Por que integrar o brincar ao processo educativo das crianças?

Publicado dia 16/10/2015

“O máximo de maturidade que um homem pode atingir é quando ele tem a seriedade que têm as crianças quando brincam”, dizia o filósofo alemão Friedrich Nietzsche no século XIX. A máxima segue fundamental para a sociedade atual, já que o ato de brincar acaba influenciando o desenvolvimento da pessoa para o resto da vida.

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O Direito ao Brincar

O Direito ao Brincar aparece, hoje, em instrumentos legais nacionais e internacionais, como na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB), no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), assim como na Declaração Universal dos Direitos da Criança e na Convenção de Direitos da Criança da ONU.

Pular corda, brincar de esconde-esconde ou de casinha. O ato de brincar é a primeira atividade lúdica acessível ao ser humano e uma das primeiras possibilidades de conhecer o mundo ao seu redor. Ao nascer, o bebê já desenvolve alguns movimentos e interações, mas é com as brincadeiras que a criança abre seu olhar para o mundo.

Com uma gama de variedades, as brincadeiras podem desenvolver habilidades físicas, motoras ou cognitivas. Algumas delas trazem a imitação da vida em sociedade. Outras, ainda, promovem a construção e o exercício de valores tais como a responsabilidade, o companheirismo, as noções do compartilhamento e de negociação de regras do coletivo. “Dependendo da faixa etária, existem alguns tipos de brincadeira que vão possibilitando à criança descobrir o movimento e se descobrir emocionalmente, assim como no convívio”, aponta a gestora institucional da Aliança pela Infância, Giovana Barbosa.

De acordo com a coordenadora pedagógica da Rede Marista de Solidariedade, Aline Paes de Barros, a criança brinca em todos os momentos, ainda que os tempos e espaços não sejam completamente propícios para essa finalidade. “A criatividade, envolvimento e interações que a criança estabelece nesses momentos interferem diretamente no seu processo de desenvolvimento. Sendo assim, a brincadeira auxilia nas relações da criança com o meio em que vive, com outras crianças e adultos, favorece a criação de um repertório amplo de possibilidades, desafios e novidades”.

O tempo de brincar espontâneo

O tempo de brincar, no entanto, vem muitas vezes sendo preenchido por outras atividades. A cada dia que passa, os pais delegam mais obrigações aos filhos, impedindo-os de fazer aquilo que fazem de melhor. Isso porque a maioria dos adultos não acreditam que o ato de brincar também é uma forma de aprendizado. Nas escolas, onde as crianças passam até mais da metade do dia, raras são as vezes que as brincadeiras ocorrem sem a interferência de um adulto ou com um objetivo claro de aprendizado.

Cultura da infância

Conhecer a criança e a cultura da infância a partir do brincar. Esse é o principal objetivo do Território do Brincar, projeto coordenado pela educadora Renata Meirelles e pelo documentarista David Reeks. A partir de um trabalho de escuta dos repertórios de brincadeiras de crianças de diversas localidades brasileiras, a dupla promove o intercâmbio de saberes, registros e difusão da cultura infantil.

“Na maior parte das escolas, os recreios vêm sendo encurtados. Isso é um crime pra nós, já que o recreio é a hora que os estudantes têm pra conviver com as crianças de outras faixas etárias, de outras realidades, pois o brincar permite o acesso à diversidade, o que acaba sendo um meio maravilhoso de aprendizado”, aponta Giovana.

Para alguns movimentos ligados ao direito ao brincar, como a Aliança pela Infância e a Rede Marista de Solidariedade, a brincadeira deve partir da vontade da criança,  pois o aprendizado ocorre no decorrer da própria brincadeira, que deve ser valorizada pela ação em si e não apenas por uma finalidade específica.

“É impossível você pensar que o brincar não tem uma propriedade educacional. Ao brincar, você está aprendendo, se transformando, assimilando a cultura de onde está localizado. Ela tem que ter a possibilidade de brincar com as pedrinhas e achar que é um caminhãozinho. Essa exploração se dá quando você não tem um tempo determinando ou resultado esperado. Quando o objetivo é simplesmente a diversão”, aponta Giovana.

De acordo com Aline, o brincar é um direito da criança e, visto desta maneira, precisa ser garantido de maneira livre e espontânea, para que a própria criança exercite sua imaginação e criatividade. “A criança aprende enquanto brinca, pois coloca em funcionamento complexos exercícios cognitivos, envolve-se de corpo inteiro na ação e consequentemente, amplia seus conhecimentos”.

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Brincadeiras pelo Brasil

Nessa perspectiva, o Centro de Referências em Educação Integral reuniu algumas brincadeiras típicas de cidades brasileiras, respeitando as regionalidades de cada uma. Conhecer as modalidades é certamente uma forma divertida de ampliar o repertório cultural e as possibilidades de educadores e alunos brincarem, estimulando processos significativos de aprendizagem e de desenvolvimento.

Curupira e Tucuxi em Manaus

Em Manaus (AM), uma das brincadeiras mais tradicionais do território é a “Curupira”, que, além de promover diversão, traz também o folclore e lendas populares locais para o ambiente lúdico infantil.

Nesta brincadeira, é possível envolver até 15 crianças. Uma das crianças deve ficar de olhos vendados – ela será o curupira – enquanto uma outra a gira três vezes. Em seguida, a de olhos abertos pergunta  “o quê que tu perdeu?”, e a de olhos fechados pode responder o que quiser, como o relógio, a tia ou cachorro.  Todas as crianças em volta daquela que está de olhos vendados podem perguntar  o que ela perdeu. A última criança da roda muda a pergunta. Em vez de perguntar o que perdeu, indaga sobre o que o curupira quer comer. Ao tirar a venda e notar que a comida solicitada não existe, o curupira corre atrás das crianças. Aquela que for pega por ele será o novo curupira.

Já nos dias mais quentes, é a brincadeira na água que ganha espaço no tempo das crianças. Nomeada de Tucuxi (palavra que significa boto-cinza), a brincadeira acontece em uma piscina e as crianças são divididas em dois grupos, o dos botos e o dos pescadores.

Quem é boto tem que entrar na piscina, mergulhar e boiar. Já os pescadores devem ficar fora da água para tentar acertar os botos com flechas (macarrões de espuma). Aqueles que são flechadas morrem ou mudam de grupo.

Boca de Forno no Ceará

No Ceará, o direito ao brincar é o tema do Programa Cresce Brincando (CCB), que vem ampliando o acesso ao brincar, esporte e lazer. Tido como uma tecnologia social, O CCB tem como base diagnóstico realizado pelo Fundo das Nações Unidas pela Infância (Unicef) junto aos municípios do Ceará, que mostrava que essas cidades  possuíam um rico acervo cultural e histórico de brincadeiras, mas um número muito pequeno de profissionais e equipamentos para promover a prática do brincar, do lazer e do esporte.

Diálogo 

MESTRE – Boca de Forno.
CRIANÇAS – Forno!
MESTRE – Jacarandá.
CRIANÇAS – Já!
MESTRE – Quando eu mandar.
CRIANÇAS – Vou!
MESTRE – E se não for?
CRIANÇAS – Apanha!

O projeto atua há quase dez anos em diversos municípios do Ceará. Uma das brincadeiras originárias do estado é a Boca de Forno, que utiliza música e poesia. Primeiramente, o grupo escolhe um mestre para propor desafios à turma.

 

As ordens são de qualquer natureza, como coletar algum objeto ou dar uma volta pela rua. O último a conseguir cumprir a prova tem um castigo como sanção. O grupo decide, então, qual será a quantidade e a intensidade dos “bolos”, que pode ser de pai, mãe, filho ou anjo.

 Jogo da Onça no Rio Grande do Norte

Cerca de 300 brinquedos e brincadeiras dos mais de 60 municípios norte-rio-grandenses pode ser encontrado no Museu do Brinquedo Popular do Rio Grande do Norte. Coordenado pelo Núcleo de Estudos Culturais da Ludicidade Infantil (NECLI), o museu traz brinquedos que mostram toda a diversidade do local, como as gaitas de talo de mamoeiro, camas de quenga de coco, soldadinhos de castanho de caju, curral de ossos, miniaturas de utensílios, móveis de caixas de fósforo, arapuca, arco e flecha, barcos e jangadas, breque ou guidom, trem de lata de sardinha e jogos tais como carrapeta, pião, peteca, biloca e futebol de botão.

Conheça também a página no Facebook “Cultura potiguar – universo infantil – brinquedos e brincadeiras populares”.

Uma brincadeira conhecida no Rio Grande do Norte é Jogo da Onça. Um jogo de tabuleiro, cuja origem é provavelmente indígena. Não precisa existir exatamente um tabuleiro, pois os jogadores podem desenhá-lo em um chão de areia e no lugar das peças, as crianças podem utilizar pedras. Antigamente, as crianças utilizavam também as calçadas para esse tipo de brincar, riscando-as com carvão. A pedra maior representava a onça e as outras catorze peças eram os cachorros. O objetivo do jogo é capturar os cachorros do adversário.

Salada de Frutas e Andoleta Borboleta no Mato Grosso

A salada de frutas é originária de Cuiabá (MT). A brincadeira pede que os participantes sentem em círculo e que apenas um deles fique em pé, sem cadeira. Cada integrante deve receber o nome de uma fruta (pêra, maçã, banana, uva). A pessoa que estiver em pé deve dizer a fruta que foi comprar à feira. Se disser maçã, por exemplo, todas as crianças que receberam a palavra maçã levantam da cadeira.

A criança que está sem cadeira deve tentar sentar em uma das cadeiras desocupadas e as outras devem tentar sentar em outra. Não pode ser a mesma em que estava antes. Uma das crianças vai sobrar de pé e ela deve recomeçar a brincadeira.

Dica

Acesse outras brincadeiras regionais em guia produzido pela Revista Nova Escola.

Se, em vez de escolher uma fruta só, ela disser “salada de frutas”, todos os participantes devem ficar de pé. A criança do meio senta em uma das cadeiras e todas as outras tentam mudar de cadeira novamente. Quem ficar sem cadeira três vezes tem que pagar um mico escolhido pelos outros. Perde quem pagar mais micos, ganha quem pagar menos micos.

Outra sugestão do território é a Andoleta borboleta, uma brincadeira de palmas. A ideia é brincar em dupla ou grupo, sempre com um número par de participantes. Em roda, as crianças devem intercalar as mãos – a mão direita sobre a esquerda do colega ao lado.

Cada um bate na mão do outro, que “passa a palma” para o outro amigo, enquanto cantam uma canção (cada palavra vale uma palma), até atingir a palavra final. Aquele que conseguir bater na mão do colega ao falar a última palavra desclassifica o outro. Caso contrário, ele mesmo deve sair do jogo. Vence quem ficar por último na brincadeira.

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