Como a EMEF Adolfina Diefenthäler concretiza a gestão democrática
Publicado dia 10/02/2023
Publicado dia 10/02/2023
Como acontece a gestão democrática de uma escola na prática? Em uma sala sem a presença do professor, os estudantes da EMEF Profª Adolfina J. M. Diefenthäler, em Novo Hamburgo (RS), começam a discutir o que querem mudar na escola. Um tapete novo, uma troca de fechadura quebrada, mudar a cor do uniforme e ir ao banheiro sem pedir autorização. Estes são alguns dos pedidos que já surgiram nas assembleias mensais realizadas por toda a comunidade escolar há 13 anos, e que tornam possível e concreta a gestão democrática.
Leia + O que é gestão democrática?
“Tem coisas que a gente não muda porque ninguém levantou a questão. Com muita gente falando, levantam questões diferentes, então não é só a gestão dizendo como a escola tem que ser”, diz Joice Lamb, coordenadora pedagógica na escola desde 2012 e membro da Conectando Saberes.
A gestão democrática da escola é especialmente importante para que ela se mantenha fazendo sentido para todos os sujeitos envolvidos e contemporânea em relação a seu próprio tempo.
“É difícil colocar coisas inovadoras em prática sozinho. Fazer junto melhora as relações, a aprendizagem, a vontade de estar na escola. Ela se torna um lugar em que eu posso ser eu, dizer o que penso, os outros escutam e eu aprendo a escutar”, avalia Joice.
Gestão democrática nas escolas é lei. A Constituição Federal de 1988 aponta a gestão democrática como um dos princípios para a educação brasileira. Posteriormente, ela foi regulamentada por leis complementares como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e o Plano Nacional da Educação (PNE).
A coordenadora pedagógica assegura que realizar as assembleias não é algo complexo de se fazer porque a estrutura é simples e, em vista dos ganhos alcançados, valem a pena.
“Alunos, professores, funcionários e famílias estão se constituindo em um conceito de igualdade, respeito e empatia. Todos sabem que têm direitos e que eles são respeitados e assegurados pelas assembleias. Isso é essencial para aprender e exercitar a democracia desde a escola até associação de bairro, conselhos comunitários e outras associações da sociedade civil”, pontua Joice.
Todos os meses acontecem três assembleias na escola: a de professores e funcionários, a de familiares e a de crianças e estudantes. É esse processo que sustenta a gestão democrática. Como um fórum aberto, todos podem levar suas demandas e questões livremente, em vez de a gestão elencar o que debater. “Nenhum assunto é proibido”, reafirma a coordenadora pedagógica.
O grupo dos estudantes é o mais expressivo, com 750 crianças e adolescentes, e também o mais atuante. Com as crianças da Educação Infantil, as educadoras são responsáveis por anotar as ideias dos pequenos, que sabem bem o que querem.
“Eles têm muito a dizer e sabem argumentar. Com eles, há até mais participação do que com os maiores, porque a vergonha é algo que eles vão construindo ao longo do tempo”, conta Joice.
A partir do 4° ano, os professores saem da sala e deixam os estudantes, ao longo de uma hora, discutindo e anotando suas demandas em um caderno. Os pontos levantados são analisados por uma comissão formada por professores, gestores e representantes de turmas. Em seguida, dá-se início a um processo de negociação e implementação das mudanças.
Uma vez por mês, os estudantes levam patinetes, patins e bicicletas para brincar no recreio, que passou a durar mais tempo para dar conta da empolgação das crianças. O Recreio Sobre Rodas, como agora é chamada a data permanente da escola, é uma das conquistas que as turmas alcançaram por meio das assembleias.
“Tem coisas que não teríamos como imaginar sozinhos que eram necessárias. Muitas delas não alteram tanto o nosso planejamento de escolas, mas fazem uma diferença enorme para a qualidade da convivência, para a vida e o desejo deles”, observa Joice.
Entre as questões que já apareceram nas assembleias, houve uma reclamação de que as aulas de Matemática não estavam boas por parte dos estudantes, percepção compartilhada por algumas educadoras.
“Elas enxergavam que os alunos não estavam aprendendo Matemática o suficiente”, relembra o professor Thiago Nogueira Rosa, professor para os Anos Finais do Ensino Fundamental da escola.
Uma das formas de resolver o problema envolveu a criação de uma gincana com todas as turmas da escola com desafios semanais para trabalharem a Matemática. “Impulsionou muito o interesse dos alunos”, afirma o educador, que também nota a diferença que a gestão democrática faz em sua própria atuação:
“Há um lugar para compartilhar problemas, propor ideias e debater com os colegas, não apenas com a gestão. Isso me ajuda a colaborar melhor com a escola e me faz mais ativo aqui”, diz.
Questões que envolvem outras turmas, funcionários ou famílias, são discutidas em novas reuniões com a participação de todos os envolvidos na questão. Quando o tema envolve muitas pessoas, recursos, e se torna mais complexo, ele é levado para outro tipo de reunião: a Conferência Escolar Adolfina.
Ela acontece uma vez durante o final do ano, é de livre participação e agrupa toda a comunidade escolar. O objetivo é planejar o ano seguinte, a partir do que o grupo entende que são as prioridades entre essas demandas complexas.
“A gestão democrática permite a construção da cultura da escola”, diz Joice Lamb
Entre elas, há pedidos como alterar o horário de entrada da escola, comprar mesas, instalar ar-condicionado e debater questões de gênero. Também uma área para jogar bolinhas de gude, uma cama elástica e construir uma casinha de madeira em uma praça próxima à escola.
“Todo mundo sabe que ali se decidem as coisas para o ano que vem. Tiramos ou colocamos no documento o que será realizado no ano seguinte”, explica Joice, que conta que após o período de fechamento das escolas por causa da pandemia de Covid-19, as demandas dos estudantes são por mais aulas de teatro, música e artes.
“A gestão democrática permite a construção da cultura da escola. Também faz com que os estudantes efetivamente pertençam a ela, que aprendam a lutar pelo que querem e que saibam lidar quando não conseguem o que queriam”, diz Joice.
Quer saber mais sobre o papel das escolas na educação política e no fortalecimento da democracia? Este foi um dos temas da live Hora do Intervalo, que pode ser assistida abaixo:
Ver essa foto no Instagram