Como elaborar um currículo integrado e participativo
Publicado dia 12/03/2019
Publicado dia 12/03/2019
Um currículo construído na perspectiva da Educação Integral precisa dar respostas teóricas e práticas para o por que, o que, onde, quando e como ensinar e avaliar aprendizagens. Mas não só: estas precisam estar contextualizadas a um território, oferecendo oportunidades para que os alunos se desenvolvam integralmente.
Leia + Como construir uma política curricular alinhada à Educação Integral
Para auxiliar as redes de ensino a implementarem um currículo que tenha por base estes preceitos, o Centro de Referências em Educação Integral, em parceria com o British Council, lançou a plataforma Currículo na Educação Integral, com os principais conceitos e indicações de como realizar a revisão curricular.
“O currículo da educação integral tem por objetivo garantir a construção de sentido e significado das aprendizagens para os estudantes”, explica Julia Andrade, pesquisadora do Centro de Referências, responsável pelo estudo e elaboração do material.
Em suma, este currículo deve ser capaz de articular três elementos: a visão de desenvolvimento integral como objetivo das aprendizagens, o uso de metodologias mais ativas para manter o interesse e a curiosidade dos estudantes sempre acesos, e a tematização e investigação a partir do território para reconhecer identidades e contextualizar aprendizagens.
Mas para que este processo se inicie é preciso uma preparação prévia das instâncias de gestão, a participação de toda a comunidade escolar e a garantia de uma visão sistêmica na revisão curricular. Isso é feito na perspectiva formativa da homologia de processos, isto é, de processos formativos semelhantes que sejam feitos e vivenciados de ponta a ponta na rede: dos gestores de rede às salas de aula, com suas devidas adaptações.
Na plataforma Currículo na Educação Integral, essa construção está organizada em etapas, que trazem orientações para implementação e módulos de formação. Abaixo, as apresentamos de forma resumida.
Para iniciar a revisão curricular, é preciso realizar uma formação inicial com a equipe sobre os conceitos que envolvem uma política de Educação Integral e as estratégias que a tornam concreta.
Deve participar a equipe da Secretaria de Educação (pedagógica e administrativa) e a equipe gestora das escolas (direção e coordenação pedagógica), que irão conduzir a discussão curricular. A participação de todos os setores é condição indispensável para o desenvolvimento de uma gestão integrada.
Para que este estudo faça sentido, é preciso que ele seja feito nos termos do que preconiza a Educação Integral: todos devem poder participar ativamente, de maneira democrática e colaborativa, por meio de metodologias ativas, respeitando tempos e processos tanto individuais quanto coletivos.
Após ler sobre as competências gerais da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o desafio dos gestores das redes e das escolas será organizar o ensino para o desenvolvimento dessas competências, recorrendo à Educação Integral, e compreender quais implicações isso traz para o trabalho de todos.
Esse estudo pode ser feito por meio de encontros presenciais para debate e sistematização da discussão. Posteriormente, é preciso planejar formações a serem desenvolvidas com a equipe docente das escolas.
Além da BNCC, compreender outros documentos legais pode contribuir para o processo. Dentre eles, destacam-se as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), o Plano Nacional de Educação (PNE) e a Lei de Diretrizes e Bases (LDB).
Nessa formação, deverão ser discutidas as competências gerais da BNCC, as necessidades de transformação da escola e como relacionar a concepção de educação para o desenvolvimento integral e a concepção de currículo baseado em competências.
A BNCC altera a definição da centralidade dos conteúdos de ensino para a garantia de direitos de aprendizagem aos estudantes. Isso quer dizer que os professores ensinam muito além dos conteúdos das áreas e componentes curriculares: fazem a gestão dos tempos, espaços e promovem múltiplas experiências de aprendizagem para garantir o direito de todos a aprender.
“Para isso, temos que conhecer os sujeitos, professores, estudantes e famílias. O professor, especialmente, tem que identificar potenciais e fragilidades dos alunos, saber que tipo de intervenção e diferenciação pedagógica precisa ser feita para potencializar a aprendizagem de cada um, quais metodologias vão ser usadas no dia a dia para garantir que todos participem, que aprendam uns com os outros, e no seu tempo”, explica a pesquisadora.
É importante que a coordenação da escola acompanhe e contribua com o processo dessas equipes, esclarecendo dúvidas, estimulando que assumam o lugar de parceiros dos docentes.
Ao mesmo tempo em que ocorre o estudo das competências gerais da BNCC, é possível promover paralelamente ou anteriormente o estudo dos demais capítulos da Base.
Outro ponto que deve ser levado em consideração ao analisar a BNCC diz respeito a dar visibilidade à autonomia das redes e das escolas para adaptar os conteúdos de acordo com os territórios e as realidades locais. De acordo com o contexto e o nível de proficiência dos estudantes, as escolas podem fazer escolhas metodológicas próprias para gerir a progressão das aprendizagens definidas na BNCC.
O conceito de Território Educativo é outro elemento orientador do processo de redesenho curricular, tanto como conteúdo quanto como contexto, envolvendo temas, saberes e práticas situados no ambiente local, como conectados com territórios mais amplos, regionais, nacionais, globais e mesmo virtuais.
Assim, é preciso garantir que os gestores dominem este conceito, explorem as relações que podem ser estabelecidas com a construção do conhecimento na escola, e planejem formações com os professores.
É interessante que antes do momento coletivo para debates, os gestores de escolas e redes façam, individualmente, uma observação das questões locais e quais potenciais educativos conseguem identificar na região.
Na formação com os professores, é preciso estudar o conceito de Território Educativo e organizar saídas para o entorno das escolas e, se possível, até para locais mais distantes que apresentem interesse para o contexto escolar.
O objetivo não é só reconhecer o território, mas sensibilizar e renovar o olhar para as experiências dos estudantes e demais moradores desse espaço e para as relações comunitárias que o compõem.
Esta etapa é a preparação para que, em seguida, seja possível reconhecer os saberes locais, mapear potenciais educativos e definir a intencionalidade pedagógico no currículo.
“O potencial educativo do território pode estar em parques, mirantes, e ruas, mas também nas práticas culturais, artísticas, e dinâmicas da natureza. Também pode estar em um personagem da cidade, que domina um saber, uma técnica ou uma arte. Professores, em diálogo com estudantes,, definem então as finalidades pedagógicas de estudar o território educativo: analisar ou investigar fenômenos, identificar e comparar características, criar, transformar, usar espaços na cidade”, exemplifica Julia Andrade.
Gestores educacionais e escolares têm também a tarefa de avaliar a organização curricular da rede, em sua relação com os processos de definição próprios da escola (o PPP e os planos de ensino dos professores) e com a fundamentação da Educação Integral discutida até aqui.
O objetivo é compreender os diferentes níveis de concretização curricular e os tipos de documentos correspondentes, bem como analisar diferentes modelos de documentos curriculares e sua relação com as práticas de ensino.
As práticas pedagógicas definem como realizar as aprendizagens pretendidas, do ponto de vista do modelo curricular, da organização em modalidades didáticas e do tratamento metodológico específico.
Assim, gestores escolares, em especial os coordenadores pedagógicos, podem junto com os técnicos e professores, estudar o que são as práticas pedagógicas da Educação Integral, mapear as práticas pedagógicas que o grupo considera que já realiza na perspectiva da Educação Integral e aquelas que desejam construir, com base em experiências educativas transformadoras.
Esta organização não deve se limitar à compilação das práticas, mas deve dar visibilidade aos tipo de prática, por exemplo, mais recorrentes na rede, às mais desafiadoras, às que precisam de ajustes ou de formação para os educadores, às que exigem repensar o planejamento entre os professores e a organização dos tempos e espaços das aulas.
“Todo o trabalho deve ter por objetivo garantir o direito de aprendizagem de todos e de cada um”, diz Julia Andrade
Estas práticas podem ser divididas em duas modalidades. A de gestão curricular, que traz tempos, espaços, agrupamentos dos estudantes e professores, ou de gestão das aprendizagens, com sequência didática, projetos didáticos, roteiros de pesquisa, dentre outros.
Este momento é oportuno para refletir sobre as várias forças que atuam na sala de aula e que podem ser planejadas pelo professor, o que inclui tempos, espaços, interações, rotinas, mas também que tipo de comportamento e linguagem tem esse educador e quais expectativas ele tem sobre os estudantes.
“Todo o trabalho deve ter por objetivo garantir o direito de aprendizagem de todos e de cada um, e a participação de todos e cada estudante de acordo com o que eles precisam, fazendo diferenciações das oportunidades pedagógicas para que os que têm mais dificuldade e os que têm mais facilidade possam se apoiar reciprocamente”, afirma a pesquisadora Julia Andrade.
Nesta etapa, a equipe técnica da Secretaria de Educação sistematiza a produção realizada ao longo das etapas anteriores, e também identifica possibilidades de aprofundamento ou lacunas nas produções elaboradas para, então, decidir os focos de ação e formação continuada de professores e gestores escolares.