publicado dia 06/10/2015
Como cultivar uma comunidade escolar livre de bullying?
Reportagem: Ana Luiza Basílio
publicado dia 06/10/2015
Reportagem: Ana Luiza Basílio
Malcolm Lyon, aluno do 5º ano é especialmente alto e bem articulado para sua idade. Quando questionado sobre o que mais gosta em sua escola, Malcolm responde simplesmente: “Não tem bullying“. Isso pode ser surpreendente, dada a luta contra o bullying que as escolas enfrentam em todo o país. Em agosto, Malcolm começou seu 8º ano na Escola Comunitária Odyssey (Odyssey Community School), uma pequena escola privada em Asheville, cidade localizada no estado norte-americano de Carolina do Norte que atende estudantes do jardim da infância até o ensino médio. Lá, o tema bullying é abordado a partir de cinco fundamentos norteadores.
A comunidade que Malcolm está descrevendo não é um lugar sem conflito. Desacordos acontecem, sentimentos ainda são feridos, palavras ainda são poderosas e as crianças ainda estão aprendendo a lidar com o complexo mundo das amizades. Odissey não é um paraíso em que a natureza humana é deixada na porta. Conflitos são parte natural da nossa história humana e a resolução deles é uma habilidade que crianças e adultos precisam praticar.
No entanto, não é a mesma coisa do que bullying. Este é construído por conflitos não resolvidos e, portanto, repetidos. O comportamento do bullying é uma estratégia aprendida e repetida porque é eficaz em saciar necessidades insaciadas: poder, insegurança, atenção ou vingança. No caso do conflito, no entanto, a resolução real é alcançada sem criar uma cadeia de abusos que tanto desorienta os educadores.
Na quarta série, Malcolm tinha alguns conflitos com outro estudante – vamos chamá-lo “John”. Ele percebeu no que mais era intimidado por John: era menosprezado, alvo de brincadeiras e frequentemente interrompido durante a sala de aula. Para lidar com esse padrão, os professores deles promoveram uma conversa intencional. Ao descrever esse processo, Malcolm disse: “Nós apenas falamos, sem ser maus”.
A mãe de Malcolm, Emmy Bethel, refletiu: “Foi impressionante a compaixão dos professores e outros estudantes com esse garotinho que claramente tinha sido ensinado a ter aquele comportamento. Ao contrário de utilizar medidas punitivas, houve compaixão”. Nas palavras dela, Malcolm e seus colegas de sala trabalham com a habilidade de ver as necessidades de outra pessoa e falar claramente sobre elas.
Os professores da Escola Comunitária Odyssey foram treinados no Marshall Rosenberg’s Compassionate Communication, modelo de como construir relações interpessoais com base na empatia, reconhecendo e honrando outras necessidades básicas das pessoas. O objetivo da Odyssey é educar a comunidade para que todos, desde os pais, administradores, estudantes e professores utilizem as quatro etapas de Rosenberg para resolver conflitos – sempre que eles surgem:
1. Faça uma observação sem julgamento;
2. Identifique seus sentimentos;
3. Explique suas necessidades;
4. Afirme o seu pedido.
Os programas de prevenção de bullying frequentemente incluem vídeos constrangedores passados em sala de aula, cenários dramáticos risíveis e discussões forçadas propostas por professores despreparados e sem o apoio necessário. Os estudantes são duramente pressionados a não rir das tentativas administrativas da escola para verter luz a um dos desafios mais árduos. Esforços de cima para baixo para abordar um problema de base nunca parecem dar conta do trabalho.
As salas de aula da Odyssey se reúnem semanalmente para a resolução coletiva de problemas, além de conselhos que se centram mais na exploração do que na solução de experiências emocionais, a fim de melhorar a sensibilização e aceitação da vida emocional. Com o surgimentos dos conflitos, dia a dia, estudantes e professores podem requisitar mediações, criarem um tempo entre eles para a mediação, ou fazê-las durante a aula, quando isso é necessário – e isso é necessário.
Embora o modelo de Rosenberg possa parecer simples, pode ser também desafiador quando as emoções estão afloradas. O tipo de ambiente que pode tornar a discussão efetiva requer o cultivo de um tempo dedicado, elementos que os professores de escolas públicas não tem tempo para praticar. Pouco tempo para tratar de maneira efetiva as discussões sobre bullying – suas manifestações digitais, nuances de inocência ou culpa, ciclos de causa e efeito – pode ser terrível e aterrorizante, na melhor das circunstâncias.
Tal como acontece com qualquer habilidade, da escrita dissertativa à resolução de equações algébricas, os alunos precisam ser ensinados sobre a resolução de conflitos com suporte, vocabulário, prática orientada e um propósito real.
De acordo com Leah R. Kyaio, autor de The Top 5 Reasons Bullies Bully, o bullying acontece porque o sistema é modelado por adultos. Por mais bem intencionados que sejam, as ações de cima para baixo, feitas por gestores – ações essas que frequentemente fazem com que estudantes e os professores revirem os olhos – são uma forma de bullying. Ao invés de impor palestras durante a semana anti bullying (como se nós realmente fôssemos tratar essa epidemia em uma semana isoladamente), a comunicação e a alfabetização emocional deveriam ser pilares do currículo diário, de uma maneira prática.
Malcolm e John não são o que qualquer um chamaria de amigos. Se perguntado, Malcolm poderia dizer, honestamente, que ele nem gosta muito do garoto. Ele poderia dizer que o entendeu e que, contudo, está em paz com o que aconteceu entre eles. Tendo passado pela experiência do ano anterior, agora ele se sente mais confiante de abordar conflitos.
Conforme os estudantes amadurecem, os conflitos podem se tornar mais complicados e os estudantes se tornam mais conscientes de suas responsabilidades pessoais. Para atender a essa mudança progressiva e envolver os alunos mais velhos na criação de uma cultura de responsabilidade e cidadania, alunos e professores do ensino fundamental e médio da Odyssey fazem uso da Dominic Barter’s Restorative Justice Circles.
Dentro dos chamados Comitês de Equidade, estudantes trabalham juntos para defender os valores da comunidade escolar, praticam reparação quando os conflitos acontecem e utilizam os fundamentos da Comunicação Compassiva (Compassionate Communication) a cada encontro. Ao invés de simplesmente proferir um pedido de desculpas ou receber suspensão ou retenção , os Comitês agregam criatividade às suas soluções para reparar os danos, às vezes pedindo ao “autor” do bullying para cozinhar alimentos, fazer um filme, ou tomar medidas para reconstruir o relacionamento comprometido. Ao evitar medidas punitivas, nós empoderamos e capacitamos os estudantes a simpatizarem com sua própria experiência e com os outros e a criarem a cultura da comunidade que todos nós intuitivamente desejamos.
Conteúdo elaborado a partir de tradução do Edutopia