publicado dia 17/05/2024

Crise climática: como o Rio Grande do Sul organiza a reabertura das escolas 

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Resumo: Em meio à emergência climática extrema causada pelas chuvas e enchentes no Rio Grande do Sul, escolas e secretarias de Educação se organizam para garantir o direito à Educação de crianças e adolescentes. Entre os desafios, estão a busca ativa pelos estudantes e o acolhimento dos educadores.  Nesta outra reportagem, saiba mais sobre como a crise climática impacta o direito à Educação.

As Secretarias de Educação estadual e municipais do Rio Grande do Sul começaram a reabrir suas escolas em meio ao contexto de emergência climática na região. Desde o dia 7/05, as unidades que foram atingidas, mas tiveram condições, retomaram suas atividades. Agora, as redes concentram esforços para receber a totalidade das crianças e adolescentes do estado em suas escolas.

“A escola integra o Sistema de Garantia de Direitos e é estratégica para endereçar as demandas geradas pela situação ambiental extrema no Sul. Ela é um equipamento estratégico para identificar violações e restaurar direitos”, explica Raiana Ribeiro, Diretora de Programas da Associação Cidade Escola Aprendiz.

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Para apoiar a retomada das aulas, o governo federal disponibilizou mais de R$ 10 milhões para garantir o funcionamento e a melhoria da infraestrutura física e pedagógica das escolas. O Ministério da Educação (MEC) também autorizou a flexibilização do calendário escolar no Rio Grande do Sul. As diretrizes estão descritas no Parecer 11 do Conselho Nacional de Educação (CNE) e incluem a possibilidade de realização de aulas remotas e o uso de espaços alternativos para atividades pedagógicas.

Com a flexibilização, através da implementação de currículo ininterrupto de duas séries ou dois anos escolares, a carga horária deste ano pode ser cumprida pelas redes em 2025. “Nosso critério de retorno é que a escola esteja segura. Ela não pode estar com a infraestrutura abalada, precisa ter acesso a água, luz, internet e professores”, explica Raquel Teixeira, Secretária de Educação do Estado do Rio Grande do Sul.

O retorno pelo território será diversificado e haverá mais de um calendário escolar nas redes. Há regiões que realizarão atividades remotas ou híbridas, e a rede busca formas de garantir o acesso a equipamentos e conectividade para os estudantes. Outra estratégia é identificar pontos nas cidades onde professores e crianças e adolescentes possam se encontrar para realizar as atividades. Nas escolas que funcionam como abrigos, as quadras e pátios seguem atendendo à comunidade, enquanto as salas de aula serão destinadas às atividades pedagógicas.

Em cooperação, as Secretarias realizam um mapeamento das vagas estaduais e municipais para que as crianças e adolescentes possam ser inseridas nas unidades mais próximas de onde estão no momento, independentemente da rede e de sua matrícula original, e fiquem o mínimo possível fora da escola.

“A colaboração entre os entes da federação se torna mais relevante do que nunca. É fundamental que haja uma articulação entre municípios, estado e união em torno de de uma estratégia integrada que garanta efetivamente o direito à Educação no contexto de crise como o que atinge o Sul do país neste momento”, reforça Raiana.

Busca ativa: a retomada do vínculo com cada um dos estudantes

Em Porto Alegre, no bairro Humaitá, a EMEF Vereador Antônio Giúdice está embaixo d’água e sem previsão de quando será possível retomar as atividades. Enquanto isso, os educadores somam esforços para encontrar e acolher os estudantes. Os grupos de WhatsApp e as páginas no Instagram da escola, organizados durante a pandemia, têm sido atualmente  os principais recursos para acessar as famílias, crianças e adolescentes. 

“Temos feito lives para perguntar como estão nossos estudantes. Queremos conversar com eles, saber onde estão, se estão em segurança e se precisam de algo. Essa é a prioridade”, relata Rosane Kjellin, diretora da unidade. Em uma planilha, a escola cadastra a situação, localização e os meios para entrar em contato com cada um dos estudantes. 

Há famílias que compartilharam sua situação de vulnerabilidade e a escola forneceu doações de roupas, alimentos e produtos de higiene pessoal. “Como o deslocamento está muito difícil, mobilizamos uma rede de apoio. Então se temos famílias em Gravataí ou Canoas, buscamos quem está lá e pode ajudá-las”, explica Rosane.

Enquanto isso, a Secretaria de Educação do Estado recorreu ao Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o Ministério Público e outros parceiros para criar uma nova metodologia de busca ativa que possa dar conta dos desafios excepcionais do contexto.

Isso porque a busca pelos estudantes, que é de responsabilidade do poder público, depende essencialmente de documentos, muitos deles perdidos nas enchentes. “Nada do que a gente sabia se aplica mais. Estamos fazendo uma reinvenção total desses processos”, relata Raquel. 

O esforço de encontrar os estudantes, entender sua situação e do que precisam para voltar e permanecer na escola é muito mais difícil na sequência de um desastre, mas por isso mesmo, fundamental. “Especialmente para crianças mais vulneráveis, é preciso saber onde ela está morando agora e do que precisa. Depois, o grande desafio vai ser integrar os múltiplos setores da política pública para atuarem juntos e garantirem a proteção social de todos”, diz Danilo Moura, oficial do clima e meio ambiente do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

Acolhimento: das equipes das Secretarias à comunidade escolar

Crise Limática: Impacto das chuvas em escolas do Rio Grande do Sul

Escola de Educação Infantil em Porto Alegre (RS) alagada após as chuvas e enchentes que atingem o estado.

Crédito: Júlia Azevedo/SMED/Prefeitura de Porto Alegre

Para terem condições de realizar esse trabalho, é fundamental que as equipes das Secretarias e das escolas, também impactadas pelas chuvas e enchentes, sejam acolhidas em primeiro lugar. Só assim podem ter condições de receber os estudantes e suas famílias. 

A rede municipal de Porto Alegre está contratando psicólogos para reforçar a equipe de apoio aos seus profissionais e realizar formações em Pedagogia da Emergência. Criada pelo professor alemão Bernd Ruf, a metodologia utiliza princípios da pedagogia Waldorf e defende a utilização de recursos artísticos e de expressão corporal para lidar com situações extremas.

Além disso, a Secretaria já possuía um núcleo dedicado a trabalhar com questões de acolhimento e de enfrentamento às violências de forma permanente, e que agora também apoia e organiza atividades e momentos de escuta dos profissionais da rede.

“Esse tipo de evento deixa marcas profundas em todas as pessoas. Vamos precisar de uma política ampla e permanente de atenção e cuidado em saúde mental. O que não podemos fazer é esperar a água baixar e achar que vamos voltar à vida normal. Gostaríamos que fosse simples assim, mas precisamos estar preparados para lidar com as dificuldades que as pessoas vão enfrentar”, alerta Danilo.

Por um novo currículo em meio à crise climática 

Um clima em transformação, que afeta pessoas e territórios de maneiras extremas, demanda que as escolas adequem seu Projeto Político Pedagógico (PPP) e currículo à nova realidade. O objetivo é que crianças, adolescentes, jovens e suas famílias possam ter acesso aos seus direitos frente à crise climática e conheçam os caminhos para cobrar o poder público por ações e reparações.

Uma Educação que mobilize conhecimentos para transformar a realidade também se faz indispensável. “Essa é uma contribuição da Educação Integral, porque ela concebe as escolas como centros de produção de conhecimento dos territórios, espaço de múltiplos saberes e sujeitos diversos, com potencial de catalisar e irradiar as demandas e proposições das comunidades ”, afirma Raiana.

Segundo ela, é bem provável – e desejável – que a situação no Sul do país, a seca na Amazônia, as queimadas no Pantanal, as ondas de calor no Sudeste, entre outros episódios recentes, mobilizem escolas e redes a fortalecerem seu papel diante das mudanças climáticas e dos impactos gerados pela ação humana na Terra.

“Isso diz da urgência de currículos contextualizados e críticos, que fomentem a investigação não somente dos comportamentos individuais que nos levaram a esse estágio atual, mas que contribuam para que as novas gerações compreendam e possam intervir na complexa trama de relações e dinâmicas que influenciam as questões ambientais.”

Para Danilo, também é essencial fortalecer as escolas enquanto âncoras na comunidade que podem apoiar medidas emergenciais, informando as pessoas sobre riscos, expectativas e o que fazer em caso de eventos extremos.

“Também é preciso fortalecer a política de Educação Ambiental no Brasil. Se a crise climática vai ser o tema mais importante nas próximas décadas, ela tem que fazer parte da Educação. Seria um desserviço enorme deixar que as crianças e adolescentes não estejam preparados e informados sobre o que está acontecendo com o mundo, as causas, consequências e como responder a isso”, defende Danilo.

Como a crise climática no Rio Grande do Sul impacta o direito à Educação 

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