Escola Córrego do Arrozal adota Educação Integral e antirracismo para garantir direitos
Publicado dia 06/11/2024
Publicado dia 06/11/2024
Nos últimos dois anos, a Escola Classe Córrego do Arrozal, na área rural de Sobradinho (DF), passou por uma transformação que partiu da escuta de toda a comunidade escolar. A unidade adotou a concepção de Educação Integral, ampliou a jornada e promoveu a formação continuada dos professores. Conheça a história da escola e confira um Raio-X detalhado do trabalho da Córrego do Arrozal no Especial Escolas de Educação Integral.
“Qual escola temos e qual escola queremos?” foi a pergunta feita para as crianças, professoras e famílias da Escola Classe Córrego do Arrozal, na área rural de Sobradinho (DF), quando Anete Cardoso assumiu a direção da unidade em 2022.
Com o desafio de lidar com as consequências do contexto da pandemia de Covid-19 somados à histórica vulnerabilidade social do território, a educadora sabia que precisaria das contribuições de todos para promover uma Educação com sentido e qualidade junto àquelas pessoas.
“Os professores disseram que precisavam de mais apoio. As famílias queriam mais tempo na escola para as crianças, que também queriam isso, mas queriam piscina, parquinho e passear”, aponta Anete.
Em diálogo com a comunidade escolar, teve início um processo de formação sobre a concepção da Educação Integral, associado à importância do tempo integral, que amplia as oportunidades de desenvolvimento de todos. “Eles perceberam que nossas crianças precisavam dessa oportunidade”, relata a gestora.
Para conseguir financiamento e formação para implementar as mudanças necessárias, Anete buscou programas e fontes de recursos no site do Ministério da Educação (MEC) e da Secretaria de Educação do Distrito Federal.
Por meio do primeiro, acessou o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação e seus programas Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) Educação Conectada, que dá verbas para adquirir equipamentos e pagar pela internet, e Básico, que aumenta o valor por aluno após a adesão ao tempo integral.
“No site do MEC tem a explicação de todas as políticas públicas, como o PDDE Água, para áreas com escassez hídrica. E no 0800 do FNDE eles me explicaram os programas para conseguir os recursos de que eu necessitava”, conta Anete.
Já por meio da Secretaria de Educação, aderiu ao Educação em Tempo Integral (ETI), programa que conta com a participação de 200 escolas e 33,1 mil estudantes do Ensino Fundamental e Médio em todo o DF, que possui 825 escolas e 464.977 estudantes. O ETI oferta à escola, entre outras condições, mobiliário, refeições balanceadas, consultoria pedagógica e professores concursados.
A escola também aderiu ao Programa de Descentralização Administrativa e Financeira (PDAF) da Secretaria de Educação. “Ele aumenta o percentual do valor por aluno com a adesão ao tempo integral e, com essa verba, o Conselho Escolar, que foi fortalecido, se reúne com professores e a gestão para decidir as prioridades de quais materiais comprar, como bolas, argila e transporte para atividades externas”, diz Anete.
A gestora também entrou em contato com parlamentares e conseguiu que dois deputados enviassem verbas para construir um parque ao lado da horta. Entre outras mudanças, a biblioteca foi revitalizada, recebeu nova curadoria de livros e mudou sua perspectiva pedagógica.
“Fazemos momentos de contação de história na biblioteca para as turmas ou para a escola inteira no pátio. Prezamos muito por mostrar o trabalho de quem escreve e de quem ilustra, para mostrar que eles também podem fazer os dois. E entendemos que o espaço da literatura tem que ser para deleite, nem sempre associado a uma questão didática”, explica Jeane Rodrigues, uma das três professoras da biblioteca.
As transformações da escola já reverberam para além dela. “Percebemos as crianças mais felizes e aprendendo melhor. Já temos relatos de crianças que levam livros para casa e leem para os pais, que aqui em sua maioria são analfabetos”, diz Anete.
Gestão e docentes dedicaram-se a mapear o território a fim de encontrar oportunidades educativas para além dos muros da escola. Museus, parques, teatros e até universidades passaram a fazer parte da rotina das crianças.
“Doaram sementes para nossa horta, realizamos oficinas de agroecologia, vieram dar aulas de maculelê, circo e capoeira e uma chácara abriu as portas para as crianças usarem a quadra”, relata Anete.
A Universidade de Brasília (UnB) realizou um projeto com as crianças sobre plantas, farmacologia e combate à dengue. E no Teatro Plínio Marcos muitas crianças e professores ouviram um concerto pela primeira vez na vida.
“Minha surpresa foi até maior do que a das crianças”, relembra a professora Nilma de Castro Lopes Magalhães sobre a experiência. “A arte ajuda muito no desenvolvimento integral das crianças”, observa Nilma, que leciona na escola desde 2006.
Para Maria Patrícia Martins Almeida, mãe de um estudante do 4° ano, as aulas no território também ampliam as oportunidades de sonhar das crianças. “Meu filho visitou um laboratório e chegou em casa todo alegre, cheio de sonhos, falando que queria ser cientista porque se identificou com essa área, e é uma oportunidade que eu jamais teria como dar a ele enquanto mãe”, afirma.
Na maior parte das vezes, as parcerias foram firmadas a partir de uma troca de e-mails com as organizações e espaços do território. “As aulas externas ajudam os professores a entenderem a importância da cidade como um espaço educativo e a potência da arte para a formação das crianças. Elas ficam cansadas se tiverem o mesmo tipo de proposta o dia inteiro, então a arte traz esse respiro, ensina e transforma as relações”, diz Anete.
A concepção de Educação Integral prevê que os sujeitos sejam considerados em sua integralidade no ambiente escolar. Dessa forma, na Escola Classe Córrego do Arrozal, foi preciso olhar para algumas questões em torno do combate ao racismo e da garantia de direitos sociais.
“Na minha escola, 90% dos estudantes são negros, mas a maioria não queria ser chamada assim. Tinham muita vergonha do próprio cabelo e isso aparecia. Então começamos um trabalho de valorização das pessoas, culturas e histórias negras e afro brasileiras”, explica Anete.
A literatura foi a maior aliada nesse trabalho, com livros como Mulheres Inspiradoras, de Gina Vieira, e Tamara e Tamarindo na terra das coisas e das pessoas doces, de André Lúcio Bento (Telha, 2021).
“Buscamos mostrar para as crianças o continente africano como a grande potência que ele é e as pessoas negras de referência que existem no Brasil e no mundo e suas contribuições”, diz Anete.
Para tanto, é preciso muita formação e planejamento. “Sempre debatemos com os professores na hora de planejar as atividades a questão das relações étnico-raciais, quanto elas foram consideradas na escolha de um livro, imagem ou texto, naquele tipo de atividade”, explica.
O trabalho encontra respaldo no currículo da Secretaria de Educação do Distrito Federal e no Projeto Político Pedagógico, pactuado por toda a comunidade escolar, que tem como eixo estruturante o ano inteiro o combate ao racismo.
Garantir direitos é outra frente do combate ao racismo. Por isso, a escola também voltou o olhar para os altos índices na região de insegurança alimentar, trabalho infantil e outras violências e violações de direitos das crianças e adolescentes.
“Parte da produção da horta da escola vai para as famílias. Também realizamos oficinas com as crianças de cuidado com o corpo e consentimento, uma parceria para levar médicos à escola e outros encaminhamentos intersetoriais”, detalha a gestora. “Só assim conseguimos ver as crianças mais felizes de estar na escola, convivendo e aprendendo melhor”, observa.
Hoje, a escola atende 200 crianças da Educação Infantil aos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Metade delas são atendidas em tempo integral e, para alcançar todas, a escola está em reforma e ampliação. Serão construídas 6 novas salas e 12 banheiros. “Mas não vou perder a característica de sair da escola, porque é essencial ter na cidade outros espaços de Educação”, afirma a gestora.
Ao lado dos avanços, alguns desafios persistem, como a formação de professores para atuar em atividades educativas no território e a partir de metodologias mais ativas.
A logística para lidar com a atual falta de espaço na escola também impede o atendimento em tempo integral em todos os dias da semana. Hoje, as crianças vão três vezes por semana à escola por períodos de 10 horas, das 8h às 18h.
“Mas tive muito apoio para realizar esse trabalho, de toda a equipe docente, como também da professora Gina Vieira, Edileusa Fernandes e André Lúcio Bento, que dialogaram muito comigo e com os professores e estudantes”, destaca a gestora.
Ficha técnica | Especial Escolas de Educação Integral
Coordenação técnica: Fernando Mendes, Natacha Costa e Raiana Ribeiro
Edição: Tory Helena
Reportagem: Ingrid Matuoka
Conteúdo digital: Larissa Alves
Design: Vinicius Corrêa
Centro de Referências em Educação Integral
O Centro de Referências em Educação Integral promove, desde 2013, a pesquisa, o desenvolvimento metodológico, o aprimoramento e a difusão gratuita de referências, estratégias e instrumentais que contribuam para o fortalecimento da agenda de Educação Integral no Brasil.
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