Professora cria projeto para combater o preconceito linguístico
Publicado dia 29/04/2024
Publicado dia 29/04/2024
🗒️Resumo: Conheça o projeto “Como é que a gente fala? Direito linguístico é um direito humano”, que aborda a questão do preconceito linguístico e o racismo. Desenvolvida com turmas de Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos, a iniciativa é uma das vencedoras do Prêmio Territórios.
Na sala de aula do 9º ano do Ensino Fundamental e da Educação de Jovens e Adultos (EJA) na EMEF Altino Arantes, zona leste de São Paulo (SP), a professora Carolina Lobrigato notou que havia ali um retrato sonoro das variadas formas de se falar a Língua Portuguesa no Brasil, já que os estudantes variavam de adolescentes a idosos, e vinham de diferentes regiões do país e da própria cidade paulistana.
“Começamos a conversar sobre como cada um fala, a relação disso com a identidade e o território, até chegarmos na questão do preconceito linguístico e do racismo”, conta a educadora.
Com base na experiência, Carolina desenvolveu o projeto “Como é que a gente fala? Direito linguístico é um direito humano”, uma das vencedoras do Prêmio Territórios.
A iniciativa é do Instituto Tomie Ohtake e realizada em parceria técnica com a Cidade Escola Aprendiz e o Centro de Referências em Educação Integral.
O projeto teve início com a turma compartilhando suas gírias favoritas e as das mães e avós ou de seus filhos. Quando foram estudar regionalismo, os estudantes pediram mensagens de áudio de familiares e amigos de ponta a ponta do Brasil.
“Recebemos muitos áudios das pessoas falando um pouco da região, como era o lugar, a temperatura, então foi como um passeio pelo Brasil por meio dos sotaques”, relembra Carolina.
O estudante Vitor Vitorino, à época com 16 anos, também foi um dos que compartilhou seus conhecimentos em variações linguísticas. “Meu pai é caminhoneiro e eles têm um jeito próprio de falar, então melancia chama bola d’água e caminhão baú chama geladeira deitada”, conta.
Nas conversas, começaram a aparecer também relatos de preconceito linguístico que os próprios estudantes ou seus familiares sofreram. Eram casos de humilhação pública e diante dos sistemas Judiciário e de Saúde, impactando diretamente o acesso a direitos fundamentais.
“Me identifiquei muito com o que estava aprendendo ali, mas não ficou só em mim. Sou pardo e vim de família preta, e contei o que aprendi para minha mãe e meu pai, que também sabiam que isso existia, porque também já tinham sofrido, mas não sabiam o que era”, relata Vitor.
Marcos Bagno, linguista, professor na Universidade de Brasília (UnB) e autor da obra “Preconceito lingüístico: o que é, como se faz” (Editora Loyola, 1999), explica que essa forma de preconceito resulta da comparação indevida entre o modelo idealizado de língua – presente nas gramáticas normativas e nos dicionários – e os modos de falar reais das pessoas que vivem na sociedade.
“O que está em jogo não é a língua, pois o modo de falar é apenas um pretexto para discriminar um indivíduo ou um grupo social por suas características socioculturais e socioeconômicas: gênero, raça, classe social, grau de instrução, nível de renda etc”, diz o especialista em verbete da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
A partir desse conceito, a professora Carolina começou a trabalhar com seus estudantes a questão do racismo e o preconceito de classe social. Estudaram vídeos e filmes, o próprio livro de Marcos Bagno, e discutiram também o papel da escola na manutenção desse tipo de preconceito.
Ana Paula Pietri, uma das avaliadoras do Prêmio Territórios, destaca a relevância da questão da raça no preconceito linguístico: “Quando se mistura o sotaque italiano ou português de Portugal, essas pessoas não sofrem preconceito”, observa.
“Muitos têm vergonha de se expressar em sala de aula justamente por não dominarem a norma culta da Língua Portuguesa, então precisamos vencer o preconceito linguístico nas escolas, porque esse medo faz com que o estudante não contribua com uma série de conhecimentos que ele traz da vida e se somam aos conhecimentos escolares. Eles precisam saber que podem aprender a norma culta sem desaprender o seu jeito de falar”, diz Ana Paula.
Manifesto, lambe-lambe e vídeos foram alguns dos materiais produzidos pelos estudantes ao longo do projeto, no exercício de mostrar as diferentes formas de falar, mas também de compartilhar situações de preconceito já vividas.
Vitor, que integrou o Parlamento Jovem Paulistano em 2022, chegou a levar a iniciativa para a Câmara Municipal de São Paulo. O estudante propôs à plenária um projeto de lei para combater o preconceito linguístico nas escolas a partir de um mês de conscientização e mobilização a respeito do tema.
“Todo esse trabalho também atuou muito na questão de despertar a autoestima dos estudantes, valorizar sua identidade, seus saberes e história de vida, e acredito que agora eles estão mais prontos para combater todos os tipos de preconceito”, reflete Carolina.
Escola indígena de Rio Tinto (PB) refloresta nascentes de água do território
Garotas de Vermelho: Estudantes criam projeto sobre saúde menstrual
Terra de Macunaíma pede socorro: conheça o projeto sobre garimpo ilegal da EJA
Estudantes de escola pública criam a Biblioteca Antirracista Marielle Franco