publicado dia 23/10/2014

Desvendando o PNE: gestão democrática pressupõe participação qualificada

Reportagem:

Meta 19: Assegurar condições, no prazo de 2 anos, para a efetivação da gestão democrática da Educação, associada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à consulta pública à comunidade escolar, no âmbito das políticas públicas, prevendo recursos e apoio técnico da União para tanto.

selo-desvendando-pneO artigo 206 da Constituição Federal de 1988 traz entre seus princípios a gestão democrática do ensino, na forma da lei. No entanto, 26 anos após a determinação, o Brasil parece ainda não reconhecer a demanda pela democratização da gestão, que aponta para o envolvimento de outros atores nas decisões e processos das escolas. Para os especialistas ouvidos pelo Centro de Referências em Educação Integral, a sociedade ainda está muito presa à tradição de centralizar assuntos como educação e política na mão de gestores, prescindindo de seu direito de participação. Por isso, entendem que para o cumprimento da meta 19 do Plano Nacional de Educação, que prevê a efetivação da gestão democrática em dois anos, será necessária uma inversão no quadro que se apresenta. É esse debate que sustenta a penúltima reportagem da série Desvendando o PNE. Confira.

Participação como precedente

Para o diretor executivo da Agenda Pública, Sérgio Andrade, há um desentendimento sobre a concepção da gestão democrática e sua implementação. Para ele, embora a participação seja uma de suas premissas, é preciso ter mais clareza a quem ela compete e garante que ela [a gestão democrática] se efetiva a partir do envolvimento da comunidade escolar, familiares dos alunos, funcionários das escolas, estudantes e gestores nos conselhos escolares, “instância fundamental e que dá a dimensão da qualidade da educação democrática nas escolas”, avalia.

Essa organização, no entendimento do professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Elie Ghanem, propiciaria maior conhecimento das características e aspirações das pessoas a quem se dirigem os serviços educacionais, “condição amplamente reconhecida no campo da pedagogia como ponto de partida da proposição de atividades escolares”, defende.

Uma fotografia escolar

Por outro lado, é fácil notar que as decisões sobre o ensino quase nunca envolvem os estudantes e seus familiares. Em muitos casos, como observa Ghanem, nem os professores participam, o que acaba por inserir a categoria do magistério na posição de mera executora das deliberações originadas pelos órgãos superiores dos sistemas de ensino.

Em sua opinião, a solução passa pelo entendimento de que a escola é parte de uma comunidade maior e de que, portanto, precisa se abrir aos seus diversos atores e ratificar um diálogo aproximado com eles. Ghanem ainda pondera que o esforço de considerar outros interlocutores no processo de ensino aprendizagem pode tensionar para abrangência de outros aspectos da vida como integrantes das práticas educacionais: “hoje a escola se mantém distante dos traços individuais, da dimensão afetiva, da sensibilidade artística, da ação política e da vida comunitária, diretrizes necessárias para a educação integral dos sujeitos”, reconhece.

No entendimento de Sérgio Andrade, esse movimento supõe o deslocamento do olhar das unidades escolares dos seus problemas corriqueiros para uma dimensão que repense o seu papel enquanto instituição. “Aí discutiremos de fato a gestão democrática, que tem em seu cerne o projeto político pedagógico (PPP)”.

Uma construção social e política

Para os especialistas, a efetivação do PPP em uma escola diz muito sobre a atuação do conselho escolar, que tem fundamental apoio na construção de uma visão política por parte dos segmentos – comunidade, professores, pais, alunos – e da representatividade deles. Andrade entende que há um trabalho a ser realizado junto aos próprios conselheiros para que eles de fato entendam essa organização como um aparato de controle social, forma de preconizar a sua existência e valorizar a sua atuação. “Não se trata de uma célula, mas de um componente do sistema que está na escola, e que pode contar com outros instrumentos como conselhos municipais de educação, estruturas do legislativo e judiciário”, explica o especialista.

À natureza deliberativa dos conselhos cabem muitas questões próprias da escola, que acabam ficando retesadas na diretoria, como evasão escolar, distorção idade-série, demandas por formações continuadas. É preciso estabelecer essa relação de parceria a partir de proposições que qualifiquem a experiência participativa.

“Ninguém participa daquilo que não conhece. Então acho fundamental que as ações partam do acolhimento, tornando esses momentos mais interessantes”, pontua o diretor executivo da Agenda Pública. Para ele, as próprias eleições funcionam como bons indicadores da qualidade dos conselhos e do projeto pedagógico. “Há boas experiências de eleições gerais nos municípios de São João do Meriti (RJ), Fortaleza (CE) e Osasco (SP), com construção de chapas por escolas, e da representatividade, de fato”. Em seu entendimento, a meta 19 do PNE, tenta trazer respostas para essa participação mais qualificada.

Do âmbito escolar ao público

A dinâmica esperada para as escolas pode ser reforçada pela própria gestão pública, especialmente se os órgãos governamentais incentivarem o debate e a transformação das escolas em centros de debate público. Em Guarulhos, a organização municipal aspira à gestão democrática e vem compondo ações para tanto, dentre as quais se destacam a de apoio ao funcionamento dos três conselhos municipais [Conselho de Alimentação Escolar (CAE), Fundeb e Conselho Municipal de Educação], garantia de legitimidade legal dos conselhos de escola, criação de grupos de trabalho específicos para discutir e encaminhar as políticas educacionais como proposta curricular, política para jovens e adultos, avaliação, política de formação permanente, entre outras.

Segundo a prefeitura, os esforços de consolidar a gestão democrática na política do município têm como objetivo final o bem estar dos educandos. Para tanto, a pasta de educação vem se articulando a outras, como saúde, assistência social e esportes. No bojo das ações também aparece um trabalho de formação contínuo com os gestores e a demanda por uma proposta, ainda em construção, que se aplique também aos representantes da sociedade civil.

Para o secretário de educação do município, Moacir de Souza, na medida em que as políticas forem avançando, as escolas também abrirão suas portas para receber a comunidade, contribuindo com seu próprio funcionamento. O movimento processual, no entanto, “pressupõe a participação de um conjunto enorme de atores, a articulação entre rede municipal e estadual, a realização de conferências, a construção de políticas conjuntamente, a abertura das escolas e a atualização das leis educacionais”, conclui, indicando que isso leva tempo e prevê vontade política da gestão pública.

Nenhuma das metas do PNE que vence até 2016 será cumprida plenamente

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