publicado dia 23/10/2024

Especialistas apontam como escolas cívico-militares ferem direitos, em audiência pública do STF

Reportagem:

🗒 Resumo: Na contramão da política federal, o governo do Estado de São Paulo aprovou o Programa Escola Cívico-Militar em maio. Partidos políticos pedem a extinção do programa, que foi o centro dos debates de uma audiência pública realizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para levantar insumos para a decisão da Corte. Saiba como foi a discussão.

Para discutir o Programa Escola Cívico-Militar no Estado de São Paulo, o Supremo Tribunal Federal (STF) realizou uma audiência pública nesta terça-feira (22/10). A sessão foi convocada pelo ministro Gilmar Mendes após o PSOL e o PT apresentarem as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7662 e 7675, respectivamente.

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O programa paulista foi instituído pela Lei Complementar 1.398/2024 em maio deste ano pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). Durante a votação, houve uma truculenta repressão a opositores à proposta. 

O modelo cívico-militar deve alcançar de 50 a 100 escolas do Estado entre este e o próximo ano, sejam novas unidades ou a conversão de escolas públicas de Ensino Fundamental, Médio e de Educação Profissional já existentes. Entenda os 4 eixos centrais do modelo.

O programa vai na contramão das decisões federais. Em julho de 2023, o governo Lula começou a extinguir o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), lançado em setembro de 2019 pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL). O modelo foi uma das principais bandeiras de seu governo. 

Agora, o PSOL e o PT pedem a extinção do programa estadual paulista. Entre outros argumentos, os partidos afirmam que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) não dá respaldo ao modelo cívico-militar ao prever a presença de policiais militares em atividades escolares e desvirtuar a gestão democrática da escola pública.

Em junho deste ano, a Advocacia-Geral da União (AGU) também enviou ao STF um parecer a favor da inconstitucionalidade do modelo com base nestes mesmos pontos.

O debate em torno das escolas cívico-militares

O ministro Gilmar Mendes convocou uma audiência pública sobre o Programa Escola Cívico-Militar no Estado de São Paulo para coletar dados e argumentos especializados e apoiar a Corte na tomada de decisões “à luz dos princípios constitucionais da liberdade de aprendizagem, ensino e pesquisa”, disse o ministro.

Ao longo do dia, mais de 30 expositores discutiram o modelo, suas diferenciações das escolas convencionais até o impacto orçamentário das escolas cívico-militares. Estiveram presentes educadores, juristas, parlamentares, autoridades e representantes de órgãos públicos e de entidades da sociedade civil, que apresentaram pontos favoráveis e contrários à proposta.

Os defensores das escolas cívico-militares argumentam, principalmente, que essas escolas poderiam contribuir para melhorar a disciplina dos estudantes e combater violências, além de incutir um “senso de responsabilidade e respeito às normas”, e incentivar o “patriotismo, a cidadania, o amor e o respeito pelo povo brasileiro e os símbolos maiores da pátria”.

“Princípios rígidos como disciplina e hierarquia, muitas vezes, não dialogam com a estrutura democrática e inclusiva que devem permear o ensino no Brasil”, disse Rodolfo de Carvalho Cabral, representante do MEC.

Representantes da União presentes na audiência rechaçaram o modelo. Flávio José Roman, da AGU, retomou a manifestação do órgão pela inconstitucionalidade da norma e reforçou que “Não há um terceiro modelo que combine elementos de gestão e pedagogia militar com currículo estabelecido pela LDB”.

Pelo Ministério da Educação (MEC), Rodolfo de Carvalho Cabral, que é consultor jurídico do órgão, argumentou que não há evidências de que estas escolas possam solucionar problemas relacionados ao contexto de vulnerabilidade em que elas se encontram, outro ponto defendido pelo governo Tarcísio para implementar as escolas.

“Princípios rígidos como disciplina e hierarquia, muitas vezes, não dialogam com a estrutura democrática e inclusiva que devem permear o ensino no Brasil”, disse Cabral.

Com ele concordou Gabriele Bezerra, do Núcleo Especializado da Infância e Juventude da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, ao afirmar que a indisciplina na escola é multifatorial “e precisa ser enfrentada com intervenções pedagógicas articuladas”.

Cabral também citou a questão do elevado financiamento do programa. No Pecim, 200 unidades participantes do programa federal consumiram 98 milhões de reais entre 2020 e 2022. O Brasil possui 178,3 mil escolas públicas. 

“Os investimentos robustos para manter militares reformados nas escolas públicas de Ensino Fundamental e Médio em atividades de assessoria e suporte não condizem com a realidade de escassez de recursos que a rede de ensino consegue mobilizar para o pagamento de seu próprio pessoal”, disse Cabral.

Denise Carreira, professora na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), trouxe pesquisas acadêmicas que mapeiam aspectos dos programas de escola cívico-militares que ferem o direito à Educação e demais direitos humanos. 

Há diversos relatos de perseguição a profissionais de Educação e a estudantes que questionam a ordem militar e a censura a conteúdos críticos, como os relacionados à história brasileira, à diversidade sexual e às mudanças climáticas.

A influência da polícia e seus valores no trabalho pedagógico e nas relações que se estabelecem na escola são próprias desse processo. “As unidades escolares passaram a ser chamadas de escolas da polícia militar”, disse Catarina de Almeida Santos, professora na Universidade de Brasília e membro da Rede Nacional de Pesquisa sobre Militarização da Educação (RePME). 

Além das aprendizagens, em última instância, a militarização escolar rompe com a garantia do acesso e permanência na escola pública, contribuindo para a exclusão dos estudantes mais vulnerabilizados. 

É o que defendeu Fernando Cássio, da Rede Escola Pública e Universidade (REPU). “Não há diferença prática entre a militarização escolar e o processo de privatização”, afirmou.

*Foto: Andressa Anholete/STF

Assista à audiência pública na íntegra:

Fim do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM) não acaba com escolas militarizadas, diz especialista

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