publicado dia 13/05/2025
Como criar um Plano Nacional de Educação (PNE) antirracista?
Reportagem: Ingrid Matuoka | Edição: Tory Helena
publicado dia 13/05/2025
Reportagem: Ingrid Matuoka | Edição: Tory Helena
🗒 Resumo: Publicação “Direito à Educação da População Negra e o Novo Plano Nacional de Educação (2024-2034): Propostas para Intervenção” propõe emendas ao novo Plano Nacional de Educação (PNE) para criar estratégias de combate ao racismo ao longo da Educação Básica. Em entrevista, Adriana Moreira (Instituto Peregum) destaca a mobilização para garantir o direito à Educação da população negra no Brasil.
De acordo com o Censo Escolar 2024, 46% dos estudantes brasileiros da Educação Básica são negros, enquanto 33,7% são brancos. Apesar disso, o Plano Nacional de Educação (PNE) em vigência traz poucas metas e estratégias que endereçam diretamente a condição da população negra no sistema educacional.
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Corrigir esta falta de direcionamento adequado para quem a política educacional se destina e garantir direitos é objetivo da publicação “Direito à Educação da População Negra e o Novo Plano Nacional de Educação (2024-2034): Propostas para Intervenção”.
A construção do documento foi coordenado pelo Instituto Peregum em parceria com a Uneafro Brasil. Outras organizações participaram dos processos de debates e elaboração das propostas de emendas ao texto legal, como o Movimento Negro Unificado, Instituto da Mulher Negra Geledés, Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), entre outras representações e lideranças negras e antirracistas que atuam no campo do direito à Educação.
Em conjunto, os especialistas analisaram o Projeto de Lei nº 2614/2024, que vai instituir o novo PNE, e fizeram propostas de emendas ao texto legal para fortalecer mecanismos que garantam o acesso, permanência e aprendizagem com qualidade de estudantes negros(as) na Educação Básica.
“Nosso caderno propõe o exercício de leitura do texto legal a partir das variáveis da existência humana plural no Brasil, para que as estratégias estejam sempre acompanhadas de raça, sexo e território”, explica Adriana Moreira, Coordenadora Geral do Programa Malala Peregum de Educação do Instituto de Referência Negra Peregum, em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral. Confira os principais trechos a seguir:
Adriana Moreira: Em 2023, realizamos um grande seminário sobre os desafios para as relações étnico-raciais no novo PNE. Também lançamos um livro que faz um apanhado geral sobre a condição da juventude negra no sistema educacional brasileiro e evidencia sua condição de ser impedida de realizar uma trajetória escolar linear.
Acesse a publicação “Direito à Educação da População Negra e o Novo Plano Nacional de Educação (2024-2034): Propostas para Intervenção”, que traz contribuições para as áreas de alfabetização e letramento; Educação Infantil; abandono e evasão escolar; Educação de Jovens e Adultos; Sistema Nacional de Educação, financiamento, monitoramento e avaliação; Educação escolar quilombola; Educação especial na perspectiva inclusiva; formação inicial e continuada e clima e antirracismo na Educação Básica.
Participamos das Conferências municipais e estaduais de Educação, e na etapa nacional levamos uma comitiva de jovens em defesa da equidade racial no PNE. Eles fizeram atividades para sensibilizar o público sobre quem é o público atendido pela Educação Básica brasileira: parte significativa desse público são meninos e meninas negras que têm dificuldade de permanência na escola.
Em agosto de 2024, um mês após a apresentação ao Congresso Nacional do Projeto de Lei nº 2614/2024, do novo PNE, convidamos organizações que combatem a violência e o racismo na Educação, e que militam no campo dos direitos humanos, para montar grupos de trabalho.
Ao todo, foram dez grupos responsáveis por articular a condição da população negra a diferentes campos da Educação: alfabetização e letramento; Educação Infantil; abandono e evasão escolar; Educação de Jovens e Adultos; Sistema Nacional de Educação, financiamento, monitoramento e avaliação; Educação escolar quilombola; Educação especial na perspectiva inclusiva; formação inicial e continuada e clima e antirracismo na Educação Básica.
Cada grupo fez a leitura do texto legal do novo PNE e elaborou propostas de emendas para garantir o direito à Educação da população negra no Brasil, calibrando o texto para ter um endereçamento mais objetivo ao público de destino da Educação brasileira.
Adriana: A primeira vez na história do Brasil que a população negra é reconhecida como principal público da política educacional é em 2003, com o advento da Lei 10.639, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Ela reconhece que o ensino da história e cultura africana e afrobrasileira nas escolas traz um ganho para o conjunto da sociedade, porque todos os saberes produzidos na humanidade precisam ser de conhecimento público. Pessoas brancas, indígenas e negras se beneficiam quando acessam esse conhecimento.
“É possível criar mecanismos dentro dos objetivos e estratégias para garantir que essas crianças negras tenham condições de permanecer na escola”, diz Adriana Moreira.
É preciso fazer o mesmo em relação ao PNE. A política educacional precisa compreender quem são seus estudantes e qual é a trajetória deles. Por exemplo, entre os meninos negros há uma prevalência de evasão principalmente a partir dos 7° anos, e a trajetória das meninas costuma ser marcada por abandono sobretudo na transição para o Ensino Médio.
Com isso, é possível criar mecanismos dentro dos objetivos e estratégias para garantir que essas crianças negras tenham condições de permanecer na escola.
Nosso caderno propõe o exercício de leitura do texto legal a partir das variáveis da existência humana plural no Brasil, para que as estratégias estejam sempre acompanhadas de raça, sexo e território.
Outro ponto que defendemos diz respeito ao financiamento. Em 2020 conquistamos o dispositivo do VAAR [Valor Aluno Ano Resultado], uma complementação do Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação] para as redes que realizam políticas de redução das desigualdades sociais e educacionais.
O Fundeb é um Fundo importante, mas o recurso é insuficiente para a dívida histórica que o sistema de Educação tem com a redução das desigualdades na Educação. Por isso, propomos que 3% do PIB financie a redução de desigualdades sociais e raciais na Educação.
Adriana: Ao ampliar os direitos democráticos de acesso e permanência na escola, beneficiamos toda a sociedade, não apenas a população negra, porque teremos mais direitos para todos.
“Estamos falando de cidadãos que vão ter um compromisso ético com a democracia”, afirma Adriana.
E se o Brasil tem interesse em se reposicionar no mundo e enfrentar o desafio histórico do racismo e da falta de garantia de direitos, a Educação precisa estar na ordem do dia. Quais vão ser os recursos destinados para o sistema educacional, as lógicas e interesses que vão pautar a Educação?
Também estamos falando de qual futuro vamos construir, porque os meninos e meninas que têm o direito hoje de ter seu desenvolvimento cognitivo realizado na máxima potencialidade, no futuro eles vão contribuir com sua máxima expressão para o desenvolvimento do país. Para além do desenvolvimento, estamos falando de cidadãos que vão ter um compromisso ético com a democracia.