Como uma escola de São Paulo está implementando a educação integral
Publicado dia 11/10/2019
Publicado dia 11/10/2019
Para implementar a educação integral nem sempre é necessário mudar a escola inteira de uma única vez. Na Brasilândia, periferia da zona norte da cidade de São Paulo, a EMEF Castro Alves decidiu começar o processo aos poucos.
Desde 2018, por meio do programa São Paulo Integral, duas turmas do 1º ano estão efetivamente no modelo de educação integral, com ampliação da jornada. No período das 7 às 14 horas, as crianças percorrem o que chamam de linha do tempo do aluno, em que promovem aprendizagens por meio de metodologias inovadoras e de maneira interdisciplinar.
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Já nas turmas do 5º e 9º ano ainda há uma divisão entre as disciplinas. O primeiro período é composto pelas aulas regulares, e depois há mais duas horas de atividades como xadrez, robótica, clube de leitura, futsal e teatro. A partir de 2020, o 2º, 5º e 6º ano integrarão o mesmo modelo que já ocorre no 1º.
“Desde que começamos esse trabalho, percebemos que o pertencimento à escola melhorou, então a frequência e permanência dos nossos alunos também aumentaram. E as famílias notam isso. Nossa escola era conhecida como lixão e ninguém queria matricular os filhos aqui. Hoje, tem fila de espera”, conta a diretora da escola, Juliana Eliete Pereira Thomaz.
A discussão sobre implementar ou não a educação integral na escola partiu de projetos que eram desenvolvidos por meio do Programa Mais Educação Federal, que posteriormente foi substituído pelo Mais Educação São Paulo, e que despertavam grande interesse nas crianças e adolescentes. As aulas de robótica, por exemplo, só comportavam 15 alunos por ciclo, mas a quantidade de estudantes que desejava participar era muito maior.
A gestão democrática, que se pauta por decisões coletivas, é a base para qualquer programa de educação integral, porque sua concretização depende da atuação de todos e, para tanto, é preciso que faça sentido para os envolvidos.
Assim, em 2017, a escola começou a pensar em expandir suas ações voltadas à educação integral. Foi nesse momento que comunidade, professores, estudantes e famílias começaram a estudar o conceito e a debater coletivamente se faria sentido para aquela escola e seus alunos.
Após um ano e meio de formação e de debates, a maioria dos envolvidos topou o desafio. A implementação teve início em 2019, com as turmas que foram identificadas como as que estavam submetidas a maior vulnerabilidade, como trabalho infantil, bastante presente no território.
Os primeiros meses não foram fáceis. Questões relacionadas à logística e atribuições de professores precisaram ser revistas e adaptadas, bem como a compreensão do conceito de educação integral, que é continuamente construída a partir das experiências de estudantes e professores.
Mas logo os trabalhos começaram a fluir. “A escola toda abraçou a interdisciplinaridade, e todo o tempo e espaço foi se organizando em perspectiva da educação integral”, explica a coordenadora pedagógica Mariana Elias.
E, apesar de apenas algumas turmas e professores fazerem parte do programa, os demais educadores também participaram das formações e foram contagiados por esse outro modo de educar.
“Os professores se apropriaram dos vários espaços da escola, que são muito compartilhados. Então todo mundo vê o que está acontecendo, e isso foi promovendo mais interações”, conta Camilla Ferreira de Lima, professora e orientadora de educação integral.
Os espaços também educam. E é por isso que a EMEF Castro Alves decidiu cuidar deles, partindo da identidade e vontades dos próprios alunos. Na quadra de esportes, pintaram os muros com atletas que admiram.
Em outra, escreveram palavras que representavam seus desejos. Também pintaram cada uma das portas das salas de aulas de cores diferentes, colocaram mapas e prateleiras de leitura. E, por fim, trocaram o toque agudo do sinal da aula por música.
“Nós quisemos tirar da escola o aspecto de penitenciária. Isso é humanizar os espaços. E fazer esse trabalho junto com os alunos diminuiu as depredações, porque eles se sentem parte desse lugar”, afirma Juliana.
Na EMEF Castro Alves, o território se faz presente de duas maneiras: a educativa e como rede de apoio à proteção das crianças e adolescentes. Assim, os alunos visitam museus e centros culturais em diversos pontos da cidade, vão a cinemas e parques. E foi no centro histórico, andando pelas ruas, que aprenderam sobre a formação de São Paulo em uma aula de História.
“Eles sabem que espaços culturais existem, mas não sabem que podem ter acesso. Então tentamos mostrar a cidade educadora, e que o passeio é uma atividade que promove aprendizagens”, explica Camilla.
Ao mesmo tempo em que saem pela cidade, também há um trabalho o entorno da escola, como a Fábrica de Cultura. Foi lá onde conheceram o artista e grafiteiro Kobra e decidiram pintar um mural na escola inspirado em seu estilo. Também estão conversando com um grupo que promove batalhas de rimas, muito apreciadas por vários estudantes.
“A gente valoriza a cultura daqui, da periferia, mostramos que temos coisas boas, e que eles podem estar onde quiserem, porque são seres humanos dignos de direitos”, enfatiza a diretora Juliana.
Mas, ao olhar para o território, não é possível separar as potências educativas de seus desafios. Brasilândia é um bairro com altos índices de criminalidade e violências. E toda a equipe da escola é formada para estar atenta aos sinais de possíveis violações e para atuar em conjunto, acionando serviços de saúde, assistência social, famílias ou os órgãos responsáveis.
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“Nós enxergamos os alunos integralmente, e são cerca de mil, mas chamamos cada um pelo nome. Sabemos quando mudou o corte de cabelo, e a gente brinca e conversa quando percebe que está triste. Tem que ter esse laço.”
E para construir as relações de confiança, professores e gestores precisam estar abertos e acessíveis continuamente. Nessa escola, os estudantes são estimulados a buscarem os educadores para conversar sobre questões pessoais ou relacionadas à escola. Também se tornou comum que eles entreguem cartas, protocolando pedidos para a diretoria.
“A turma do 4º ano escreveu uma carta pedindo melhorias em relação aos mosquitos, porque aqui tinham muitos. E conforme nós vamos atendendo os pedidos, mais eles se sentem à vontade para nos procurar”, explica Juliana.
A escola também tem representantes de sala e um grêmio. Os alunos Gustavo da Silva, 14, e Samuel Barbosa, 16, integram essas instâncias de participação estudantil e contam que percebem grande preocupação dos estudantes com a escola. além da vontade de se engajarem nas tomadas de decisões. Também afirmam que são eles que sabem verdadeiramente o que acontece dentro da escola e o que precisa melhorar.
“O grêmio é uma forma da escola melhorar o acolhimento dos alunos, porque se alguém não está se sentindo confortável com algo que está acontecendo na sala de aula ou na escola, pode procurar membros do grêmio, que também são alunos, e que vão dar uma força maior para o problema ser resolvido”, explica Gustavo.
As famílias também são convidadas a participar do conselho de escola e das reuniões de pais e mães, além de poderem acessar a equipe escolar a qualquer momento presencialmente.
“A gente não chama as famílias só para falar do que o aluno não fez. Tentamos fazer reuniões formativas e para que eles participem das decisões”, afirma Juliana. A equipe também se mobiliza para flexibilizar o atendimento, e fazem reuniões no período noturno ou aos sábados.
Toda a equipe escolar também participa de formações para promover a mediação de conflitos e construir uma cultura de paz. Assim, quando acontece algum problema, famílias, alunos e professores são convidados a dialogar.
“Com os estudos, temos conseguido antecipar situações antes de deixar que cheguem a um conflito, que não precisa ser de violência, necessariamente, mas desentendimentos em geral”, diz Eliane de Oliveira, coordenadora pedagógica.
Juliana afirma que a resolução dos conflitos parte da escuta, do acolhimento e do afeto. “Eles estão aprendendo a não ir direto para o embate, e estão fortalecendo laços.”
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