publicado dia 13/08/2015

Mais tempo na escola: como, por que e para quê?

Reportagem:

Quando se fala em educação integral, o primeiro elemento que costuma vir à cabeça das pessoas é a ampliação da quantidade de horas que o estudante se dedica às atividades escolares. Embora a educação integral possa se dar em diferentes tempos, a ampliação da jornada vem sendo uma característica das principais políticas públicas indutoras voltadas para essa concepção de ensino, como o Mais Educação, do governo federal, e outros programas implementados por iniciativa dos estados e municípios.

Diversos estados brasileiros possuem seus programas de educação em tempo integral, com suas características específicas. Confira na seção Experiências Nacionais como funcionam alguns desses programas em São Paulo, Santa Catarina, Rio de Janeiro e Pernambuco, entre outros.

No Brasil, de acordo com levantamento feito pela assessoria de imprensa do Ministério da Educação (MEC), existem pelo menos 3,4 milhões de estudantes matriculados em escolas de tempo integral em todo o país. Desse total, 3,1 milhões estão no ensino fundamental e outros 303 mil no ensino médio, em um total de 61 mil escolas.

Para especialistas ouvidos pelo Centro de Referências em Educação Integral, o número de vagas ofertadas em escolas com jornada ampliada cresceu muito nos últimos anos e a tendência é que essa trajetória continue ascendente.

Portanto, nesse momento, se faz necessário discutir desafios e os caminhos desse modelo. Como deve se dar essa ampliação? Com quais objetivos pedagógicos? Como qualificar essas horas a mais? Essas são algumas das perguntas presentes no debate.

Para a assessora técnica de educação do Instituto C&A, Alais Ávila, o aumento do tempo em que os alunos ficam dentro da escola é uma pauta muito importante, e adotada em “todos os países que levam a educação a sério”.

Para Ávila, estender o tempo dos alunos dentro das escolas, no entanto, não melhora por si só a qualidade do ensino e não garante o desenvolvimento integral do estudante. Ela pontua outros grandes e urgentes desafios para qualificar a educação, como a melhoria dos espaços escolares. “O primeiro desafio está na estrutura que temos para ofertar essa educação – ainda há colégios espalhados pelo país que não atendem a padrões mínimos de qualidade”, afirma.

Outro elemento primordial são as condições de trabalho dos professores. Para ela, a categoria precisa ser valorizada e receber formação constante diante das mudanças e dos desafios que surgem com o aumento de jornada.

“Um desafio é a formação do docente e outro está na questão da carreira desse profissional. Não é questão de ele trabalhar mais para ganhar mais, é preciso investir na valorização desse profissional na perspectiva da educação integral”, afirmou.

Ela pontua ainda que também é necessário que as escolas que estejam aumentando o turno escolar busquem atender a todas as metas e diretrizes estabelecidas pelo Plano Nacional de Educação (PNE).

“Sou a favor da ampliação da jornada, mas desde que sejam atendidas todas as diretrizes previstas pelo PNE. Elas (as metas) foram pensadas pela sociedade, foram escritas por um conjunto de atores envolvidos nessa luta e isso tem que descer para os planos estaduais e municipais, que têm que contemplar essas previsões”, afirmou.

Currículo

Para a assessora do gabinete de Educação e responsável pelo Programa Escola de Tempo Integral do Estado de São Paulo, Valéria Souza, a ampliação do tempo de permanência na escola tem o potencial de qualificar a educação. Isso porque, tanto a escola como os docentes e os conteúdos abordados se aproximam mais da vida dos estudantes.

“A relação professor-aluno fica mais próxima, a extensão da jornada vem com espaços pedagógicos pensados no projeto de vida deles, então, não é uma escola chata. Quando o programa roda inteiro, a escola fica mais agradável. Eles veem no espaço uma possibilidade de vivenciar o projeto de vida.”, resume.

Essa qualificação, entretanto, não ocorre espontaneamente. A educação em tempo integral, pura e simplesmente, não garante uma melhor qualidade, pois pode significar somente a reprodução de um determinado modelo, uma vez que, nas horas a mais, a instituição pode “oferecer mais do mesmo”, completa Valéria.

Para a gestora, outro elemento importante é que o processo de implementação desses projetos devem necessariamente envolver os atores da escola, principalmente estudantes e professores, que devem definir, conjuntamente, o que será feito no contraturno. Nesse sentido, escutar o que os jovens têm a dizer é primordial. “Um ponto fundante é o protagonismo juvenil. Não adianta ampliar a jornada sem dar vez e voz a esses jovens”, afirmou.

 

Diversificação

Para Levindo Diniz, do Departamento de Ciências de Educação da Universidade Federal de São João Del Rei, em Minas Gerais, o aumento da jornada é importante porque permite que a escola invista em dimensões formativas que tradicionalmente não costuma apostar.

Para ele, vivemos um momento importante de aumento vertiginoso das experiências de ampliação do tempo, no Brasil, com diferentes modelos, arranjos e concepções. O docente defende que nesse momento é possível fortalecer concepções “de ampliação de jornada que estejam na perspectiva da educação integral”.

Levindo alerta, no entanto, que as horas a mais têm que ser pensadas no sentido de diversificar o conteúdo que é ofertado pela escola. Para ele, em alguns casos, o que acontece é que a instituição fica mais tempo com o aluno, mas acaba reproduzindo o mesmo modelo de ensino nos dois períodos.

“Uma das tensões que estão colocadas na ampliação do tempo da escola é que existe uma tendência, a meu ver equivocada, de ampliar para reproduzir um turno no outro. Colocando de outra maneira, a escola oferecer mais do mesmo, mais do que ela já oferece. Nesse sentido, a ampliação do tempo também pode significar uma reprodução de um modelo escolar disciplinar, hierarquizado, muito vertical nas relações”, afirmou o docente.

Ele defende uma concepção diferente em que a ampliação da jornada seja vista como uma possibilidade de repensar o rigor da organização do tempo na escola. Dessa forma, esse período a mais pode ser utilizado para garantir uma maior sociabilidade entre os alunos e contribuir para uma mudança da relação do professor com seus estudantes.

“Ampliar o tempo pode significar ter tempos mais alargados para a relação, mais tempo de interação espontânea, de sociabilidade entre as crianças e os jovens, mais tempo para brincar, mais tempo em que o adulto é mais mediador e menos um professor autoritário. Você tem uma possibilidade de construir novos arranjos de tempo, novas formas de se pensar a relação com o conhecimento e o encontro entre os sujeitos que estão na escola. Ampliar o tempo pode estar ligado a um novo paradigma que rompe com algumas escolhas que tradicionalmente excluem e invisibilizam o sujeito criança e jovem e dão centralidade para o conteúdo”, esclarece Levindo.

Além dos muros da escola

Para a Coordenadora Geral de Articulação Intersetorial de Condicionalidades do Bolsa Família, do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), Juliana Macedo, a ampliação da jornada, dentro de uma concepção de educação integral, é chave para poder qualificar a educação no país.

Ela destaca que, na última década, o país pode avançar na correção de uma de suas dívidas históricas – a universalização da educação – em parte devido à política intersetorial entre o MDS e o MEC. Juliana esclarece que o Bolsa-Família está pensado “para além da transferência de renda, mas como indutor de uma política estruturante de desenvolvimento social”. Em outras palavras, trata-se não apenas de garantir aumento de renda, mas ampliação de direitos sociais, entre os quais a educação possui um papel chave.

Embora a universalização da educação ainda seja um dos grandes desafios do Brasil, os avanços obtidos nos últimos anos – expõe Juliana – dão espaço para que se possa começar a olhar para as escolas. “Nos primeiros 10 anos do Bolsa Família, tivemos que consolidar a entrada da criança na escola, algo básico, sem que deixasse de frequentá-la ou sofrer pela sua raça ou condição socioeconômica. Com isso, pudemos dar um salto e ver qual é a escola que estão frequentando”.

A seu ver, “a política de educação integral introduzida pelo MEC, o Mais Educação, traz essa questão da qualidade e uma discussão avançada que faz com que consideremos métodos, dentre os quais está o tempo na escola. E não o tempo por si só. São 7 horas de qualificação da educação, que diz da revisão do que é administrado, ofertado pela escola.”, defende.

Na sua visão, quando se pensa em educação integral, é necessário olhar para o contexto social e não só para o ambiente escolar. Dessa forma, a ampliação da jornada também tem reflexos importantes para além dos muros da escola porque ela atende a uma demanda externa da sociedade.

Brasil Carinhoso

Escola Municipal Liceu Ribamarense, no Maranhão: cerca de 80% dos alunos são beneficiários do Bolsa Família / Crédito: Ubirajara Machado (MDS)

“A mulher já saiu para o trabalho há umas décadas no Brasil, e aí temos essa lacuna do ponto de vista do espaço educacional e também do tempo que se dedica a esse processo, se comparado a outros países. O tempo só, não forma, e da forma como está, é insuficiente. É preciso pensar na flexibilização da relação com as famílias e com o conhecimento. Como é que se aumenta esse tempo, pensando no conhecimento, na mediação conjunta com a compreensão da criança? Essa discussão tem que ser universal”, afirmou.

Por Ana Luiza Basílio e Caio Zinet

10 materiais que auxiliam no processo de implementação da educação integral

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