publicado dia 22/06/2023

Como a EMEI Monteiro Lobato se mobilizou contra o racismo 

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Ao chegar na EMEI Monteiro Lobato, em São Paulo (SP), na segunda-feira 12/06, educadoras, famílias e crianças foram surpreendidas com frases racistas escritas em postes em frente à unidade, com referências ao trabalho pedagógico desenvolvido pela escola. 

A resposta foi à altura: a direção fez um boletim de ocorrência para reportar o crime e iniciar as investigações, comunicou a Secretaria Municipal de Educação e convocou uma manifestação, que aconteceu nesta quinta-feira (22/06).

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O ato teve início com a leitura do “Manifesto Antirracista EMEI Monteiro Lobato” por um pai de uma criança da escola, com o endosso e a presença de toda a comunidade escolar. 

EMEI Monteiro Lobato

Manifestação em apoio à EMEI Monteiro Lobato percorreu o território da escola.

Crédito: Ingrid Matuoka

Estavam no ato representantes de movimentos antirracistas, moradores do bairro, sindicatos, professores de escolas parceiras e do Ensino Superior, funcionários da UBS do bairro e apoiadores da unidade.

Prestaram solidariedade à escola também o deputado estadual Carlos Gianazzi e as vereadoras Luana Alves, Silvia Ferraro da Bancada Feminista e Elaine do Quilombo Periférico, do PSOL-SP, além do ex-secretário de Educação da cidade de São Paulo, Alexandre Schneider.

“Acreditamos e procuramos construir, cotidianamente, um espaço de formação coletiva que ecoa para além dos muros (físicos e simbólicos) da escola construindo pontes na comunidade escolar e no Território, possibilitando a construção de uma rede antirracista, que visa à superação do racismo no espaço escolar e para além dele, reeducando olhares e ouvidos para identificar e combater situações racistas.”, diz um trecho do documento da escola, que é referência por sua educação antirracista.

EMEI Monteiro Lobato

Criança pinta poste que continha frases racistas em frente à EMEI Monteiro Lobato, em São Paulo (SP).

Crédito: Ingrid Matuoka

Após a leitura do manifesto, as crianças empunharam pincéis e, em um ato simbólico, pintaram os postes que continham as frases racistas. Ao som da banda “Espetacular Charanga do França”, crianças e adultos percorreram a quadra da escola cantando, dançando e mostrando seus cartazes – uma resposta à violência que fez ecoar pelo bairro de Higienópolis a potência da resistência e do respeito aos direitos humanos.

“As crianças se indignaram com as frases nos postes e naquele dia, em roda de conversa, perguntaram para as professoras por que não gostam da nossa escola”, relata Claudia Rosa de Oliveira, vice-gestora da EMEI Monteiro Lobato, em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral.

“Com muito diálogo sobre tudo que aconteceu, as professoras construíram esses cartazes com elas para esse ato de hoje. Então elas estão muito engajadas com essa manifestação, em que estamos revelando nossa indignação e somando forças, porque a luta contra o racismo é de toda a sociedade”, afirma Claudia.

Para Iara Rosa dos Santos, que foi gestora da unidade e faz parte da Marcha das Mulheres Negras de São Paulo e da Associação Baobá de Canto Coral, é imprescindível que toda a comunidade defenda o currículo da escola e que as autoridades punam quem cometeu o crime.

“Uma pessoa não pode deliberadamente ter uma atitude de afronta à comunidade, às educadoras, famílias e crianças, e ficar impune. Com essa manifestação, queremos dizer que não é isso que queremos que as crianças dessa escola e as que passam por aqui vejam todos os dias e que somos todos contra a postura dessa pessoa racista”, diz Iara.

EMEI Monteiro Lobato

Iara Rosa dos Santos (direita) durante a manifestação que percorreu os arredores do Parque Buenos Aires, em Higienópolis, São Paulo (SP).

Crédito: Ingrid Matuoka

Moradoras do bairro e membros do coletivo Bairro com Vida também se uniram ao ato para apoiar a escola. “Eles estão vendo que a comunidade é parceira deles, não é apartada. Quem fez isso pode ser alguém do bairro, então é importante que a escola sinta o nosso apoio. Essa escola é um patrimônio para esse bairro e devemos a ela um respeito profundo”, declara Dulce Cristina Meira.

Elie Ghanem, professor na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e membro da coordenação do movimento Escolas2030, do qual a EMEI Monteiro Lobato faz parte, destaca que a manifestação, embora tenha acontecido somente no entorno da escola, é uma mensagem para todo o Brasil.

“Essa manifestação tem importância por seu caráter antirracista e que vai muito além do local circunscrito em que a escola está situada. É uma necessidade para todo o território nacional”, diz.

O histórico de ataques à EMEI Monteiro Lobato 

Conhecida por sua pedagogia da equidade, amplamente respaldada por documentos legais como a Lei 10.639/03, as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e o currículo antirracista do município de São Paulo (SP), esta não é a primeira vez que a escola sofre um ataque. 

Em 2018, uma professora foi acusada de promover “ideologia de gênero” por um pastor evangélico que postou um vídeo nas redes sociais de um menino da escola com as unhas pintadas. A postagem rendeu ameaças de morte à professora e a visita de policiais civis à escola.

EMEI Monteiro Lobato

Crianças retornam à EMEI Monteiro Lobato após o ato que percorreu o bairro.

Crédito: Ingrid Matuoka

“Os ataques à escola são uma constante”, observa Osvaldo Cesar, pai de uma criança da EMEI. Ele conta que são comuns, também, reclamações sobre o barulho e o uso da calçada pública nos momentos de entrada e saída das crianças, que supostamente atrapalham quem corre ao redor do Parque Buenos Aires, que divide a quadra com a escola. 

“São crianças de 4 a 6 anos, eles fazem barulho, mas isso termina às 18h. Então eu acho que o que incomoda é o teor das canções, das danças, por serem de cultura afro e indígenas. Maquiam falando que é barulho, mas sabemos que é racismo e disputa pelo território”, aponta Osvaldo.

EMEI Monteiro Lobato

“Maquiam falando que é barulho, mas sabemos que é racismo e disputa pelo território”, diz Osvaldo Cesar.

Crédito: Helena Singer

Ele também critica a postura da Prefeitura diante do ocorrido. “Fizeram a denúncia e disseram que não tinha prova que era contra a escola, mas foi aqui na frente e citando a educação. Ontem pintaram todos os postes e questionaram por que a escola queria manter o ato se já estava tudo limpo. Tem sempre uma questão de querer camuflar as ameaças, de descredibilizar. Mas a comunidade está aqui para dizer que isso não pode acontecer e que não vamos nos calar”, pontua Osvaldo.

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