publicado dia 24/05/2014
Quais são os desafios da educação integral?
Reportagem: Ana Luiza Basílio
publicado dia 24/05/2014
Reportagem: Ana Luiza Basílio
De um lado a constatação: os alunos estão cada vez mais distanciados da escola. De outro, reflexões que questionam o papel formativo desta instituição na vida dos indivíduos e apontam urgências para que o ensino-aprendizagem se efetive como um processo dialógico e compartilhado, com foco no pleno desenvolvimento das crianças e adolescentes. Mas, afinal, quais são os caminhos necessários para que o percurso pedagógico esteja alinhado às demandas da sociedade do século XXI? Confira opinião de alguns especialistas que palestraram durante a Educar Educador 2014.
Em uníssono, os profissionais ouvidos pelo Centro de Referências entendem que é preciso romper de uma vez por todas com a estrutura escolar que remonta ao século XIX: à época cabia a escola normatizadora que encarava o conhecimento como algo a ser ensinado a muitos, da mesma maneira. Hoje, as demandas são outras, como aponta o educador português António Nóvoa, que identifica três revoluções principais a serem levadas em conta para se pensar os atuais caminhos da educação.
A primeira delas, relacionada à aprendizagem, diz de uma condição libertadora, que coloca o conhecimento como algo que emancipa o indivíduo; a segunda, diz respeito aos espaços escolares que devem acolher dinâmicas de interação, partilha, colaboração e cooperação, visando a construção coletiva de um projeto educativo; e por fim, a revolução no território como cidade educadora, que reconhece a existência de educação para além da escola e aponta para a necessidade de compreender todas as dimensões educativas que existem na na sociedade.
Para Vitor Paro, professor titular da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), deve prevalecer o caráter humano da educação, sua principal tônica. “Precisamos formar sujeitos, sujeitos que se colocam diante do real”, observa. Nessa perspectiva, o educador condena a prática de grande parte das escolas: “Isso significa você repensar o seu método de ensino quando uma criança vai mal em um processo educativo, e não adotar a reprovação”, critica.
A educação deve trilhar o caminho da cidadania e, nessa perspectiva, formar cidadãos preparados para a vida, a partir de todas as suas dimensões humanas, prevendo a sua integralidade.
Há muito já se discute a educação integral como um direito do indivíduo e essa condução ao longo do tempo leva à certeza de que é preciso repensar não só os tempos e espaços de aprendizagem, como a estruturação curricular das escolas. Para Adriana Sperandio, secretária municipal de Educação de Vitória (ES), hoje os currículos escolares são muito mais ditados pelas editoras [de materiais didáticos] do que pelos objetivos formativos.
“É fundamental que os recursos e espaços estejam associados aos significados e sentidos da aprendizagem”, reforça a profissional que prevê para 2015, no seu município, sete escolas de educação integral, com uma nova proposta curricular que não prevê turno e contraturno. “Não concordo com a ideia de que os conhecimentos científicos fiquem blocados das demais atividades; vejo como uma possibilidade disciplinas obrigatórias e optativas, com escolha orientada por um tutor, de forma a visar a aprendizagem daquele aluno”, esclarece.
Segundo Ariana Cosme, professora da Universidade do Porto (Portugal), essa é uma maneira de valorizar áreas educativas que eram equivocadamente desvalorizadas na (e pela) escola.
Para Valter Pegorer, pedagogo, teólogo e ex-prefeito de Apucarana (PR), para que a educação integral se efetive, ainda que seja fundamental a escola como grande capital, só a sua existência não basta, nem tampouco o aumento do turno dos alunos – a chamada educação em tempo integral.
Pegorer é responsável pela implementação, em 2001, da Educação Integral como programa municipal em Apucarana, e cita alguns pontos fundamentais no processo. “Antes de mais nada é preciso reconhecer o papel da escola, mas entendê-la como parte de um conjunto composto pela comunidade e família; também é importante fazer um inventário, com o levantamento de espaços, estruturas e equipamentos na escola e em setores públicos e privados; criar um instrumento para auscultar as aspirações do povo; dispor de um arranjo educativo local; propor um currículo interdisciplinar e projeto político pedagógico que dialoguem com essas condições; e prever financiamento”.
Embora existam experiências positivas na oferta de educação integral, um dos riscos segundo Ariana Cosme é prever uma solução burocrática e de perfil homogêneo para todas as escolas e municípios. O modelo deve, sobretudo, olhar para as especificidades de cada território e articulação intersetorial possível.
No caso de aumentar o tempo do turno das crianças na escola, é preciso cuidar para que não haja uma hiper escolarização da vida das crianças, já que é forte a tendência pela implementação de projetos que tendem a privilegiar os pacotes mais escolares. “A resolução dos sucessos acadêmicos não passa por mais escola, mas por melhor escola, por uma aprendizagem diferente”, alerta Ariana.
Vitor Paro ainda aponta que é preciso que os projetos de ampliação de turno escolar deixem claro suas intenções pedagógicas, para que não apenas se evidenciem razões econômicas, políticas e sociais que dão margem à dualidade de interpretações pela sociedade.