publicado dia 08/02/2018
Como incluir os alunos autistas na escola
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 08/02/2018
Reportagem: Ingrid Matuoka
“Nenhuma criança é igual à outra. Por que os autistas seriam?”, resume a professora Rossana Ramos, da Universidade de Pernambuco (UPE), sobre os desafios que ainda permeiam a educação inclusiva no Brasil e que, tantas vezes, se colocam como empecilhos para que alunos com autismo ingressem e permaneçam no sistema regular de ensino.
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Se a inclusão começa na matrícula, direito garantido por lei, esta não se encerra aí. A escola deve oferecer um ambiente onde os alunos autistas se sintam acolhidos, respeitados e recebam as mesmas oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento integral que os demais estudantes.
É somente a partir desta integração participativa que gestores, docentes e colegas podem então apoiar estas crianças e jovens em suas especificidades. “Temos que compreender esse sujeito como alguém único, com suas próprias iniciativas, observando com cuidado seu comportamento, além de valorizar quaisquer avanços, que possam nos parecer pequenos, mas na verdade são imensos”, diz Rossana, que é também autora do livro Inclusão na Prática: Estratégias Eficazes para a Educação Inclusiva.
A especialista exemplifica sua fala com um caso. Uma professora realizava um exercício no qual para cada número que enunciava, os alunos deveriam mostrar o valor correspondente com modelos feitos em madeira. Agitado com a tarefa por não conseguir montar as peças, um aluno autista achou uma solução à sua maneira: levantou-se da carteira e escreveu o número na lousa.
No Brasil, dois milhões de famílias convivem com o transtorno do espectro autista, uma síndrome comportamental causada por diferentes influências genéticas, neurológicas e ambientais, e que altera essencialmente as interações sociais e a forma de comunicar-se das crianças.
Ao receber alunos autistas, Joana Portolese, da ONG Autismo e Realidade, recomenda à escola, em primeiro lugar, uma conversa cuidadosa com os familiares, estabelecendo um canal de comunicação sempre aberto.
“A ideia é buscar entender o que a família já sabe que funciona com a criança, quais tipos de terapia e estímulos ela já está recebendo e tentar descobrir qual é o papel da escola no seu desenvolvimento”, diz Joana.
Como o espectro do transtorno autista é amplo e se manifesta de diferentes maneiras, para algumas crianças a dificuldade pode estar na fala, muito embora ela ouça e compreenda perfeitamente tudo o que é dito. Outros têm menos sensibilidade no tato e precisam destes estímulos sensoriais. Compreender o que os agrada e causa desconfortos é, portanto, essencial.
Outro passo indispensável é conversar com os professores, mantendo reuniões periódicas para discussões, relatos de experiências e leituras. Esclarecimentos sobre a condição também precisam ser disseminados entre o corpo docente e demais funcionários a fim de desconstruir falácias como aquela que diz que os alunos autistas são menos capazes. É importante reiterar como estes estudantes, na verdade, têm tempos e maneiras diferentes de estabelecer relações afetivas e de ensino-aprendizagem.
“Uma vez, um aluno autista foi o único da turma a relacionar corretamente todas as imagens de animais a seus nomes por escrito. E fez isso muito rapidamente. Só nesse dia descobrimos que ele sabia ler”, conta Rossana para ilustrar esse potencial e a necessidade de descobrir como trazê-lo à tona.
A psicopedagoga Ana Rita Bruni, que atua como assessora de inclusão, recomenda que no dia a dia os professores deem orientações minuciosas e de maneira pausada. “Isso garante que todas as crianças possam acompanhar as instruções”.
O termo autismo deriva do grego “autos”, que significa “voltar-se para si mesmo”. O psiquiatra austríaco Eugen Bleuler foi o primeiro a utilizá-lo, em 1911.
Joana Portolese também orienta que os professores deem uma noção concreta de quanto tempo há para realizar as atividades, por exemplo, dizendo “quando o ponteiro do relógio chegar aqui, o exercício termina”. Recorrer a imagens, símbolos e fotos é igualmente necessário, como explica Ana Rita. “Os professores podem deixar pistas visuais, elaborar uma rotina organizada por símbolos e desenhos, e oferecer, por exemplo, um mapa em papel que mostra como chegar à cantina”.
Para além destas dicas práticas, deve-se, sobretudo, estimular a autonomia das crianças e jovens autistas da escola.
“É importante que todas as crianças estejam aprendendo o mesmo conteúdo em sala de aula. Se o ritmo do aluno for mais rápido ou mais lento, pode-se fazer adaptações e personalizações, mas nunca tirar ou acrescentar novos conteúdos, fazendo diferenciações”, diz Joana.
Rossana também lembra que é comum e equivocado dizer que o aluno “não está acompanhando o conteúdo curricular”. “A matéria da aula não é mais importante do que o conhecimento da vida, e isso as crianças estão aprendendo o tempo todo no convívio social da escola”, diz Rossana.
Com os devidos cuidados, nada impede que as crianças autistas participem de todas as atividades desenvolvidas, inclusive, as que ocorrem fora da sala de aula.
“Algumas crianças têm audição mais sensível, então é preciso evitar nestes casos lugares ruidosos. Outros não são tão sensíveis ao toque e podem se machucar mais facilmente. Mas nada que profissionais atentos não possam dar conta”, explica Ana Rita Bruni.
A realização de atividades coletivas, como explica Rossana, é fundamental para trazer esses conhecimentos da vida. Ela relembra a história de um aluno autista que só se sentava ao lado das outras crianças no recreio quando o lanche era preparado coletivamente.
“Quando as crianças traziam os ingredientes e a professora preparava os lanches, todos dividiam a comida e este aluno se unia ao grupo e interagia”, diz Rossana.
Ela conta que esse momento foi muito importante também para que as demais crianças começassem a entendê-lo como igual e convidá-lo para outras brincadeiras, chamá-lo pelo nome e querê-lo por perto.
“A estratégia para inclusão é o coletivo, mostrar para todas as crianças que estar junto é algo bom, e dar oportunidades dos alunos conviverem entre si”, afirma Rossana.
“Trabalhar com autistas é um desafio, assim como trabalhar com qualquer criança, porque todas elas trazem repertórios diferentes e têm seus próprios momentos de aprendizagem. Não podemos limitar o que vamos oferecer às crianças achando que elas não vão entender. O que se deve fazer é tentar levá-las a esta compreensão de várias maneiras diferentes, até achar a melhor”, conclui a psicopedagoga Bruni.