publicado dia 06/04/2023
“Novo Ensino Médio está ferindo os direitos dos adolescentes”, diz Cesar Callegari
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 06/04/2023
Reportagem: Ingrid Matuoka
O governo federal anunciou, nesta segunda-feira (3/4), que a implementação do Novo Ensino Médio (NEM) e as mudanças no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) em 2024 estão suspensas.
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A medida anunciada suspende a portaria 521, publicada em julho de 2021, que define o cronograma de implementação do Novo Ensino Médio e estipula que o Enem precisaria se adequar ao novo currículo da etapa em 2024. Assim, o Exame não será adaptado aos itinerários formativos.
Não se trata, ainda, da revogação da política, demandada por estudantes, professores(as) e outros setores da Educação. Para tanto, a revogação terá de passar pelo Congresso Nacional, porque a política foi instituída por lei, e só passaria a vigorar no ano que vem.
Em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral, Cesar Callegari, sociólogo, educador e presidente do Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada, afirma que a suspensão não é suficiente para dar conta dos prejuízos que a política vem causando para estudantes e profissionais da Educação.
“É preciso revogá-la porque essa política está ferindo os direitos dos adolescentes, promovendo a exclusão de muitos jovens no ingresso no Ensino Superior e no mercado de trabalho”, defende Cesar, que também foi Secretário de Educação Básica do MEC e Secretário Municipal de Educação de São Paulo (SP). Leia a entrevista na íntegra:
Cesar Callegari: É inócua, porque o ano letivo de 2023 já está em andamento, então os problemas não serão suspensos. Talvez sirva para acalmar os ânimos dos que têm se colocado contra essa reforma do Ensino Médio.
Além disso, o ENEM 2024 não vai mudar porque não pode mudar, não há condições de produzir um exame com a instabilidade e heterogeneidade que reina no país em relação à implementação do Novo Ensino Médio.
CC: Sou favorável à revogação dessa lei, o que implica na construção de uma proposta alternativa. Não adianta só revogar, temos que ter a capacidade de produzir um novo modelo, que tem que passar por amplo debate nacional, em que profissionais da educação e estudantes sejam protagonistas. Eles não tem que ser só ouvidos, tem que participar da elaboração dessa nova proposta.
E é preciso revogá-la porque essa política está ferindo os direitos dos adolescentes, promovendo a exclusão de muitos jovens no ingresso no Ensino Superior e no mercado de trabalho.
“O melhor seria a edição de uma Medida Provisória cirúrgica apenas no que diz respeito a eliminar o limite máximo de 1800 horas para a parte do currículo geral obrigatório”, defende Cesar Callegari
Esse Ensino Médio não dá condições para isso, o que leva ao aumento das desigualdades, proporcionando para a juventude mais privilegiada melhores condições do que para as mais vulneráveis.
De qualquer forma, ela só entraria em vigor no ano que vem. E quem está na escola hoje? Então o melhor seria a edição de uma Medida Provisória cirúrgica apenas no que diz respeito a eliminar o limite máximo de 1800 horas para a parte do currículo geral obrigatório.
Com isso, os sistemas de ensino teriam condições, desde já, de promover adequações para eliminar esse festival de improvisações que tem produzido efeitos nocivos em relação aos itinerários formativos.
CC: Quando recebemos a proposta do Ministério da Educação em relação à Base Nacional Comum Curricular, não havia nenhuma indicação sobre os direitos de aprendizagem relacionados aos itinerários formativos.
A coisa ficou tão ampla que em um Estado como São Paulo há mais de 270 opções de itinerários formativos, a maioria dos quais sem nenhum tipo de orientação curricular ou metodológica, com improvisação de materiais, locais e equipamentos.
“Quando eles fazem essa escolha dos itinerários formativos, muitas vezes são frustrados, porque o que eles escolheram nem é oferecido ou não é com qualidade”, aponta o especialista.
Em relação aos educadores responsáveis, na necessidade de comporem sua jornada de trabalho, são obrigados a assumir aulas em itinerários formativos que não tem noção do que se tratam. Nem eles e nem os alunos recebem materiais. Com isso, os estudantes logo percebem que essa parte do currículo não faz nenhum sentido e nem sequer frequentam.
Também forçam o jovem brasileiro a fazer escolhas muito cedo. Já com 14 ou 15 anos de idade ter que decidir que seu projeto de vida vai ser na área de Ciências da Natureza, por exemplo, é muito precoce. E aí quando eles fazem essa escolha dos itinerários formativos, muitas vezes são frustrados, porque o que eles escolheram nem é oferecido ou não é com qualidade.
CC: É um problema difícil, com soluções complexas. O Ensino Médio tem que fazer sentido para os estudantes e esse sentido se dá pela maneira como o processo educacional é organizado.
Quando se fala em ampliar a jornada escolar para tempo integral, muitas vezes se desconhece a condição de muitos estudantes brasileiros que fazem parte da renda da família e têm outras ocupações.
Se quiserem assegurar que o jovem brasileiro, sobretudo das camadas populares, tenham condições de ficar na escola o tempo inteiro, tem que oferecer apoio financeiro para permitir que eles deixem de buscar renda em outras atividades.
CC: Não houve investimentos na formação continuada de professores. Então um docente de Biologia é compelido a aceitar dar aulas de Física sem nenhum conhecimento a respeito de Física. Isso se repete em muitas outras áreas, o que prejudica gravemente o processo de ensino e aprendizagem.
“As condições de exercício do magistério pioraram de maneira insuportável”, diz Cesar Callegari.
É uma total degradação da condição dos profissionais e do aumento absurdo do estresse e desgaste, já que eles são postos a fazer um trabalho que não tinham como se preparar e a lidar com tensões em sala de aula produzidos por esses descalabros todos.
As condições de exercício do magistério pioraram de maneira insuportável, tanto que hoje muitos acabam procurando migrar para as redes municipais de Educação.