Como normatizar um programa de Educação Integral?
Publicado dia 27/08/2013
Publicado dia 27/08/2013
Para implementar um programa de educação integral ou que dialogue com os pressupostos do conceito, é preciso que a gestão pública invista em orientações gerais e marcos legais regionais que possam amparar as ações das escolas, equipamentos públicos e outros órgãos de gestão. Longe de ser um instrumento restritivo, a normatização deve ser uma linha orientadora que garanta a autonomia dos atores envolvidos.
Essa autonomia deve servir ao pensamento e estruturação de programas e ações de acordo com a cultura e características da cada equipamento, comunidade e público atendido. A legislação brasileira já avançou bastante na proposição de marcos legais orientadores para os caminhos e conceitos da Educação Integral no país.
Os marcos existentes selam compromissos públicos para aumento da oferta de escolas com Educação Integral e em tempo integral, além de viabilizar aos municípios as bases estruturais para que cada cidade e estado organize o seu modelo de Educação Integral. Além dos marcos, desde 2007, o governo federal aprovou e instaurou o programa Mais Educação, que anualmente pode ser adotado por municípios que respondam às características apresentadas no edital de seleção.
Contudo, para além de programas federais, os municípios e estados têm autonomia para criar seus próprios programas, que podem ou não dialogar com a iniciativa federal. Em várias cidades, como na cidade de Rubineia, no interior paulista, o programa Mais Educação veio se somar aos esforços de educação integral já desenvolvidos pelo município.
Para Maria do Pilar Lacerda, secretária da Educação Básica de 2007 a 2012 no Ministério da Educação e atual diretora da Fundação SM, as normas estruturadas para a implementação do programa devem funcionar como uma grande caixa de possibilidades em que se dispõem conceitos norteadores e as estruturas mínimas para que a ação ou programa aconteça. Assim, os municípios e estados devem apresentar propostas gerais e oferecer condições para o desenvolvimento daquilo que esperam para os órgãos e equipamentos públicos.
Quando possível, é interessante que a gestão busque que o programa ou ação se torne Lei – ou por iniciativa popular ou em proposta enviado à Câmara ou Assembleia – para garantir sua permanência para além de um governo, como um programa público a ser mantido após possível mudança de gestão.
Além da normatização, para que um programa ou ação de Educação Integral funcione, é importante que a gestão busque assegurar alguns pontos, que servem como espécie de pressupostos mínimos para o bom resultado do conceito. De acordo com a publicação do Ministério da Educação, Caminhos para elaborar uma proposta de Educação Integral em Jornada Ampliada, é preciso que a gestão, de antemão, assuma a agenda da Intersetorialidade e Governança como foco primordiais do trabalho. Segundo o texto, “cabe ao Estado, em seus três níveis, o planejamento, a coordenação da implementação, o monitoramento e a avaliação das ações pedagógicas que ocorrem no espaço e tempo escolares e em outros espaços socioeducativos.”
A intersetorialidade, segundo outros autores em Educação Integral, é fundamental para que as ações institucionais possam acontecer de forma integrada, otimizando o aproveitamento e gestão dos recursos públicos disponíveis e coordenando equipes de diferentes setores para atuarem de forma conjunta e colaborativa. Dessa forma, atores que antes cumpriam tarefas muitas vezes insuficientes para atender determinadas demandas, ganham força e alcançam melhores e maiores resultados.
Da mesma forma, entende-se que a boa governança é fundamental para o sucesso das ações. Quando trabalhando conjuntamente, é necessário balizar e equacionar as diferentes políticas, interesses e capacidades de direção e implementação de cada órgão e equipamento envolvido. Essencialmente é ideal que haja grande transparência entre os órgãos e deles com a sociedade, buscando, inclusive que ela possa opinar em fóruns abertos e públicos na concepção e orientação das diretrizes da proposta. Para envolver a sociedade é preciso que ela se sinta parte e possa construir o processo junto com o poder público.
De acordo com a mesma publicação, “além de fortalecer contextos democráticos, [a gestão pública] deve poder alcançar objetivos comuns a um menor custo, o que potencializa novas ações.”
A intersetorialidade não descaracteriza as ações individuais dos diferentes órgãos e setores. A ideia é que cada setor possa identificar pontos de convergência na política integrada e fortaleça o trabalho desenvolvido coletivamente.
Embora exista grande autonomia para que cada município ou gestão proponha seu programa ou projeto, é importante seguir algumas linhas-guia para a normatização do programa.
O primeiro ponto é convocar as secretarias da gestão para uma agenda coletiva – a proposta da educação integral deve ser uma agenda pactuada por todos da gestão. Portanto, é preciso que estejam presentes as secretarias que dispõem do orçamento e planejamento.
Do ponto de vista das ações de educação integral, é interessante o trabalho muito próximo da Secretaria da Educação junto à da Cultura (que muitas vezes já estão sob uma mesma estrutura), da Saúde, da Assistência Social, do Esporte e do Meio Ambiente, especialmente no que diz respeito da educação ambiental.
Os pactos podem acontecer tanto na oferta compartilhada de serviços no espaço e na instituição escolar (atendimento básico à saúde, apoio ao planejamento familiar), quanto na ampliação da oferta educativa, propondo, que, por exemplo, os postos de saúde recebam escolas do entorno para atividades interdisciplinares no campo de ciências e humanidades ou que espaços dos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) possam ser usados para atividades que exijam determinadas estruturas.
Idealmente as ações – curriculares e de serviços – devem ser orientadas pelos órgãos da gestão pública, mas planejadas e implementadas individualmente pelas escolas em diálogo com os equipamentos públicos dispostos no território.
A gestão pública também pode orientar sua equipe técnica a fortalecer parcerias com instituições privadas e comunitárias. Cinemas, teatros e clubes, que muitas vezes ficam vazios durante a semana e durante o dia, podem ser aproveitados para atividades educativas das escolas. O Mais Educação prevê essa articulação e outras prefeituras, mesmo sem o programa, alcançaram esse estreitamento com a comunidade, como em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte, em Minas Gerais.
Planos de Educação
Paralelamente, a gestão pública pode e deve elaborar e implementar seu Plano Municipal ou Estadual de Educação, à exemplo do Plano de Desenvolvimento da Educação. Nele, o governo pode dispor sobre metas e ações a serem feitas para alcançar a Educação Integral na região. Idealmente, ele deve ser redigido em pleno diálogo com as escolas, com outros equipamentos públicos e com organizações da sociedade civil. É lá, por exemplo, que a gestão vai dispor do conceito de Educação Integral, afirmando, por exemplo, que para o município ou estado em questão, a educação acontece em espaços escolares e não escolares, tem a duração de determinadas horas diárias e reconhece atores da comunidade como educadores envolvidos no processo de desenvolvimento das crianças e jovens de sua comunidade.
A gestão pública – mais especificamente a de Educação – também pode orientar as escolas a repensarem seus projetos políticos ou propostas pedagógicas que favoreçam a interlocução entre a escola e a comunidade que se insere. Deve-se estimular que eles sejam feitos em diálogo na própria comunidade escolar e, quando possível, com atores externos à escola.
Para fortalecer a relação de autonomia das escolas e reconhecimento da importância da comunidade escolar, na perspectiva da Educação Integral, a gestão pública deve estimular que diretores sejam eleitos pelas suas comunidades ou que assumam o cargo por meio de concursos específicos, deixando de lado a indicação. Essa proposta pode e deve ser transformada em projeto de Lei, garantindo que não seja apenas uma ação de governo e se torne uma normatização pública duradora.
Da mesma maneira, a gestão deve estimular a criação de conselhos nas mais diversas áreas – educação, assistência, saúde ou um conselho exclusivo para educação integral, reunindo atores da gestão pública e da sociedade civil a pensar e estruturar os caminhos da política pública na área.
Novos educadores
Na agenda da Educação Integral, é fundamental reconhecer o papel do professor e apoiá-lo da melhor forma possível de acordo com as possibilidades orçamentárias de cada região. Idealmente, parte do quadro de professores deveria ter carga completa em uma escola, favorecendo o vínculo entre o docente e sua comunidade. Mesmo que impossível em um primeiro momento, este ponto pode se tornar uma agenda a ser construída no cenário do orçamento público.
Outra necessidade é investir na formação continuada dos professores, estimulando-os a trocar experiências entre si e com outras iniciativas de Educação Integral. Sempre que possível, eles devem ser convidados a refletir e repensar sua prática em diálogo com a proposta educacional do território em que atuam.
Da mesma forma, para apoiar a concretização da agenda de educação integral, a gestão pública deve estimular a contratação de novos agentes que possam gerenciar a ponte entre a escola e as instituições da comunidade em que ela esteja inserida. Esse professor também deve ser formado em acordo com as diretrizes do programa, projeto ou ação em questão.
Avaliação e Monitoramento
A gestão deve estipular desde a gênese do programa ou ação, uma cultura de monitoramento e avaliação em que os dois elementos estejam em diálogo. Para além de exames e índices, que sim, devem ser monitorados, é preciso que o município ou estado busque seu próprio método para aferir os avanços do programa. Sempre que possível, é importante que o gestor e sua equipe vivenciem “o chão da escola”, dialogando em espaços ordenados com as comunidades de suas escolas.
Seja qual for o instrumento de avaliação adotado, é importante que ele possua caráter formativo e não punitivo; e proporcione aos envolvidos um momento de reflexão e de aprimoramento de suas práticas.
Entre os elementos a serem monitorados, é importante que se olhe para o desempenho do professor em sala de aula; a relação entre o aluno e o professor; as oportunidades de aprendizagem que a escola oferece; o grau de envolvimento da comunidade no processo pedagógico.
O debate sobre a avaliação para modelos de Educação Integral ainda está em construção. Nesse sentido, o Cenpec desenvolveu uma importante publicação a respeito, que leva o nome de Cadernos Cenpec nº3 Avaliação em Educação.
Tempo x Educação
Por fim, é preciso que a gestão busque que o programa ultrapasse a ideia de turno e contraturno, em que durante uma parte do dia os estudantes participam do “ensino regular” e no período oposto, vivenciem atividades lúdicas desconectadas do processo formal de aprendizagem. Idealmente, a cada passo a gestão deve rumar para uma ideia em que a aprendizagem é construída na escola e na comunidade, em um diálogo efetivamente intersetorial e complementar.
Gestão Pública