publicado dia 12/03/2025
5 informações que você precisa saber sobre escolas cívico-militares
Reportagem: Da Redação
publicado dia 12/03/2025
Reportagem: Da Redação
🗒 Resumo: O que propõem as escolas cívico-militares? E o que diz a legislação brasileira e um relatório com denúncias contra esse modelo de escolas? Confira estas e outras informações essenciais sobre o tema.
Em 2023, foi extinto o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM), instituído pelo governo Bolsonaro. Contudo, Estados e municípios seguem criando programas próprios.
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Para entender o que é a escola militarizada, o que revela a experiência brasileira com o modelo e seus impactos para o direito à Educação, confira cinco pontos centrais sobre o tema:
Denominam-se escolas militarizadas aquelas que inicialmente eram geridas pela Secretaria de Educação e, posteriormente, passaram para a gestão da Polícia Militar, tornando-se cívico-militares. Nestas escolas, policiais militares e civis partilham a administração.
Cada programa organiza o funcionamento de formas diferentes. No extinto Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares (PECIM), proposto pelo governo Bolsonaro, escolas públicas dos Anos Finais do Ensino Fundamental e do Médio passavam a ter a gestão dividida entre civis e militares da reserva, policiais militares ou bombeiros. No modelo, os militares ficavam responsáveis pela administração das instituições, com foco no comportamento dos estudantes.
Apesar da gestão pedagógica seguir a cargo da escola e das secretarias de Educação, existiam regras específicas tipicamente militares – como especificação de cortes de cabelo e uniforme e uso obrigatório de boina pelos estudantes – nas orientações do programa.
No Programa Escola Cívico-Militar de São Paulo, os policiais serão responsáveis por promover a disciplina e atividades extracurriculares nas unidades. No Paraná, onde há 312 escolas militarizadas, policiais militares atuam nas escolas em funções administrativas e de supervisão disciplinar.
Em geral, os policiais contratados podem receber remuneração superior à dos professores usando recursos da Secretaria de Educação.
Em 2013, o Brasil contava com 39 escolas geridas por policiais militares. Dez anos depois, já eram mais de 816 escolas públicas militarizadas, um aumento de quase 21 vezes.
Durante o governo Bolsonaro, foi criado o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM), um de seus únicos e principais projetos para a Educação. Em 2023, o programa nacional foi revogado por meio do Decreto nº. 11.611/2023.
Apesar do fim do programa nacional, alguns Estados seguem implementando as escolas cívico-militares, como o Paraná. Em abril de 2024, a Advocacia-Geral da União (AGU) encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um parecer indicando que o modelo é inconstitucional.
No documento, o Advogado-Geral da União (AGU), Jorge Messias, lembra que a política nacional foi revogada a partir do entendimento de que havia incongruências com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e com o Plano Nacional de Educação (PNE).
Em audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF) realizada em outubro de 2024, Flávio José Roman, da AGU, retomou a manifestação do órgão pela inconstitucionalidade da norma e reforçou que “não há um terceiro modelo que combine elementos de gestão e pedagogia militar com currículo estabelecido pela LDB”.
Em maio de 2024, São Paulo aprovou a criação de um programa de escolas cívico-militares. Em março deste ano, a Defensoria Pública da União (DPU) afirmou ao Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7662 que o programa é inconstitucional porque “não encontra qualquer respaldo” na Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
“Além disso, a Constituição Federal é nítida quanto ao papel das polícias militares, voltadas que são ao policiamento ostensivo e à preservação da ordem pública, não havendo qualquer menção à gestão de escolas públicas da educação básica”, diz o documento.
O programa paulista afirma que serão priorizadas para implantação as unidades “situadas em regiões de maior incidência de criminalidade” e com índices de rendimento escolar inferiores à média estadual, atrelados a índices de vulnerabilidade social e fluxo escolar (aprovação, reprovação e abandono).
Na audiência pública do STF, Rodolfo de Carvalho Cabral, que é consultor jurídico do Ministério da Educação (MEC), argumentou que não há evidências de que estas escolas possam solucionar problemas relacionados ao contexto de vulnerabilidade em que elas se encontram.
“Princípios rígidos como disciplina e hierarquia, muitas vezes, não dialogam com a estrutura democrática e inclusiva que devem permear o ensino no Brasil”, disse Cabral.
Com ele concordou Gabriele Bezerra, do Núcleo Especializado da Infância e Juventude da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, ao afirmar que a indisciplina na escola é multifatorial “e precisa ser enfrentada com intervenções pedagógicas articuladas”.
Em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral, Salomão Ximenes, professor na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), também afirmou que “há a tendência dessas escolas de expulsar os estudantes com maiores dificuldades de aprendizagem. As pesquisas mostram que essas escolas rapidamente se transformam em escolas menos diversas, com perfil socioeconômico mais homogêneo, porque eles são expulsos, ainda que informalmente”.
A experiência dos últimos anos com as escolas cívico-militares trouxe uma série de denúncias de violações de direitos dentro e no entorno das unidades após a militarização.
Há casos de perseguição e agressão a estudantes e professores, abuso e assédio, racismo, LGBTQIAP+fobia, censura às temáticas de direitos humanos, entre outras.
As denúncias estão sintetizadas no “Relatório Paralelo sobre a situação de crescente militarização da Educação Básica, perseguição sistemática a educadores e educadoras e censura às temáticas de direitos humanos nas escolas do Brasil”, apresentado ao Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (CDESC) da Organização das Nações Unidas (ONU).
Também corre no Paraná uma denúncia de 2021 envolvendo o Colégio Cívico-Militar de Imbituva. Um dos militares teria retirado um aluno da sala de aula por ter escrito a frase “vida louca” na carteira e ameaçado o adolescente dizendo que “já tinha matado vários e que ele não iria fazer diferença”.
Depois disso, ainda segundo a denúncia, o policial deu um soco na cabeça do jovem. O diretor teria acobertado o caso. Segundo a Secretaria Estadual de Educação, ambos foram afastados.
Entre 2020 e 2024, foram registradas sete denúncias de abuso sexual em colégios cívico-militares do Paraná, além de vários relatos de violência, racismo e autoritarismo.
A Defensoria Pública da União (DPU) também cita ao STF o Manual dos Colégios Cívico-Militares do Paraná, que traz uma série de restrições a acessórios, vestimentas e cortes de cabelo.
“Como se pode observar, a implantação desse tipo de modelo de ensino tende a exigir considerável esforço de adaptação do corpo discente, o que não pode ser exigido de alunos e alunas do ensino público – orientado que é pela universalidade do acesso. São crianças e adolescentes que, em sua grande maioria, certamente não têm nenhuma pretensão de um dia acessar a carreira militar e devem ter respeitadas as suas escolhas – inclusive escolhas estéticas. Não é admissível um modelo de escola que não acolha a diversidade”, diz a DPU.
O jornal O Globo também reuniu uma série de relatos que mostram estudantes expulsos até por uso de piercing e revelam rotina tensa entre docentes e PMs. E o Brasil de Fato traz outros casos de ameaças por estudantes usarem cabelo colorido e meninos, cabelo comprido.
*Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil