publicado dia 13/08/2014
Educação integral e a articulação entre escola, comunidade e gestão pública
Reportagem: Ana Luiza Basílio
publicado dia 13/08/2014
Reportagem: Ana Luiza Basílio
Jonas Beltrão de Oliveira, professor coordenador do núcleo pedagógico (PCNP) da diretoria de ensino de Limeira e conselheiro municipal de educação na cidade, visualiza diversos desafios em sua atuação relacionados à promoção da educação integral. “A visão do aluno inserido em uma sociedade, em um território, em sua cultura, em meio à família aponta para um arranjo em que a escola não está sozinha. É preciso pensar a formação dele nesse contexto e também em formas de articulação em rede para o seu pleno atendimento”, discutiu o profissional durante oficinas de Educação Integral realizadas na última terça, durante 18º Encontro Estadual da União Nacional dos Conselhos Escolares (UNCME), em São Paulo.
A correlação entre escolas, comunidades, redes de atendimento e poder público, necessária para o pleno desenvolvimento das crianças, suscitou diversas questões de naturezas administrativa, pedagógica e política entre os conselheiros – maioria presente no evento. Eles também procuraram desvelar questões próprias da natureza dos conselhos e suas funções deliberativas diante do sistema municipal de educação, em diálogo com as instâncias legislativas, prevendo um contexto de gestão democrática.
Para subsidiar o debate e elucidar as questões, os especialistas presentes trouxeram contribuições de experiências que centram seus processos na figura de crianças e adolescentes e os moldam a partir de conceitos de intersetorialidade, corresponsabilização e metodologia participativa.
Cleuza Repulho, presidenta da União Nacional dos Dirigentes Municipais (Undime) e secretária de São Bernardo do Campo, falou sobre o Programa Tempo de Escola, implementado na cidade em 2010, que tem entre suas propostas a ampliação da jornada escolar e o aproveitamento dos espaços locais a partir de seus potenciais educativos.
A proposta de pensar o desenvolvimento integral dos estudantes trouxe para a gestão o desafio de articular o programa com outras políticas setoriais e mobilizar organizações da sociedade civil, o que culminou com alianças entre as secretarias de educação, esporte e lazer, cultura e desenvolvimento social e cidadania.
Cleuza explicou que o programa se fundamenta sobre os pilares do poder público, ONGs e escolas – todos com papéis estruturantes para a consecução dos objetivos da iniciativa: “O poder público contribui com verba para contratação, transporte, alimentação e uniforme; as organizações da sociedade civil cuidam do relacionamento com os educadores sociais e comunidade e oferecem materiais para as oficinas. A escola, por sua vez, promove a formação dos professores na visão da educação integral, oferece os espaços necessários para a realização das oficinas e articula a participação dos pais na comunidade escolar”.
Essa conjuntura, segundo a gestora, é responsável pela maior interação das escolas da rede com a cultura local, refletida no currículo escolar. “Claramente estas ações levam tempo, mas pequenas mudanças já têm feito a diferença na vida das crianças e adolescentes”, avalia, lembrando que o programa trouxe a prática do skate como elemento pedagógico. “De início os professores e diretores tiveram resistência, mas pouco a pouco, estão percebendo e reconhecendo a importância dos educadores e oficineiros parceiros como pares”. Hoje, o programa atende mais de 12.000 alunos de 45 escolas municipais, que majoritariamente atendem as populações maior vulnerabilidade na cidade.
A instituição Casa das Expedições , que desenvolve trabalho com crianças e adolescentes em situação de rua e/ou vulnerabilidade social desde 2005 foi outra experiência apresentada no encontro. Com o objetivo de apoiar a criança e o jovem atendido a se reconhecer como sujeito de direitos, a metodologia aposta no resgate da história de cada educando, como explicou Valéria Pássaro, diretora da instituição. “O passado serve como elemento de resgate da história do adolescente, que é convidado a recuperar e perceber sua história, de sua família, fazendo-o entender como chegou até o abrigo. O tempo presente é utilizado para que o sujeito entenda o porquê de estar naquele lugar. Já a palavra futuro aparece como linha condutora para o jovem pensar como, a partir de sua história e de seu momento atual, ele pode traçar seu futuro e planejar seus projetos de vida”.
Essa condução é embasada no projeto político pedagógico da instituição, construído em diálogo com os atendidos e instituições do sistema de garantia de direitos. Também como parte da proposta pedagógica, a instituição promove assembleias gerais, grupos de escuta por gênero (espaços para meninos e meninas separadamente), as expedições (trajetos de aprendizagem percorridos pelos educandos com os educadores) e também o Projeto Baobá, que atua por meio de um diagnóstico realizado junto às famílias dos atendidos para compreensão e acompanhamento da trajetória individual de cada um dos atendidos pela casa. As ações não só impulsionaram os jovens atendidos para situações de estudo ou trabalho, como fez com que muitos retornassem às famílias de origem; algumas famílias também se aproximaram do atendimento, em uma postura de corresponsabilização.
O desenvolvimento integral dos alunos foi amplamente defendido pela diretora Solange Turgante, que assumiu a gestão escolar da Escola Manuel Bandeira em 2013. Desde então, são recorrentes os esforços para articular ações em prol de maior participação e autonomia de cada um deles, o que inclui a participação nas decisões da unidade. Para tanto, cada classe possui seu representante, responsável por debater a pauta escolar em conjunto com os demais, sob mediação do professor. Os interesses de aprendizagem dos alunos também são considerados em meio aos projetos, que consideram ainda a formação dos professores. Embora em implementação, já são reconhecidas melhorias tanto no envolvimento dos alunos, como de seus familiares, que sentem a escola mais aberta às suas demandas.
Antônio Norberto, diretor da Escola Municipal de Ensino Infantil Chácara Sonho Azul, localizada no Jardim Ângela, em São Paulo, explicou o projeto pedagógico da unidade, “que incorpora aulas passeio ao currículo escolar”. A ideia de promover a circulação dos alunos em espaços da comunidade, como feiras populares e parques, nasceu com a proposta de aproximar a educação das necessidades e potencialidades locais, incorporando a comunidade, com suas pessoas e instituições, ao processo. A dinâmica, que aproximou a instituição inclusive dos familiares, teve como base um trabalho simultâneo com as crianças e professores. Nessa relação, professores conseguiram identificar contextos familiares, necessidades de apoio da assistência social e, principalmente, caminhos para apoiar o percurso de aprendizagem de cada um.
O bairro da zona sul da capital paulista que tem uma história de mobilização social na incidência pelos direitos da população, também foi exemplo na discussão. Especificamente na educação, a comunidade participa do plano pedagógico da EMEF Campos Salles, por meio de comissões formadas pelos movimentos sociais e pais de alunos, que atuam no sentido de promover melhorias para a unidade não só em seu aspecto estrutural, mas situações de diálogo com outros espaços, a fim de garantir acesso à cultura e ao esporte. A mudança de postura da escola, com abertura à comunidade, fez com que surgissem novas parcerias com outros espaços educativos do bairro, como os Centro da Criança e do Adolescente (CCAs), as comissões e associações de moradores, reunidas na União de Núcleos, Associações e Sociedade de Moradores de Heliopolis e São João Clímaco (UNAS), a rádio comunitária local. Segundo Marilia de Santis, gestora do centro educativo e cultural de Heliópolis, os princípios da autonomia, responsabilidade e solidariedade são o que mantém a estrutura do território.
Saberes em Rede
O programa da prefeitura de Guarulhos Saberes em Rede, criado em 2011, e que tem como objetivo promover a formação de coordenadores pedagógicos, foi mais uma das experiências discutidas na oficina. Para Sandra Soria, diretora do Departamento de Orientações Educacionais e Pedagógicas da rede municipal de ensino de Guarulhos, a iniciativa tem como proposta fortalecer a identidade profissional dos coordenadores pedagógicos, os apoiando nas teorias e concepções de ensino, e nas políticas educacionais que estruturam a rede. “Queremos disseminar os princípios de uma educação humanizadora, que prevê uma formação integral, emancipatória”, resumiu. O trabalho previu uma reestruturação metodológica a fim de garantir que os interesses dos coordenadores pudessem se associar às de natureza pedagógica da escola e estas, por sua vez, evidenciadas no plano político pedagógico e plano de ação. Essa mesma zona de interesse é considerada em meio ao processo pedagógico que prevê grupos de estudo a partir de roteiros que contribuam para a autonomia, protagonismo, corresponsabilidade e colaboração de todos os envolvidos.