publicado dia 05/09/2023
As infâncias e a Educação Integral são tema de debate de Seminário na UFBA
Reportagem: Tory Helena
publicado dia 05/09/2023
Reportagem: Tory Helena
📄Resumo: Entre os debates do segundo dia do II Seminário Nacional de Educação Integral, aconteceu a mesa “Infâncias e Educação Integral: o direito à Educação na Educação Infantil e no Ensino Fundamental”, que discutiu concepção de infância, alfabetização e o território.
Nesta terça-feira (05/09), o II Seminário Nacional de Educação Integral, realizado na Universidade Federal da Bahia (UFBA), em Salvador (BA), discutiu a Educação Infantil e o Ensino Fundamental.
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Levindo Diniz, professor na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), relatou uma conversa que teve com Elisa, 6, estudante do 1° ano do Ensino Fundamental, sobre como é sua escola atual e como era na Educação Infantil.
“Lá na UMEI [Unidade Municipal de Educação Infantil] era bom demais, eu era da sala do elefante, eu era da sala da Márcia, minha professora. Eu fico com saudade dela quando estou aqui no Ulysses. A gente era pequena, ficava lá brincando de joguinho, ela contava história e fazia bingo […] Quando a gente sobe lá para cima, para tomar café, tem um pátio e um brinquedo. Tem escorregador, uma casinha e, quando a gente desce, cai na areia. […] Lá na UMEI era grandão, tinha até árvore. Os professores são muito legais, tem a sala da girafa, do golfinho, do jacaré”. Levindo pergunta, então, qual é a sala atual de Elisa. “É a Escola Municipal Ulysses Guimarães, sala 2”, responde Elisa.
Este pequeno diálogo ilustra, por um lado, a potência e o encantamento que a Educação Infantil pode trazer e, por outro, o rompimento que o Ensino Fundamental traz e que afasta muitas crianças do prazer em aprender, conviver e estar na escola.
Para discutir as questões em torno dessa problemática e suas possíveis saídas, aconteceu a mesa “Infâncias e Educação Integral: o direito à Educação na Educação Infantil e no Ensino Fundamental”.
Assista ao debate na íntegra:
Na Educação Infantil, o cuidar e o educar são indissociáveis. “E é preciso também um cuidado com as pessoas que cuidam das crianças”, destacou Maria Carmem Barbosa, professora titular aposentada na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pós-doutora pela Universidade de VIC Espanha.
A especialista, que também participa do Movimento Interfóruns de Educação Infantil (MIEIB), afirmou que o tempo ampliado na escola não deve se restringir ao espaço escolar e deve garantir tempo de qualidade com a família. “Já chegamos a ter crianças por 12 horas na Educação Infantil e isso preocupa”.
O papel desta etapa é ensinar a conviver, a ocupar a cidade, a ser e estar no mundo e a constituir-se com os outros de modo próprio, o que “escapa à tentativa de previsão ou determinação prévia que aqueles que pensam que educar é instruir”, disse.
“Na Educação Infantil estamos ajudando as pessoas a compreenderem e se relacionarem com o mundo. É garantir experiências que integrem todas as dimensões dos saberes e dos não-saberes”, acrescentou Maria Carmem.
Já no Ensino Fundamental, o desafio é não provocar uma ruptura em relação à Educação Infantil e promover uma formação humana integral. “Que o professor possa fazer um trabalho que convide outros professores para ajudar as crianças a compreenderem o mundo em que vivem de forma interdisciplinar. Nosso mundo é muito complexo para aprender de forma fragmentada e deixar que a gente aprenda sozinho”, reforçou.
O que é a alfabetização na Educação Infantil
A alfabetização, nas sociedades ocidentais, ocupa um lugar central. Para as famílias, é motivo de entusiasmo e sinal de que “vai tudo bem” com as crianças. Para as políticas, uma forma de avaliar a qualidade das escolas.
“Querem que a criança aprenda o quanto antes, o mais rápido, e de uma forma determinada que a sociedade legitima. Há uma cobrança de que se não fizer cópia, repetir, não está alfabetizando. Isso vem do Legislativo, Executivo, das famílias e da sociedade como um todo”, explicou Mônica Corrêa, professora na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Ao tomar esse rumo, contudo, ocorre uma separação entre as práticas sociais de leitura e escrita e o domínio da estrutura da linguagem, o que inviabiliza a formação integral do sujeito.
Em 2019, tal concepção foi reforçada. O governo Bolsonaro instituiu uma nova política de alfabetização no Brasil, que privilegiava o método fônico e distribuiu livros didáticos para as instituições de Educação Infantil.
“A alfabetização tem que acontecer na perspectiva de direito. É para participar do mundo e se constituir enquanto sujeito de direitos. É trazer as práticas sociais que estão no mundo adulto e dialogam com as culturas da infância, com brincadeira e interações como eixos dessas práticas”, elucidou Mônica.
Para tanto, dependem de bons livros de literatura e informativos, equipamentos adequados, espaços internos e externos, biblioteca, adequação ao contexto local, autonomia docente e formação de professoras coerente com esses princípios.
Contudo, os desafios se impõem. “A formação inicial e continuada de professoras é inadequada e insuficiente. Há escassez de conhecimentos sobre temáticas relacionadas à Educação Infantil, desconhecimento em relação à literatura infantil, identidade da etapa construída a partir do Ensino Fundamental e profissionais trabalhando sob condições precárias”, disse a educadora.
As infâncias e as cidades
Além de filhos(as), irmãos(ãs) e estudantes, as crianças também são atores sociais. “Elas têm o que dizer sobre o mundo. A criança é um sujeito participante e construtor da sociedade. Por isso ela precisa ser compreendida por todos os adultos que governam o seu mundo”, afirmou Levindo Carvalho, da UFMG.
Tal direito é previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), “mas um dos menos assegurados”. Iniciativas como o Plano Diretor do Brincar na Cidade, Plano Municipal da Primeira Infância e de Governança Multinível, cita o educador, são experiências interessantes.
Essa participação é fundamental para repensar a relação entre as cidades e as crianças, para que haja mobilidade, segurança, acesso e circulação das crianças na cidade e produção de equipamentos e espaços públicos para crianças.
Com isso, seria possível vencer o confinamento das crianças em suas casas e escolas. “Há uma visão de que as cidades são inadequadas para as crianças”, observou Levindo.