publicado dia 29/11/2022

Como a Educação Integral apoia o enfrentamento à violência nas escolas

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A violência nas escolas e os caminhos para o seu enfrentamento estão na ordem do dia. Acompanhamos com tristeza e apreensão mais um ataque em escola no país, agora em Aracruz (ES). O Brasil registrou 12 atentados do tipo nos últimos 20 anos e vê crescer os números de casos extremos de violência escolar.

Há estreita relação entre trabalhar violência e convivência escolar e a Educação Integral, na medida em que o objetivo principal é conviver de maneira mais humana, livre de preconceitos e com um olhar integral para as crianças, adolescentes e jovens, a fim de transformar, cotidianamente, a realidade de forma crítica e propositiva.

Miriam Abramovay é coordenadora do Programa de Estudos e Políticas sobre Juventude, Educação e Gênero: violências e convivência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO)

Sem dúvida a pandemia, o isolamento social, o sofrimento, a desigualdade, a falta de acesso a bens e serviços agravaram a situação já existente de problemas nas escolas, que foi um dos âmbitos mais atingidos a nível global, impactando sobremaneira o cotidiano dos estudantes, docentes e do corpo diretivo.

Na volta às aulas, em março de 2022, a violência assustou pais e alunos de escolas públicas em diferentes estados e regiões do Brasil.  Em Brasília, em menos de uma semana, ocorreram ao menos quatro casos de brigas violentas em instituições de ensino. Em dois deles, estudantes chegaram a ser esfaqueados. Imagens feitas pelas câmeras de segurança destas escolas passaram a circular nas redes sociais. No vídeo, um rapaz agride uma estudante com tapas e puxões de cabelo dentro da sala de aula.

No Maranhão, em três meses, cinco casos foram registrados dentro de escola em cidade do interior e um estudante de 10 anos ateou fogo em uma professora. No Ceará, a polícia investiga plano de estudante de 16 anos de incendiar escola em Pacajus. Com o jovem foram encontrados uma faca, gasolina e um mapa da instituição de ensino. 

Na Bahia, neste mesmo período, uma adolescente de 13 anos atirou coquetel molotov em colégio na Chapada Diamantina provocando incêndio na escola e um estudante de 14 anos fez disparo em uma escola cívico-militar, utilizando a arma de pai militar que atingiu, mortalmente, aluna cadeirante. 

Ataques em escolas: atos de brutalismo exacerbado 

Nos últimos dias acompanhamos mais um caso de massacre em Aracruz (ES), com a mesma dinâmica ocorrida anteriormente, em Suzano (SP), Carapicuíba (SP), Goiânia (GO) e Rio de Janeiro, onde morreram estudantes e professores. 

Este tipo de violência se deu reiteradamente, cometida por estudantes do sexo masculino, para mostrar poder, masculinidade e virilidade, com uma linguagem que exclui a comunicação e o diálogo, apelando para a imposição da força. Outra referência social importante é também identificada quando a arma sugere exibicionismo e impõe respeito, em uma “sociedade do espetáculo”, termo cunhado por Guy Debord no livro homônimo de 1967. Todos foram para as primeiras páginas dos jornais e, segundo alguns levantamentos realizados, tornaram o sonho da vida em morte, isto é “aparecer”. Por alguma razão, estes estudantes mostraram uma raiva sem limites contra professores e colegas. O ódio culminou em atos que chamamos de brutalismo exacerbado, a desumanização se generaliza e a morte torna-se uma espetacularização da vida, normatizando situações extremas.

No entanto, estas não são únicas as violências que se dão no cotidiano das escolas, que deixou de ser um espaço protegido e tornou-se um local que reproduz violências a nível macro, fomentando e construindo múltiplos e variados tipos de violências.

A escola é um local privilegiado de aprendizagem, onde os saberes são construídos e desenvolve-se tanto habilidades quanto potencialidades. É também um lugar de socialização onde se aprende a conviver com a diversidade, daí a importância da convivência. É no espaço escolar que crianças, adolescentes e jovens têm a possibilidade de obter um maior acesso ao conhecimento e de se formar dentro de uma perspectiva mais humana e solidária. Acredita-se na escola como um momento único na vida. Assim, há necessidade de que a escola seja de qualidade, valorize a diferença, a diversidade e, sobretudo, possa mudar a cultura escolar, reinventando novas práticas institucionais.

O conceito de violência utilizado por nós são danos físicos que podem levar à morte, mas também o conjunto de restrições que impedem o gozo dos direitos essenciais. Assim, fatores como exclusão social, discriminação racial e violência verbal devem ter a mesma atenção que a violência física. As violências, comprovadamente, causam repetência, abandono e evasão. Essa perspectiva ressalta a importância de discutir a escola como lugar possível de aprendizagem e criação, resgatando seu compromisso social na transmissão do legado científico e cultural, nas diferentes áreas do conhecimento.

A escola é também fundamental na socialização: solidão, ansiedade, medo, violência doméstica e outras crises na subjetividade são consequências da falta de acesso a esse espaço de convivência, mostrando que os fatores sociais também influenciam a esfera emocional.

Clima escolar, pandemia e volta às aulas 

A volta à escola após a pandemia de covid-19 suscitou pensar nas várias violências escondidas durante o o seu ápice, já que as escolas permaneceram fechadas. Há notícias sobre suicídios, automutilação, armas, microviolências, violência institucional e violências simbólicas no seu cotidiano. Além disso, a violência sexual também passou a integrar essa problemática. 

Cabe considerar que as violências que afetam as escolas também ocorrem em seu entorno, com tiroteios e até  invasões do espaço escolar, causando vítimas, o que afeta, profundamente, o clima escolar que tem relação com a qualidade de vida na escola e no seu funcionamento. De acordo com o relatório do School Climate Center, são impactados âmbitos como as normas, valores, atitudes, compreensão das regras, sensação de segurança e percepção de justiça e proteção existentes; comunicação, relações interpessoais; práticas de ensino e sentimento de pertencimento dos alunos e professores no espaço escolar. 

A violência não surge de repente: ela é determinada pela estrutura institucional e a responsabilidade é de todos os atores, é coletiva. A escola pode ser vítima, mas também autora de processos violentos, é produtora e reguladora de violências, ao mesmo tempo causando e recebendo. 

A violência reforça as desigualdades sociais, causando mal-estar, abandono, ausências prolongadas, afetando o processo de ensino-aprendizagem. Por isso mesmo, por mais que amedrontem e desestabilizem, as violências nas escolas não podem ser sustentadas por indiferença e silêncio. 

Educação Integral e convivência escolar  

Para que a Educação Integral possa ser colocada em prática, é preciso formular políticas públicas voltadas para a violência escolar de forma sistemática, com uma cultura pedagógica global, abandonando as medidas repressivas e investindo em programas de Convivência Escolar.

O trabalho de Convivência Escolar deve ter caráter preventivo, partindo da formação de todos os atores envolvidos, com capacitações teórico-reflexivas e práticas para se conhecer as diversas vulnerabilidades. O objetivo é enfrentar conjuntamente os problemas cotidianos, contando com um diagnóstico coletivo sobre convivência e violência na escola, cujo resultado é uma proposta de um planejamento participativo com o envolvimento de todos. 

O processo, no entanto, exige que gestores e demais educadores reconheçam que os estudantes também são detentores de conhecimento e aproveitem esses saberes em favor das práticas pedagógicas. Em outras palavras: abrir espaço para que os estudantes sejam ouvidos e envolvidos na construção de soluções para os problemas que comprometem a qualidade da convivência. 

Desta forma, a escola deve se interessar em conhecer a trajetória extraescolar de seus alunos e, por meio da escuta ativa, enxergá-los como um sujeito integral. A participação é geradora de sentimento de pertencimento e motivação, oportunizando melhorias nas relações sociais da escola além de contribuir para o surgimento de habilidades, potenciais e inovações que resultam positivamente no desenvolvimento do estudante.

Como criar um projeto de convivência escolar 

É importante que um programa de convivência escolar e prevenção às violências nas escolas seja inspirador, tenha continuidade e mobilize gestores, professores e estudantes para a transformação de uma escola possível, vislumbrando a ressignificação da Educação brasileira incorporada ao ensino integral.

Com base na nossa experiência de décadas trabalhando com pesquisas e ações de intervenção social para convivência e redução das violências no espaço escolar, listamos algumas recomendações para a implementação de um projeto de convivência escolar:

  • Divulgue e compartilhe com toda a comunidade escolar a proposta e sensibilize sobre a importância do programa e suas implicações para o cotidiano escolar e a qualidade do ensino-aprendizagem
  • Conte com o apoio da direção escolar e dos professores para desenvolver as propostas e colocá-las em prática
  • Abra espaço para cursos de formação com conteúdos atuais e estimulantes
  • Discuta amplamente sobre os fatores que levam a ocorrência das violências nas escolas
  • Inclua os estudantes no diagnósticos sobre violências e convivência na escola
  • Forme grupos de trabalho para pesquisar e discutir os temas e atividades presentes no programa de convivência escolar
  • Fomente o diálogo entre professores e alunos criando um espaço escolar acolhedor
  • Desenvolva mecanismos que facilitem a relação entre famílias e escola
  • Discuta as regras da escola com toda a comunidade escolar para que sejam consensuadas, não causem entendimentos dúbios e sejam cumpridas
  • Cuida da infraestrutura, conservação e limpeza do espaço físico de toda a escola e invista na qualidade da merenda
  • Estabeleça e fortaleça parcerias com outras instituições ou serviços que atuem na rede de proteção de crianças, adolescentes e jovens

* Ilustração: Midjourney 


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