem abolindo as disciplinas e as aulas expositivas, dando espaço aos projetos que norteiam os estudos e aos debates. Segundo o diretor Ryon Braga, o modelo expositivo não é eficaz para a aprendizagem. “Ao tirar a divisão por disciplinas, orientamos todas as competências necessárias através de projetos semestrais temáticos. O aluno escolhe um problema real de sua comunidade ou região para trabalhar os temas daquele período”, explica, em entrevista ao Porvir.
“Algumas universidades já estão buscando fronteiras do conhecimento mais do que manter caixinhas separadas de cada saber e estão realizando pesquisas acadêmicas mais inovadoras. Isto deveria ser a tendência para o ensino superior”, conclui Helena Singer.