Almirante Tamandaré (PR), onde o tempo integral acontece no território
Publicado dia 26/06/2023
Publicado dia 26/06/2023
O tempo integral em Almirante Tamandaré (PR), na região metropolitana de Curitiba, não se restringe à escola. Após um período na unidade, os estudantes realizam atividades em bibliotecas e quadras do bairro, e até na casa de um senhor que cultiva uma horta. Nessa extensão das escolas e no trabalho intersetorial, cria-se toda uma cidade educadora que faz uma pactuação em torno da proteção integral de suas crianças e adolescentes.
Todas as 55 unidades educacionais trabalham a partir da concepção de educação integral. Isto é, olham para os sujeitos em todas as suas dimensões, priorizam a garantia de seus direitos e articulam-se aos territórios.
Dez destas unidades funcionam em tempo integral. Uma parte do turno se dá na própria escola e a outra metade, no território. Este é o Rotas Integradas de Direitos, um programa que está em expansão e vai alcançar toda a rede.
A iniciativa surgiu no contexto da pandemia. Com o fechamento das unidades, ficou evidente a necessidade de que outros agentes do território e a comunidade se responsabilizassem pelo cuidado e educação de todas as crianças e adolescentes.
Uma primeira experiência começou com as Casas Sementeiras, em que pessoas da comunidade entregavam materiais e atividades escolares para os estudantes que moravam próximos às suas residências, além de conversar sobre como estava sendo o período para eles e observar potenciais violações de direitos.
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” – Artigo 227 da Constituição Federal
“Esse projeto trouxe um senso de corresponsabilidade e a comunidade aprendeu que todos temos que cuidar das crianças e que a permanência na escola depende de todos”, diz Jucie Parreira, Secretário de Educação de Almirante Tamandaré. Com isso, na reabertura das escolas, houve espaço para avançar na consolidação de uma cidade educadora.
“A escola tem uma função social, mas exige a parceria de todos os demais atores, como diz o Artigo 227 da Constituição, para efetivar os direitos e o desenvolvimento integral das crianças e adolescentes. Por isso, a rede de proteção foi convocada, junto a toda a comunidade e território, de maneira integrada e corresponsável”, explica Jucie Parreira, Secretário de Educação de Almirante Tamandaré.
Cada criança e adolescente possui sua própria rota, de acordo com suas demandas e interesses, e utilizam a estrutura da rede de proteção e todos os equipamentos do território.
Algumas fazem as refeições na unidade, outras utilizam outros espaços próprios para alimentação fora da escola, como um armazém. Há quem utilize quadras esportivas e bibliotecas dos bairros e participe de atividades na Unidade Básica de Saúde (UBS), na Assistência Social, em centros religiosos, além de praças e parques. Há, ainda, a horta do Seu Gaspar, que recebe estudantes em sua casa para ensinar sobre o cultivo de plantas e a produção de alimentos.
“O território que não tinha biblioteca, agora tem, e os equipamentos de Esporte estão mais distribuídos. Tudo isso tem contribuído para desemparedar as infâncias e fortalecer o vínculo comunitário. Se fechar a escola, se o estudante for para a rede estadual, continua com o vínculo com os outros atores”, afirma Jucie.
O programa, além de garantir os direitos dos estudantes, é uma forma de lidar com a falta de recursos. O município de 124 mil habitantes integra o G100, que reúne as 100 cidades brasileiras mais populosas com a menor receita per capita e alta vulnerabilidade socioeconômica. O território é marcado por desigualdades, fome, desemprego e violência contra mulheres e jovens.
“Desde 2017 um conjunto de professores começou a apostar na articulação entre escolas e território para enfrentar essas violências, e vemos muita melhora nesse sentido, com menos violência e mais pertencimento. Essa também é uma forma de usar os recursos de outras áreas para somar aos da Educação e possibilitar coisas que nós, sozinhos, não teríamos dinheiro suficiente para realizar”, elucida o Secretário de Educação.
Em Almirante Tamandaré, a gestão democrática é o princípio básico de todas as ações. Fazem valer os conselhos escolares, como prevê a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e o Projeto Político Pedagógico de cada unidade é escrito pela própria comunidade escolar. “Tudo isso permite que apareçam as demandas e as potências de cada território”, explica Jucie.
O currículo municipal também foi construído em parceria com toda a comunidade. Ela será responsável por se reunir com as famílias e estudantes para acompanhar e avaliar a execução do currículo e a qualidade da educação ofertada.
“O conceito de qualidade da educação é referenciado nas realidades. Então olhamos para quantos educandos são atendidos, se houve redução de casos de violência, se tem aumento de efetivação de direitos, no número de equipamentos, se há saneamento básico e água potável, porque tudo isso diz respeito a uma boa educação”, explica o Secretário.
Desde o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é previsto que todos os atores de um município que trabalham com as infâncias e juventudes em diferentes áreas se reúnam no mínimo uma vez por mês para discutir estratégias de proteção.
“Historicamente, esse grupo se encontra para falar sobre como lidar com uma violência que já aconteceu. Aqui, discutimos como promover direitos e prevenir violências”, diz Jucie.
A partir de todas essas trocas e conversas, quando um grupo identifica uma demanda, levam um pedido para a Câmara Municipal, que elabora a política pública necessária. “Depois o prefeito só sanciona. É de baixo para cima, porque ninguém sabe melhor de suas realidades do que essas redes”, defende o gestor.
A formação continuada de professores acontece entre os pares e com educadores de diferentes escolas, agrupados por territórios, independentemente da área que lecionam. Uma vez por mês eles se encontram e pensam os objetivos de aprendizagem e as demandas da vida dos estudantes como um todo.
“É uma formação horizontal que permite pensar novas estratégias para cada região”, explica Jucie. Há, ainda, formações realizadas pela Secretaria de Educação e pelas próprias unidades, conduzidas pelos coordenadores pedagógicos.
Além de investimentos do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) e do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), o município conta com a produção de recursos da comunidade junto à Prefeitura.
No Transporte, além do programa municipal, criaram o projeto Caminhadores da Comunidade, em que adultos do bairro acompanham crianças e adolescentes a pé até suas escolas.
Na área de Esporte, que recebe recursos para a infância, fizeram parceria para atenderem as escolas do bairro com prioridade. “Fazemos com que a falta de orçamento seja dividida com todos, fazendo valer o que já existe nos territórios. Por isso é muito importante conhecer o Orçamento das outras pastas”, explica Jucie.
Na contratação de professores, priorizam servidores efetivos e concursados. “As merendeiras também são concursadas porque isso garante a continuidade da política de alimentação da unidade. São as pessoas que mantêm toda essa política de pé”, observa.
*Fotos: Secretaria Municipal de Educação de Almirante Tamandaré (PR).