publicado dia 15/04/2015
Como nasce uma escola: a gestão democrática como condição para a educação integral
Reportagem: Ana Luiza Basílio
publicado dia 15/04/2015
Reportagem: Ana Luiza Basílio
Na terceira reportagem da série Como nasce uma escola?, o Instituto Casa Viva Educação e Cultura, de Belo Horizonte, conta ao Centro de Referências em Educação Integral como vem se constituindo a experiência de efetivar a gestão democrática dentro da instituição.
Prestes a completar dois meses de existência no mês de abril, a escola já começou a por em prática um modelo de gestão que parte do entendimento de que a organização escolar deve ser menos verticalizada. Christian Bravo, associado e também professor de Filosofia e Sociologia, observa que geralmente as escolas têm um corpo pedagógico separado do administrativo e este, por sua vez, acaba centralizando as demandas, colocando-se no topo de uma pirâmide hierárquica. “A nossa ideia é justamente fazer com que isso aconteça de maneira horizontal e estabelecer relações iguais entre os pares, sem princípios de poder em que um manda e outro obedece”, explica.
Em seu entendimento, a gestão democrática precede a educação democrática. “Não adianta propor isso no cotidiano se a administração não estiver aberta ao diálogo”, reforça. Para propiciar a construção de outras relações, a instituição não segue um organograma clássico de equipe e não conta com os cargos de administradores e diretor pedagógico.
A ideia é que essas funções sejam exercidas coletivamente, ao invés de designadas a apenas um profissional. A instituição adotou a nomenclatura Mais 1 para denominar esse lugar que pode ser ocupado por qualquer profissional associado à escola. “Tradicionalmente, a direção escolar não vivencia a sala de aula, o que acaba por criar um distanciamento com os alunos”, coloca Bravo para explicar a lógica seguida. “O que muda é que, quando não estou em sala de aula, como professor, posso ocupar o lugar do mais 1 e apoiar a mediação com os estudantes com muito mais propriedade, já que os acompanho no cotidiano”, reforça.
Em sua opinião, para além de apoiar o percurso de aprendizagem, essa estrutura favorece a criação de uma relação afetiva entre professores e estudantes. “Faz parte de nossas conduta desconstruir aquela ideia da diretoria como lugar do castigo. Zelamos, sobretudo, por relações mais humanas, democráticas”, atesta.
A estrutura também gera um aprendizado para a equipe que, diariamente, é convidada a sair do seu lugar de conforto. “Geralmente, nós professores nos sentimos seguros em sala de aula, frente ao conhecimento que temos.” Esse deslocamento, como avalia, é importante para desafiar os professores e também fortalecê-los, já que com a amplitude de funções, acabam por se tornar gestores educacionais do espaço. “Somos aproximados de todos os assuntos da instituição. Há essa percepção do coletivo, justamente por não existir uma instância superior para definir as diretrizes ou os cuidados necessários com a escola”, declara.
Outro desafio vem com as mediações de conflitos, bastante presentes na rotina da escola, por um ponto essencial. “A forma de triangular essas questões é bem diferente quando estamos diante de uma criança ou um adolescente”, coloca o educador. A estratégia para melhor conduzir esses casos é deixar que, preferencialmente, os professores dos ciclos correspondentes façam essas intervenções.
Para que a política escolar se dê aproximada de seus atores, o Instituto Casa Viva propõe espaços de debate frequentes. Uma ferramenta bastante utilizada são as assembleias, espaços criados para que as demandas sejam discutidas coletivamente. Elas podem ser sugeridas tanto pelos professores quanto pelos estudantes.
Christian conta como a equipe conduziu um desses momentos. “Estávamos tendo problemas de atrasos na volta do almoço dos alunos do Ensino Médio, que às terças e quintas ficam no período da tarde também. Pedimos uma assembleia, colocamos a eles o impacto que isso gerava na condução das demais atividades e deixamos que eles nos apresentassem possíveis soluções. Por fim, eles entenderam que seriam necessários mais 10 minutos no almoço, que poderiam ser compensados no horário da saída”, conta.
Para o educador, a experiência mostra que é latente que as escolas se abram para entender o outro e suas necessidades, criando relações em que todos se sintam contemplados.
Outra preocupação do desenho da gestão é garantir políticas transparentes e igualitárias aos profissionais, partindo de uma precondição de que a escola não é uma empresa e, portanto, não se faz necessário manter relações de empregador/empregado. Nos salários há uma preocupação de equiparação entre os professores associados [são oito] e os não associados, contratados pela instituição. Todos ganham o mesmo valor hora/aula. Esse é um dos componentes do plano de carreira que, segundo Christian, está em vias de ser inserido em ata e ser institucionalizado.
Por ser uma organização sem fins lucrativos, o instituto reverte os ganhos para sua própria manutenção o que, segundo a equipe, vem moldando a sua condição sustentável. Essa conta é mostrada nas prestações de contas periódicas publicizadas para a comunidade escolar, o que contribui para a manutenção das relações de confiança e revela a intenção da instituição.
Todo o arranjo escolar e seus percursos é entendido por Christian e pela equipe como parte de um aprendizado político. “Praticamos a nossa micro política diariamente. Instituir processos democráticos dentro de uma escola é diferente do que criar uma escola onde todos os processos são democráticos”, observa pontuando que essa condição promove desafios constantes.
A principal contribuição, a seu ver, é promover entre os envolvidos o senso de pertencimento. “Isso é muito palpável em nosso cotidiano, todos aqui se veem responsáveis pelo espaço e isso traz mudanças imediatas e positivas ao percurso”, reitera. “Os alunos e os demais envolvidos tem aprendido no corpo a corpo como é conviver com o outro, entender o outro, respeitar as suas necessidades. Trabalhamos pelo coletivo, logo, pela cidadania, pelo desenvolvimento integral“, conclui.
Confira outras reportagens da série Como nasce uma escola?
– Um relato do Instituto Casa Viva
– Rede curricular lida com conhecimentos de maneira orgânica