publicado dia 21/05/2020
Alterações no Saeb impactam a maneira de ensinar e de aprender; entenda
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 21/05/2020
Reportagem: Ingrid Matuoka
No início de maio, o Ministério da Educação (MEC) publicou a portaria nº. 458, que promove, dentre outras alterações, mudanças no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). A partir de agora, a prova será aplicada anualmente, da Educação Infantil ao Ensino Médio. A portaria ainda prevê a utilização da avaliação como acesso ao Ensino Superior, a exemplo do que ocorre com o Enem.
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Para Chico Soares, ex-presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão responsável por realizar o Saeb, a portaria tem fragilidades. Ela não estipula, por exemplo, que haja participação de ao menos 80% dos estudantes no momento da avaliação, como outros instrumentos o fazem, e não inclui entre as dimensões de qualidade da educação a infraestrutura das escolas, a existência de recursos pedagógicos e o dimensionamento do corpo docente.
Como funcionava o Saeb. Antes das alterações, a avaliação era aplicada a cada dois anos para estudantes do 5º e 9º anos do Ensino Fundamental e do 3º ano do Ensino Médio, tanto em escolas públicas quanto privadas. Os resultados eram cruzados com dados de repetência e abandono para se chegar ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
“Assim, fica aberta a possibilidade de seleção dos estudantes que farão o teste e admite que sejam comparados resultados de estudantes que estão em escolas muito diferentes. São questões que imaginávamos já ter superado”, afirma.
Tereza Perez, diretora da Comunidade Educativa CEDAC, aponta que o Brasil já possui avaliações suficientes, cujos resultados há anos sustentam diagnósticos similares de desigualdade entre as regiões brasileiras, e por critérios de raça, gênero e renda, bem como dados sobre alfabetização, evasão e distorção idade-série.
“A avaliação externa é um recurso poderoso para definir as políticas de garantia de condições de ensino e aprendizagem, ainda que estejam longe de avaliar a qualidade da educação. Mas já há dez anos de avaliações, e nesse tempo poucas ações foram feitas a partir desses resultados”, diz.
Outro ponto de preocupação diz respeito a aplicar o Saeb também para a Educação Infantil. Para Tereza, não se deve aferir resultados de aprendizagem nessa etapa da educação, mas as condições e práticas oferecidas para o desenvolvimento das crianças.
“Sobretudo na Educação Infantil, o que impacta a aprendizagem são as condições geradas. Então é necessário avaliar se o espaço foi preparado adequadamente, se há uma boa relação com as famílias, se estão sendo proporcionadas brincadeiras, interações e práticas culturais, se escutam as crianças e privilegiam o desenvolvimento integral”, explica a especialista.
A portaria publicada pelo MEC também prevê a possibilidade de usar as notas anuais do Saeb para acesso ao Ensino Superior. Por um lado, isso pode ser interessante porque os estudantes terão a oportunidade de serem avaliados mais de uma vez e em diferentes etapas do Ensino Médio. Mas há riscos.
“A maioria das escolas vai se limitar a ensinar para os alunos o que vai cair nessa prova”, afirma Chico Soares
“Essa medida acabaria com a reforma do Ensino Médio. Apesar de todos os problemas que ela tem, e eu vejo muitos, a reforma traz a ideia da flexibilidade, de que nem todo mundo precisa aprender as mesmas coisas. E ao criar esse exame nacional já no 1º ano, a maioria das escolas vai se limitar a ensinar para os alunos o que vai cair nessa prova”, aponta Chico Soares.
Tereza Perez concorda: “Ensino Médio é um momento de descoberta do mundo, em que a escola pode aproveitar a riqueza de debates, abordar questões sociais, da arte, da filosofia e dos jogos, e não de fazer um estreitamento dos conteúdos”.
A portaria também afirma que um dos objetivos do novo Saeb é “aferir o domínio das competências e das habilidades esperadas ao longo da educação básica, de acordo com a Base Nacional Comum Curricular – BNCC”, documento que reafirma em seu texto introdutório a Educação Integral como proposta formativa das escolas e redes brasileiras. Mas os especialistas ouvidos pela reportagem acreditam que hajaum descompasso.
“Quando a portaria diz que o Saeb deve avaliar essas dimensões, então tem que mudar muita coisa”, analisa Chico Soares, explicando que testes de múltipla escolha não têm a capacidade de aferir essas habilidades e competências, porque só são capazes de avaliar processos cognitivos muito basilares.
“Reduzimos a avaliação a testes medíocres. E tem muita gente ganhando dinheiro com isso, porque testes de múltipla escolha são mais fácil de fazer e vender de maneira massificada”, acrescenta.
“Esses dados precisam estar inseridos em uma territorialidade. Não sou eu, sozinha, com as minhas aprendizagens. Sou eu dentro de um contexto”, lembra Tereza Perez
Assim, as avaliações externas precisam ir além, inclusive porque influenciam a maneira e os conteúdos que o professor escolhe abordar. Elas devem ser um processo contínuo de reflexão e tomada de consciência sobre o processo de aprendizagem próprio e coletivo — mais uma oportunidade de aprendizagem para os estudantes.
“Esses dados precisam estar inseridos em uma territorialidade. Não sou eu, sozinha, com as minhas aprendizagens. Sou eu dentro de um contexto, em um processo que me permite identificar o percurso da minha aprendizagem, ponderar, planejar e redefinir caminhos. Nesse sentido, a publicação Avaliação na Educação Integral [pesquisa produzida pelo Centro de Referências, MOVE Social e Itaú Social] dá pistas de como avaliar o uso de múltiplas linguagens, de estudo e resolução de problemas, engajamento com a aprendizagem (autoavaliação), a colaboração, a comunicação. É uma avaliação que entra pelo canal das competências da BNCC, e não pelas habilidades, como a maioria.”, conclui Tereza Perez.