Como abrir uma escola segura?
Publicado dia 23/07/2021
Publicado dia 23/07/2021
As redes de Educação por todo o Brasil têm reaberto suas escolas, sobretudo nos últimos meses, com o avanço da vacinação dos profissionais e da população em geral. Para mantê-las abertas em segurança, é necessário uma série de outros cuidados relativos aos protocolos de vigilância sanitária e epidemiológica, e uma gestão democrática parceira das famílias, da comunidade e dos demais setores do município, sobretudo a Saúde.
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É por meio desse trabalho conjunto que Ilhabela (SP), rede educacional que possui 6,5 mil estudantes, tem conseguido manter suas escolas funcionando com segurança. “Ouvimos da equipe médica uma insistência em reabrir as escolas por dois motivos: eles estavam percebendo um aumento em casos de acidentes e violências domésticas, e crianças que nunca tiveram problemas antes agora apresentavam sintomas de ansiedade, pânico e depressão, e porque o município já teria condições epidemiológicas de fazer essa reabertura”, relata Lídia Sarmento, secretária de educação do município, onde as atividades presenciais começaram a ser gradualmente retomadas a partir de janeiro.
Na EMEF Professor Waldir Garcia, que fica em Manaus (AM), cidade que já foi o epicentro do Covid-19 no Brasil, a gestão democrática e a implementação cuidadosa dos protocolos também têm rendido frutos. Aberta desde fevereiro, a escola até hoje não registrou nenhum caso de adoecimento entre seus quase 250 estudantes e 33 funcionários.
“A escola fica em uma região de alta vulnerabilidade social e tem o papel de ser um lugar seguro, de apoio e proteção, principalmente agora, que as crianças estão com as casas alagadas, que tem famílias que precisam ir trabalhar e estavam levando as crianças para a rua, entre outros casos. Então a escola precisa estar aberta, mas com muita responsabilidade”, diz Lúcia Cristina Santos, gestora da unidade. “Os professores que estavam com medo agora já se sentem seguros, porque estão vendo que tudo está sendo bem cuidado e controlado”, complementa.
O Centro de Referências em Educação Integral ouviu em mais detalhes a Secretaria Municipal de Educação de Ilhabela (SP) e a EMEF Professor Waldir Garcia, de Manaus (AM), sobre como têm trabalhado para manter as escolas abertas, em segurança. Confira:
RESUMO
1 – Pontos de partida: comitê intersetorial e gestão democrática
2 – Protocolos sanitários gerais
5 – Hora da merenda
6 – E quando alguém apresenta um sintoma ou há um caso confirmado?
Antes e durante o processo de reabertura das escolas é preciso enfrentar a exclusão escolar e alcançar a todos os estudantes. Saiba mais sobre o tema na primeira reportagem da série “#ReviraVolta da Escola Pergunta”.
Depois, é preciso um trabalho conjunto para reabrir as escolas: depende do aval e do acompanhamento da Secretaria de Saúde, da elaboração coletiva de protocolos de vigilância sanitária e epidemiológica, da mobilização de outras áreas para planejar e adaptar o que for necessário e da articulação intersetorial pela garantia de direitos básicos da população.
“A prefeitura se organizou para oferecer, aos que mais precisavam, almoço nas escolas para os estudantes e um acompanhante da família. A Assistência Social tem distribuído cestas básicas e foi oferecido auxílio-aluguel a quem precise”, relata a gestora Lídia.
Em relação à abertura das escolas, Ilhabela já contava com um Comitê de Enfrentamento ao Covid-19, intersetorial e multidisciplinar, que ajudou na preparação da retomada gradual das atividades presenciais este ano. Para tanto, elaboraram os protocolos em conjunto e a Saúde visitou cada unidade escolar para planejar e implementar as alterações necessárias. Na retomada, que ocorreu na segunda quinzena de janeiro, priorizaram os estudantes que não tiveram nenhum contato com o trabalho pedagógico no último ano.
“Agora, mais do que nunca, a escola precisa ser humana, flexível e acolhedora. Precisa escutar e precisa que um cuide do outro para continuar aberta”, afirma a gestora escolar Lúcia Cristina Santos
“Sem um trabalho conjunto não dá para acontecer o retorno às aulas e nem garantir que a escola não seja um lugar de contaminação. A interação entre Educação e Saúde tem que acontecer no dia a dia e em tempo real, para identificar os casos imediatamente e para criar e manter protocolos seguros e capazes de serem efetivados na escola”, observa Heloisa Negrisoli, pediatra membro do Comitê de Enfrentamento ao Covid-19 no município.
Em fevereiro, Ilhabela estabeleceu uma parceria com o Instituto Butantã, que promoveu a testagem rápida de todos os profissionais da comunidade escolar. Nesse processo, 15 pessoas testaram positivo e foram afastadas. Em abril, todos os profissionais que trabalham em escolas começaram a ser vacinados.
Além da articulação intersetorial, é fundamental o diálogo com as famílias. Na EMEF Waldir Garcia, a Unidade Básica de Saúde (UBS) do bairro conversou com os funcionários, famílias e crianças sobre como funcionaria a reabertura das escolas, quais eram os cuidados a serem tomados, as adaptações que seriam feitas nos espaços, e quais protocolos deveriam ser seguidos.
A volta presencial começou com os estudantes que mais precisavam da proteção social da escola e, em junho, quando toda a comunidade escolar estava vacinada, a escola recebeu de volta todos os estudantes, em sistema de rodízio, exceto 14 crianças cujas famílias preferiram manter o ensino remoto.
“Agora, mais do que nunca, a escola precisa ser humana, flexível e acolhedora. Precisa escutar e precisa que um cuide do outro para continuar aberta. Uma das coisas que temos feito nesse sentido é, toda semana, avaliar com toda a comunidade escolar como foi o trabalho, o que deu certo, o que precisa ser ajustado para os próximos dias. Isso é importante para ouvir a todos e para nos mantermos atentos aos detalhes e seguindo os protocolos”, defende Lúcia.
Na rede de Ilhabela, na EMEF Waldir Garcia e em várias outras escolas do Brasil, os protocolos básicos são parecidos: uso obrigatório de máscara o tempo todo, com troca a cada duas horas; frascos de álcool gel na entrada e em todos os ambientes; portas e janelas de salas abertas; carteiras distanciadas e demarcações no chão; limpeza de todos os objetos e superfícies a cada troca de turma; proibição do compartilhamento de objetos; adaptação dos bebedouros; entrada da família e outras pessoas na escola somente em casos emergenciais ou indispensáveis; orientações para as crianças sobre como guardar as máscaras limpas e sujas que levam para a escola; pessoas com sintomas ou que tiveram contato com casos suspeitos não devem ir à escola.
“Nossos professores também ficam atentos às crianças, para identificar sintomas, e eles têm uma ficha por aluno para fazer o acompanhamento de como ele está diariamente. Nenhuma criança, professor ou demais colaboradores podem vir à escola se apresentarem sintomas e nós fazemos o acompanhamento para saber se a pessoa melhorou e se tem a assistência que precisa”, explica Lúcia.
Para evitar aglomerações, ampliar os períodos de entrada e saída e escalonar o horário de cada turma são soluções que têm funcionado. “A cada saída, também higienizamos o ônibus escolar, que só circula com as janelas abertas. Na chegada à escola, as crianças lavam as mãos em uma torre com água e sabão, secam em papel toalha e têm sua temperatura aferida”, relata Lídia Sarmento.
Além de respeitar a porcentagem de estudantes que podem frequentar a escola de acordo com as normas vigentes em cada município e promover o rodízio das turmas, outras estratégias auxiliam a manter o distanciamento social.
Na EMEF Waldir Garcia, quando há uma turma grande, ela é dividida em subgrupos, que se espalham pela escola para realizar as atividades. Eles ocupam o hall de entrada, a biblioteca, a quadra, o pátio e os gramados.
“Trabalhamos com roteiro de estudos, então as crianças têm autonomia para continuar a estudar mesmo nesse formato. Além de nos ajudar com os protocolos, isso também desmistifica a noção de que só se aprende em sala de aula. Temos aproveitado diversos territórios de aprendizagem, principalmente os que promovem o contato com a natureza – nestes, as crianças se sentem especialmente bem e aprendem melhor”, analisa Lúcia.
Na hora do almoço das escolas de Ilhabela, os estudantes fazem rodízio por turma para ir comer e as merendeiras montam os pratos das crianças e deixam sobre a mesa, para evitar fila. As mesas têm lugares marcados, com distanciamento, e quando todas as crianças voltam para a sala, uma pessoa recolhe os pratos, para diminuir a circulação dos alunos pelo ambiente.
Já os lanches vêm embalados individualmente e as crianças comem, em silêncio, em sua própria carteira na sala de aula. Depois, podem descer para o pátio, onde monitores dividem os agrupamentos de crianças para que não haja aglomeração.
Para promover a vigilância epidemiológica das escolas, o Comitê de Enfrentamento ao Covid-19 de Ilhabela organizou um procedimento com base em protocolos de diferentes estados e municípios, adaptado à realidade local. A prioridade é a comunicação imediata de cada caso suspeito ou confirmado.
Para isso, criaram uma plataforma online que gestores escolares podem acessar e notificar o setor de Vigilância Epidemiológica do município. Os diretores recebem as instruções sobre o que fazer diante de cada caso e, na mesma plataforma, relatam o andamento do processo para que a Saúde acompanhe e rastreie.
“Todos os diretores têm meu contato direto e, a cada caso, nós discutimos a conduta que deve ser tomada e conversamos sobre dúvidas”, conta a enfermeira Lara Passos Kayanoki
“Além disso, todos os diretores têm meu contato direto e, a cada caso, nós discutimos a conduta que deve ser tomada e conversamos sobre dúvidas”, diz a enfermeira Lara Passos Kayanoki, coordenadora da Vigilância Epidemiológica de Ilhabela e integrante do comitê de enfrentamento ao Covid-19.
O procedimento funciona da seguinte forma: se um estudante do Ensino Fundamental apresenta sintomas, toda a turma da qual ele faz parte é imediatamente afastada da escola e retornam ao ensino remoto enquanto aguardam os próximos passos. Se for uma criança da Educação Infantil, além da turma, o professor e o auxiliar também são afastados. Se um professor, um funcionário ou mesmo um familiar de qualquer pessoa da comunidade escolar apresentar sintomas, o procedimento é o mesmo: o afastamento de todas as pessoas com quem teve contato.
Se mais de uma turma em uma mesma escola apresentar um caso suspeito, a escola inteira é colocada em quarentena por 14 dias. “Mesmo que não seja um caso confirmado, e mesmo que um caso não tenha relação com o outro, porque temos mantido as turmas separadas, fechamos a escola para garantir que não haja transmissão interna”, explica Lara.
Se o caso suspeito for confirmado, a Saúde promove uma testagem rápida de todos que tiveram contato com a pessoa infectada e visita a escola para entender se os protocolos estão sendo respeitados ou se houve alguma flexibilização. Isso ajuda a entender se houve disseminação do coronavírus naquele espaço. “Até aqui, todos os casos vieram de fora”, diz a enfermeira. Após 14 dias, a turma e os profissionais podem retornar à escola.
A Secretaria de Saúde também promoveu um levantamento para estudar o impacto da abertura das escolas no controle epidemiológico. “Enquanto 5% da população geral foi infectada, no mesmo período 1% da população escolar teve contato com o vírus. Isso nos informa que a abertura das escolas não impactou negativamente a pandemia”, avalia a pediatra Heloisa.
Com as escolas abertas de forma segura, é hora de garantir que todos os estudantes possam aprender. Leia mais na última reportagem do especial “#ReviraVolta da Escola Pergunta”, clicando sobre o link.
Manual sobre biossegurança para reabertura de escolas no contexto da Covid-19 – Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)
Guias Covid-19 da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação
Ocupar escolar, proteger pessoas, valorizar a educação – Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco)
Manual técnico para escolas saudáveis – Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB)
Desemparedamento da Infância: A escola como lugar de encontro com a natureza
Planejando a reabertura das escolas: A contribuição das pesquisas sobre os benefícios da natureza na educação escolar – Programa Criança e Natureza (Instituto Alana)
O que é a #Reviravolta da Escola?
Realizado pelo Centro de Referências em Educação Integral, em parceria com diversas instituições, a campanha #Reviravolta da Escola articula ações que buscam discutir as aprendizagens vividas em 2020, assim como os caminhos possíveis para se recriar a escola necessária para o mundo pós-pandemia.
Leia os demais conteúdos no site especial da #Reviravolta da Escola.
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