publicado dia 09/04/2025

Educação Integral Antirracista e as reivindicações dos povos indígenas

Reportagem: | Edição: Tory Helena

🗒️ Resumo: Lançamento da publicação Diretrizes de Educação Integral Antirracista para o Ensino Fundamental, que aconteceu em Brasília (DF), em 8 de abril, destacou a importância da multiculturalidade e das contribuições dos povos indígenas para a Educação.

Os territórios, as reivindicações dos movimentos indígenas para a Educação, as contribuições dos povos de terreiros e a participação da comunidade são centrais para construir coletivamente uma Educação significativa para todas as pessoas. 

É o que mostram as experiências compartilhadas no lançamento das Diretrizes de Educação Integral Antirracista para o Ensino Fundamental: uma contribuição da sociedade civil, durante a mesa “Comunidades e Territórios na Construção da Educação Integral Antirracista”.

O encontro aconteceu no Ministério da Educação (MEC) em 8 de abril, com a participação de educadores, artistas e autoridades e contou com a parceria estratégica da Porticus, Itaú Social e MEC. É possível assistir ao evento na íntegra pelo canal do YouTube do Centro de Referências em Educação Integral. Confira abaixo:

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O debate, conduzido por Clélia Mara dos Santos, Diretora de Políticas de Educação Étnico-Racial e Educação Escolar Quilombola/SECADI/MEC, contou com a presença de Luzi Borges, diretora de políticas para povos e comunidades de matriz africana e de terreiros do Ministério de Igualdade Racial, Melvino Fontes Olímpio, da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro, Rosa Margarida, do Grupo de Estudos Afropedagógicos Sankofa, Alva Rosa Tukano, do Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena e Adriana Ferreira Rebouças Campelo, da Escola Odé Kayodé.

Diretrizes de Educação Integral Antirracista para o Ensino Fundamental 

A publicação foi desenvolvida com o apoio estratégico da Porticus pela Cidade Escola Aprendiz, Roda Educativa e Ação Educativa, em parceria com 25 organizações e movimentos sociais*. A coordenação dos trabalhos foi realizada pela pesquisadora Jaqueline Lima Santos, em parceria com Mighian Danae Ferreira Nunes, Renata Grinfeld e Silvane Silva.

O material propõe a integração entre as diretrizes da Educação Integral e da Educação para as Relações Étnico-Raciais (ERER), reconhecendo que ambas caminham lado a lado de forma indissociável no compromisso com uma Educação democrática, emancipatória, contextualizada e significativa.

Voltada para gestores de Secretarias de Educação e escolas, assim como para docentes, a publicação reúne práticas e reflexões fundamentais para garantir que os direitos dos estudantes sejam efetivamente respeitados e para enfrentar as desigualdades educacionais, especialmente aquelas que afetam as populações negras e indígenas.

As reivindicações do Movimento Indígena

O lançamento das Diretrizes de Educação Integral Antirracista aconteceu ao mesmo tempo que o Acampamento Terra Livre, a maior mobilização indígena anual pela reivindicação de seus direitos.

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Melvino Fontes Olímpio, da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro, e indígena do povo Baniwa, estava na manifestação e trouxe parte das reivindicações dos povos indígenas para sua fala durante o evento.

“Na região de São Gabriel da Cachoeira (AM), com mais de 23 povos indígenas diferentes, em territórios imensos, das cerca de 236 escolas, somente três possuem Projetos Político-Pedagógicos”, alertou Melvino.

O especialista também relatou que estas e outras escolas enfrentam a falta de formação de professores, materiais pedagógicos adequados às suas línguas, merenda e transporte escolar. 

“Falta de reconhecimento do poder público”, disse Melvino. “Continuamos errando nesse aspecto de que a Educação tem que ser igual para todos. Não é. Precisamos de uma Educação que seja do nosso jeito e temos que ter cada vez mais representatividade dentro da discussão”, reforçou.

Alva Rosa Tukano, do Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena, que é professora da Educação Básica e membro do Movimento Indígena Nacional, abriu sua fala lembrando o genocídio dos povos indígenas desde a invasão europeia, a falta de demarcação de terras e a implementação de escolas de modelo único, fatores que tornam inviável o direito à Educação.

A especialista também destacou a falta de implementação da Lei 11.645/08 e o fato de que toda a política de Educação Escolar Indígena é debatida e escrita em Língua Portuguesa, o que gera uma barreira de acesso aos povos indígenas para quem a política é destinada. 

“É um racismo estrutural […] queremos descolonizar as instituições, implementar a Lei 11.645, o currículo diferenciado, e queremos uma Secretaria Nacional de Educação Escolar Indígena com orçamento adequado”, afirmou Alva Rosa.

O reconhecimento dos povos de terreiros

Luzi Borges, diretora de políticas para povos e comunidades de matriz africana e de terreiros do Ministério de Igualdade Racial, convidou o público a refletir sobre uma noção errônea: a de que só se aprende dentro da escola. 

“Não precisa estar na escola para aprender. A escola é um lugar de certificação dos saberes e dos fazeres, mas os povos tradicionais historicamente fazem a Educação nos territórios, que são vivos e potentes de conhecimento”, explicou Luzi.

A diretora também lembrou que a escola costuma ser um espaço oportuno para a manifestação do racismo religioso. “A maioria dos casos de violação de direito nas escolas é por esse motivo, sejam professores, sejam estudantes”, disse.

Em 2024, o governo nacional assinou o decreto 12.278, que instituiu a Política Nacional para Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro e de Matriz Africana. “É pelo reconhecimento e a participação da dos povos de terreiro na produção econômica, cultural, social e educacional deste país”, afirmou Luzi.

A política também visa fomentar práticas agroecológicas, empreendedorismo, turismo, Educação Ambiental, fornecimento energético, saneamento, valorização cultural e social dos conhecimentos e das práticas dos povos de terreiro, bem como promover a proteção ambiental dos territórios dos povos de terreiro e das comunidades tradicionais.

“Para os povos de terreiro, o território é a principal parte do que somos e nós sempre estamos juntos da natureza, somos a natureza […] seu cultivo sempre foi fundamental, pois sem a terra não há existência. Não somos donos do território, só tomamos conta dele”, finalizou a diretora.

O papel da gestão e das comunidades

Para construir um currículo que considere as várias matrizes culturais presentes no Brasil, Rosa Margarida, do Grupo de Estudos Afropedagógicos Sankofa, destacou a importância de avançar na institucionalização do combate ao racismo, em cumprimento à Lei 10.639/03. Nisso, os gestores educacionais desempenham papel fundamental.

“Os gestores têm que construir e organizar efetivamente um plano gestor para a Educação das Relações Étnico-raciais que tem que ser articulado e coletivo, e certamente as Diretrizes elas vão ajudar nesse caminho”, afirmou Rosa.

A especialista orientou que esse plano gestor preveja tempo para formação em serviço dos profissionais da Educação e trocas com a comunidade. “Tem que aprofundar os laços”, disse.

“Não se faz uma uma Educação Integral e antirracista sem levar em conta os sujeitos sociais concretos que estão no espaço comunitário […] tem que haver trocas de saberes, aprendizado mútuo, agendas coletivas […] e a comunidade tem que participar na ação de fazer e refazer os documentos internos escolares”, afirmou a especialista.

Como funciona uma escola antirracista

Em Goiás (GO), existe uma escola que une Educação, cultura, arte, oralidade e espiritualidade, e cujo nome remete à alegria. É a Escola Pluricultural Odé Kayodé. 

“Seu nome significa ‘o caçador traz alegria’ e pensamos um projeto de Educação que de fato traga alegria. Ninguém aprende sem esforço, mas que seja um esforço pautado na alegria, em um lugar onde as crianças queiram estar”, disse a educadora Adriana Ferreira Rebouças Campelo.

O pilar central da escola é o reconhecimento da identidade plural brasileira, então a escola investe em elementos, artes e tecidos africanos e indígenas para que as crianças se reconheçam nesse espaço.

As rodas de conversa são comuns, já que estar em roda com os colegas e educadores ajuda a não hierarquizar as falas. A escola também possui um governo mirim, com pelo menos dois presidentes(as) e uma série de deputados das turmas. 

“No projeto ancestralidade, que valoriza a história de cada um e sua ancestralidade, avós e avôs, até bisavós e bisavôs, vem na escola contar um pouco de sua história, de sua trajetória”, relatou Adriana.

A publicação Diretrizes de Educação Integral Antirracista para o Ensino Fundamental: uma contribuição da sociedade civil foi criada sob coordenação da Cidade Escola Aprendiz, Roda Educativa e Ação Educativa, com apoio da Porticus, e contribuição das seguintes organizações, movimentos sociais e especialistas:

Ashoka e Movimento pela Inovação na Educação, Avante – Educação e Mobilização Social, Azania – Grupo de Estudos e Pesquisas em Cultura, Gêneros, Sexualidades, Raça, Classe, Performances, Religião e Educação – UNILAB/CE, CENPEC, CONAQ – Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos,  Escola Estadual Indígena Tenente Antônio,  Escola Municipal de Ensino Fundamental Waldir Garcia,  FOIRN – Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro,  Geledés Instituto da Mulher Negra,  Instituto Acaia, Instituto Alana, Instituto Amma Psique e Negritude, Instituto Rodrigo Mendes, Itaú Social, Núcleo de Estudos Africanos, Afrobrasileiros e Indígenas da Universidade da Integração da Lusofonia Afrobrasileira, Núcleo de Estudos Afrobrasileiros da Universidade Federal de São Carlos, Núcleo de Estudos da Amazônia Indígena da Universidade Federal do Amazonas, Núcleo de Estudos Afrobrasileiros e Indígenas da Universidade Federal do Maranhão, Observatório da Branquitude, Profª Claudia Santos – do Observatório Nacional de Educação Integral da Universidade Federal da Bahia, Profª Gina Vieira Ponte – do Conselho Consultivo do Centro de Referências em Educação Integral, Profª Tania Mara – Secretária Municipal de Educação de Santa Bárbara D’Oeste e UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância.

Educação Integral Antirracista: como superar o racismo e promover a equidade nas escolas

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