Escola rural de alternância valoriza saberes de estudantes e comunidade
Publicado dia 14/12/2016
Publicado dia 14/12/2016
Assim que foi inaugurada em Riacho de Santana, município localizado na região sudoeste da Bahia, a quase 500 km de Salvador, a Escola Família Agrícola (EFA) de Riacho de Santana teve dimensão de seus desafios. “Era a década de 1980 e o território, principalmente em suas áreas rurais, sofria de ausências decorrentes de uma política coronelista, como falta de escolas, estradas, assistência médica, sanitária e técnica”, relembram a diretora da unidade Vera Lúcia Silva Santos e a coordenadora pedagógica Isabel Xavier Rocha, em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral.
Também eram altos os índices de analfabetismo entre a população jovem do campo. Sem assistência à educação, os estudantes tinham que ir para a cidade para poderem estudar e permaneciam no local até o seu término – condição possível somente às famílias que tinham recursos ou possibilidades de manterem seus filhos longe de casa. Na visão das gestoras, isso contribuía para que os jovens perdessem os vínculos com suas raízes e provocava o abandono do campo.
A EFA se materializava, então, como uma oportunidade de educação. “Com a pedagogia da alternância e atuando como internato em tempo integral, buscamos ofertar um ensino contextualizado e, portanto, significativo aos jovens”, afirmam as educadoras.
A unidade, que atende atualmente 179 estudantes de 13 a 25 anos na modalidade Educação Profissional de Nível Técnico em Meio Ambiente Integrado ao Ensino Médio tem como missão promover uma educação integral e de qualidade aos seus estudantes, filhos de agricultores/as e diaristas, em grande parte, analfabetos e semi-alfabetizados.
Para tanto, a escola aposta na Pedagogia da Alternância como forma de apoiar a aceleração do desenvolvimento do meio rural, sem perder de vista os seus valores históricos e culturais; e também como maneira de dialogar com o desejo desses jovens.
“Eles sonham em conquistar a autonomia financeira através dos estudos que lhes darão uma profissão e, consequentemente, a inserção no mercado de trabalho. Percebemos também que os estudantes egressos, ainda que atuem em diversas áreas, não se desvinculam de suas propriedades e investem o que ganham nas suas propriedades, prevendo a melhoria delas”, avaliam as educadoras.
Os estudantes passam uma semana na escola e uma semana em casa. No tempo escolar, eles vivenciam um currículo que se estrutura a partir de um eixo chamado “Plano de Formação” que, como explicam as educadoras, organiza as alternâncias na escola e no meio sócio-profissional (família/comunidade).
“Usamos como ponto de partida a formulação dos objetivos gerais do curso e os objetivos específicos da região. Após isso, fazemos um levantamento das questões de interesse dos agricultores e avançamos nas discussões para uma divisão dos temas pelas unidades de ensino”, contam.
Isso garante um currículo transversal que considera os conteúdos da Base Nacional Comum, mas também os que se relacionam diretamente com o campo, como Ecologia, Agroecologia, Desenho e Topografia, Recursos hídricos, Educação, Legislação e Defesa Ambiental, Geografia, Planejamento, Gestão e Tecnologias Ambientais, Urbanismo e Paisagismo.
Na prática, os estudantes vivenciam esses processos diariamente. Para além de se organizarem nas tarefas de manutenção da escola, limpeza das salas, organização da cozinha e dormitórios, eles têm uma hora e meia reservada todos os dias para o desempenho de funções que se aproximam da vivência no campo.
A escola possui um terreno onde cria animais, como porcos e galinhas, mantém hortas e plantações de frutíferas. Os estudantes se alternam nesses cuidados de acordo com o planejamento semanal definido por eles e a equipe gestora.
Esse não é o único momento em que os conhecimentos escolares se encontram com os do campo. Há uma metodologia na escola chamada “Plano de Estudo” que é uma pesquisa que os estudantes têm de fazer em casa antes de iniciar a aprendizagem de qualquer tema curricular, como explica Vera.
“Por exemplo, se vamos falar sobre a Família Real, não partimos direto para o assunto sem antes pesquisar o que temos de conhecimento empírico na realidade deles. De onde vêm essas famílias? Como elas se estruturam? Em que atividade econômica se inserem? essas são algumas perguntas que nós sistematizamos com eles na escola, após uma longa conversa, para que eles pesquisem em casa”, exemplifica a diretora. No retorno, ela conta que ocorre a socialização das diversas realidades, que são sempre o ponto de partida para a aprendizagem curricular. “Primeiro vamos ao conhecimento empírico, das famílias, da comunidade, para depois chegarmos aos livros”, afirma Vera reconhecendo a importância de promover essa educação contextualizada.
Todo esse movimento é acompanhado de perto pelos professores que, além de suas tarefas escolares, se alternam a cada dia no papel de monitor.
Trabalho em equipe
A prática da escola é ancorada, sobretudo, por uma gestão democrática e descentralizada que permite um diálogo e troca constantes entre os atores escolares. As gestoras elencam como práticas desse modelo as reuniões semanais que realizam com os docentes para tratar questões pedagógicas administrativas e disciplinares; mensalmente, essa agenda também se abre para os membros da Associação Beneficente Promocional Agrícola de Riacho de Santana, responsável pela manutenção da escola.
As famílias são convocadas para a escola por meio de visitas ao longo do ano para que possam acompanhar o processo formativo dos jovens; além de dois encontros anuais formativos. Os alunos também participam das decisões escolares via colegiado o que, segundo as gestoras, permite que eles sejam corresponsáveis pela educação que lhes é ofertada.
A escola é mantida por uma composição de recursos, como explicam as educadoras. Parte da receita vem da colaboração dos pais que ajudam na compra de alimentos durante o período de internato na escola; a merenda também conta com incremento do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Para além disso, há a presença de convênios governamentais e não governamentais na unidade.
Na visão das gestoras, há muito o que se comemorar. Elas entendem que, para além da contribuição com o desenvolvimento dos jovens, há uma relação direta entre a formação profissional oferecida e o desenvolvimento sustentável local. “Entendemos que ao valorizar o agricultor e suas práticas na escola, exercemos a formação cidadã e promovemos o autorreconhecimento desses jovens na comunidade e na sociedade”, apontam as gestoras.
Também estão colocados alguns desafios na realidade escolar. Um deles é a própria manutenção da escola que conta com poucos recursos e que, na visão de Vera, acaba por impactar os reais processos de uma pedagogia de alternância. “O correto seria que, quando nossos alunos estivessem em casa, realizássemos pelo menos de duas a três visitas a essas famílias, para estabelecermos ainda mais essa proximidade. No entanto, para além da distância, há a falta de transporte da unidade, o que inviabiliza essa parte”, finaliza.
Contato:
Escola Família Agrícola (EFA) de Riacho de Santana
Telefone: (77) 3457-2731
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